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Analistas: 'Bipartidarismo em Portugal é unipartidarismo estadunidense' e derrota do PS era esperada

© AP Photo / Armando FrancaLuís Montenegro, líder da Aliança Democrática, de centro-direita (ao centro), e sua esposa, Carla (à esquerda), gesticulam para apoiadores após declararem vitória nas eleições, em Lisboa. Portugal, 11 de março de 2024
Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática, de centro-direita (ao centro), e sua esposa, Carla (à esquerda), gesticulam para apoiadores após declararem vitória nas eleições, em Lisboa. Portugal, 11 de março de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 13.03.2024
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam os motivos que levaram o eleitorado português a retirar do poder o Partido Socialista, que governou o país por quase uma década.
As eleições legislativas em Portugal, realizadas no último domingo (10), resultaram em uma reviravolta no cenário político português. O Partido Socialista (PS), que governou o país por nove anos, perdeu para a Aliança Democrática, coligação de centro-direita que reúne as siglas Partido Social Democrata (PSD/PPD), Centro Democrático Social (CDS) e Partido Popular Monárquico (PPM).
No pleito, a Aliança Democrática obteve 29% dos votos, conquistando 79 assentos no Parlamento. Já o Partido Socialista ficou com 28% dos votos, elegendo 77 deputados, perdendo um total de 44 cadeiras. Em terceiro lugar ficou a legenda de direita Chega, que obteve 18% dos votos, saltando de 12 para 48 deputados eleitos para o Parlamento.
A eleição ocorre em um momento nevrálgico da política portuguesa. Em novembro, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a dissolução do Parlamento e antecipou o pleito para março deste ano, dois anos antes do previsto. A medida foi tomada após o então primeiro-ministro português, António Costa, apresentar sua carta de renúncia no âmbito de uma grande operação contra a corrupção, que tinha o próprio Costa entre os investigados.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam qual deve ser o perfil político do novo primeiro-ministro, a ser anunciado em abril, após debates entre líderes de partidos, diante dos resultados das eleições.
Para Francisco Balsinha, jornalista português e cofundador do canal Multipolar TV, a derrota do Partido Socialista já era anunciada.

"O Partido Socialista não resolveu uma boa parte dos problemas com que se defronta a sociedade portuguesa. E, portanto, era natural que viesse a ser penalizado nas urnas, como de fato veio a acontecer."

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Ele acrescenta que, da mesma forma, a vitória da Aliança Democrática era esperada, bem como a ascensão do Chega, embora não na proporção observada.
Segundo Balsinha, ainda não está claro se a Aliança Democrática vai integrar uma coligação com o Chega, mas essa opção não está descartada, o que representaria o retorno da direita, que não ascende ao poder no país desde a década de 1970.

"Seria o retorno de uma direita muito retrógrada, que foi banida com a revolução de 25 de abril de 1974 [também chamada Revolução dos Cravos], que restaurou a liberdade em Portugal. E a entrada do Chega no governo, do meu ponto de vista, configuraria o retorno dessa direita revanchista, totalitária, ao governo do país."

O que contribuiu para a ascensão do Chega?

Questionado sobre os motivos do avanço do Chega entre o eleitorado português, Balsinha aponta o discurso populista, que "toca nos problemas que as pessoas, de fato, sentem e que também agita alguns medos perante a opinião pública, como é o caso da imigração, por exemplo".

"Portanto são coisas que são sensíveis — quando o Chega diz que vai eliminar as listas de espera nos hospitais, isso é o que toda a gente quer ouvir. Quando o líder do Chega diz que vai aumentar as reformas, que vai aumentar o ordenado, o vencimento da função pública, isso é aquilo que toda a gente quer ouvir. E as pessoas, ao ouvirem propostas dessa natureza, como, por exemplo, baixar os impostos, agrada-lhes aquilo que ouvem, e nem sequer equacionam se aquilo é executável ou não, se pode ser praticado ou não", diz o especialista.

"É evidente que não pode ser praticado, […] isso geraria um rombo no Orçamento Geral do Estado, isso não é executável, é uma medida eleitoreira que nunca virá a ser praticada, portanto foi com medidas populistas dessa natureza que ele [Chega] conseguiu convencer o eleitorado", acrescenta.
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Sobre a declaração dada pelo líder do Chega, André Ventura, em um vídeo divulgado durante a campanha, de que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não mais entraria no país caso sua legenda fosse vitoriosa, Balsinha explica que a fala não espanta, porque Ventura "não se candidatou nem é líder de um partido para defender os interesses de Portugal, ele está para defender uma ideia de poder que ele tem para ele próprio".

"É claro que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é estimado pela maioria dos cidadãos portugueses, que ainda no ano passado esteve aqui, exatamente no dia 25 de abril, quando o Chega, liderado por esse senhor, armou uma peixeirada [tumulto] na Assembleia da República que envergonhou toda a sociedade portuguesa, foi bem recebido por todos nós e será sempre bem recebido quando voltar a Portugal."

A opinião de Balsinha sobre a previsibilidade do resultado do pleito é compartilhada pelo especialista em geopolítica Paulo Mártires dos Santos.
"Os resultados eram mais do que previsíveis, em toda a linha. Nada disso foi surpresa, ao contrário do que muitas pessoas possam pensar."
Porém ele destaca que para entender o que levou ao resultado da votação do dia 10, é preciso compreender a evolução política de Portugal.
"Portugal adotou, em 1974–76, a proibição dos partidos políticos de adotarem as siglas correspondentes à sua efetiva área de atuação política. Eles todos adotaram siglas que os conotavam com o sistema democrático ou com o sistema socialista, mesmo aqueles que não eram. Temos de perceber que o PSD/PPD é um partido que estava na Assembleia Nacional, portanto era um partido que fazia parte do sistema herdeiro da ditadura, […] é um partido conservador, e nós temos de entendê-los dessa forma. Se quisermos entendê-los de uma forma liberal no sentido econômico, também o podemos entender, mas com toda a certeza é um partido de direita que nada tem a ver com social-democracia", explica o especialista.

"Temos de entender também o PS, cuja sigla e designação surgia com o Partido Socialista, mas que desde sempre foi um partido que desenvolveu na sua área política, na ideologia que de fato revelou ter, uma tendência social-democrata. Portanto temos um PSD/PPD com uma atuação real na área do liberalismo roçando o conservadorismo. Temos um PS que se diz socialista, mas que na realidade é um partido social-democrata", complementa.

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Nesse contexto, Santos afirma que "o bipartidarismo em Portugal é o unipartidarismo estadunidense". "Eles alternam entre republicanos e democratas, sendo que a linha é definida por um aparelho que está na retaguarda e que pouco se altera. Pode alterar a imagem, mas não altera o percurso."

O povo português realmente não quer imigrantes no país?

O vídeo de Ventura ameaçando proibir a entrada de Lula em Portugal não foi o único com contornos xenófobos. Outros vídeos mostrando brasileiros sendo destratados em Portugal também costumam ser veiculados nas redes sociais. Questionado sobre qual o posicionamento, de fato, da sociedade portuguesa em relação aos imigrantes, Santos diz que "primeiro é preciso definir as águas na análise".

"Primeiro, temos os governos portugueses enquanto representantes de uma máquina econômica, que utilizam a imigração em vários sentidos. […] temos, por outro lado, a população portuguesa que sente que já há demasiados imigrantes em Portugal, e que começam a ficar fartos do excesso."

Sobre a declaração de Ventura em relação à Lula, Santos diz que Ventura "é um indivíduo que tem um nível de formação, de educação, muitíssimo baixo".
"Chamemos-lhe de indivíduo necessário pela máquina que o sustenta para estar naquele lugar enquanto populista. Ou seja, aquilo que ele diz é aquilo que o cidadão português culturalmente subdesenvolvido, desconhecedor de fato da política, dos jogos políticos e incapaz de perceber mais do que aquilo que lhe é oferecido na mídia e na Internet, acena com a cabeça positivamente, sem perceber que aquilo que o André Ventura diz não é aquilo que ele faz. André Ventura diz aquilo que as pessoas gostam de ouvir para depois fazer o contrário daquilo que diz."
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