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UE e EUA não têm disposição para acordo de paz entre Rússia e Ucrânia, dizem analistas

© AP Photo / Olivier MatthysVladimir Zelensky posa para foto durante encontro do Parlamento Europeu. Bruxelas, 25 de junho de 2024
Vladimir Zelensky posa para foto durante encontro do Parlamento Europeu. Bruxelas, 25 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 25.06.2024
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Após meses de impasse e de uma "lacuna legal" que permitiu contornar o veto da Hungria à questão, a União Europeia (UE) decidiu enviar a primeira parcela de lucro gerado por ativos russos à Ucrânia, de quase 1,4 bilhão de euros (R$ 8,17 bilhões). Recursos para a compra de armas serão destinados ao país por meio do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz.
Em mais uma contradição que envolve o apoio da União Europeia (UE) ao regime de Vladimir Zelensky no conflito na Ucrânia, o bloco contornou nesta semana os impasses que envolviam o envio dos lucros obtidos com os ativos russos congelados para Kiev e chegou a um acordo para a primeira parcela bilionária. Com o objetivo de financiar a compra de armas e outros equipamentos militares, os europeus irão disponibilizar o recurso por meio do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (MEAP), um fundo criado para "ajudar países parceiros em operações militares de paz".
Conforme declaração do alto representante da UE para relações exteriores e assuntos de segurança, Josep Borrell, o dinheiro vai possibilitar a compra de sistemas de defesa antiaérea, além de munições ao regime de Kiev. Desde o início da operação militar especial russa, o bloco europeu e o G7 congelaram quase metade das reservas da Rússia depositadas em bancos ocidentais, que somam quase 300 bilhões de euros (cerca de R$ 1,7 trilhão). Por diversas vezes, Moscou já afirmou que qualquer tentativa de confiscar os valores é equivalente a um roubo e também viola o direito internacional.
Porém, o veto da Hungria à compra de armas pela Ucrânia com o recurso impedia o avanço da medida, que foi contornada por uma solução jurídica, na qual foi decidido que Budapeste não poderia impedir uma questão para a qual não contribui diretamente, como o apoio à Ucrânia no conflito. A expectativa é de que os recursos sejam enviados já na próxima semana.
O doutorando em relações internacionais Getúlio Alves de Almeida Neto, do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, avaliou à Sputnik Brasil que a situação mostra que não há nenhuma disposição da UE em intermediar um acordo de paz na região.
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"Na verdade, a não disposição da União Europeia em participar de um processo de acordo de paz entre Rússia e Ucrânia é evidente, mesmo antes dessa decisão. Está bem claro o posicionamento antagônico entre as partes do conflito, no qual a UE, em conjunto com os Estados Unidos, se colocou como parte diretamente interessada nos desdobramentos do conflito em favor do lado ucraniano e, consequentemente, não poderiam atuar como intermediadores de um acordo", aponta o especialista.

Almeida Neto pontuou que a economia russa, mesmo com os diversos e consecutivos pacotes de sanções ocidentais, tem demonstrado "grande resiliência", além dos avanços militares na operação. Conforme o especialista, a decisão sobre o uso dos lucros dos ativos russos é "difícil" e, por isso, foi tomada após mais de dois anos de conflito.

"Assim, as recentes decisões de ordem mais drástica, como a autorização do governo Biden para a Ucrânia utilizar seus armamentos contra alvos em território russo, e agora a utilização dos rendimentos dos recursos russos congelados para os esforços de guerra da Ucrânia, me parecem […] um sinal de que estão dispostos a continuar com a guerra utilizando cada vez mais meios disponíveis e [que estão] irredutíveis quanto à possibilidade de negociação de paz nas circunstâncias atuais", argumenta.

O analista acrescenta que o uso dos ativos russos também abre precedente para que a mesma medida seja realizada contra outros atores globais contrários aos interesses europeus, o que afeta a segurança jurídica e política de terem ativos em bancos ocidentais. "É preciso citar também que a decisão foi contrária ao posicionamento da Hungria, que afirmou que esta viola as regras da própria União Europeia", diz.
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Zelensky e a falta de autonomia para negociar a paz

Com relação ao regime de Vladimir Zelensky, que cancelou as eleições na Ucrânia neste ano e se mantém no poder mesmo sem previsão constitucional, o doutorando acrescenta a relação de dependência "total em relação aos países ocidentais desde o início do conflito".
"A decisão de utilizar ou não os lucros gerados pelo congelamento dos ativos russos não tem a ver com um poder de influência de Zelensky sobre os países ocidentais, mas justamente o contrário. Nesse sentido, a autonomia do presidente ucraniano no desenvolvimento do conflito ou em qualquer negociação de acordo de paz é próxima a zero", afirma.
Por fim, o especialista lembrou de uma declaração da representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, quando enfatizou que o país dispõe de um "vasto arsenal de contramedidas políticas e econômicas" que poderia utilizar em resposta à decisão da UE.
"O que podemos observar nos próximos dias é uma retórica mais crítica do governo russo e uma tentativa de retaliação […]. No fim, trata-se mais de um episódio que piora as relações entre a Rússia e os países europeus e torna impensável qualquer possibilidade de conciliação ou tentativa de acordo de paz com participação da União Europeia no cenário atual".

Fundo de apoio à paz usado pela primeira vez para fins militares

Já o pesquisador do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública (Lepdesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Núcleo de Estudos dos Países BRICS (NuBRICS) da Universidade Federal Fluminense (UFF) Lier Pires Ferreira ressaltou à Sputnik Brasil que é a primeira vez que o MEAP é usado para apoiar uma ação bélico-militar.
"Até aqui, o Mecanismo foi utilizado somente para apoiar ações de manutenção da paz, fortalecimento da ordem jurídica e promoção dos direitos humanos. Foi o que vimos na Moldávia, na Costa do Marfim e na Somália, onde recursos do MEAP foram utilizados", afirma, ressaltando os impactos políticos da decisão.

"Os riscos não estão necessariamente na abordagem, mas no prolongamento e na escalada do conflito. Como dito, a Rússia não irá tolerar o ingresso da Ucrânia na OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], da mesma forma que os Estados Unidos não toleraram a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, nos anos 1960, no evento conhecido como Crise dos Mísseis […]. Trata-se de uma questão de segurança nacional: isso uma grande potência não negocia. Desse modo, quanto mais durar o conflito, quanto mais ácido for o jogo das 'agressões e represálias', mais próximo poderemos estar de um conflito de alta magnitude, cujas consequências são imprevisíveis", argumenta.

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Quais países têm F-16?

Apesar de não serem mais aeronaves de combate consideradas tão eficientes no campo de batalha, o especialista ressalta também que mesmo a aquisição dos "surrados F-16" é motivo de preocupação para uma escalada do conflito na região.
"É bem verdade que as potências ocidentais fazem um jogo de soma zero no conflito russo-ucraniano, pois os recursos ocidentais até aqui disponibilizados para a compra de armamentos e outros bens necessários à resistência ucraniana são adquiridos em grande parte das próprias potências ocidentais à custa de um imenso passivo ucraniano cuja fatura virá, no futuro, de uma forma ou de outra. A dependência da Ucrânia face ao Ocidente está sendo construída a ferro e fogo", enfatiza.
Diante da opinião pública tanto da Europa quanto dos EUA, cada vez mais contrária à liberação de recursos para a Ucrânia, Lier Pires lembra que Bruxelas passa a recorrer aos ativos russos congelados. Para o especialista, o que acontece é um "jogo perverso".

"Como a Ucrânia tem sido um campo de testes para determinados equipamentos, como drones e tanques, ao mesmo tempo em que aquece a indústria bélica ocidental, sempre 'carente' de um conflito que justifique novas armas e maiores orçamentos militares, as lideranças ocidentais ainda estão na zona de conforto. Há mortes de civis e militares no campo de batalha, sim, há muito sofrimento humano, sim, mas lamentavelmente, aos olhos dessas lideranças, esse é um preço ainda baixo a ser pago", resume.

'Paz não está no horizonte'

Assim como Getúlio Neto, o pesquisador considera que a decisão de uso dos ativos russos impacta diretamente os esforços pela paz, que terão, segundo ele, Moscou e Bruxelas, a última sob a tutela norte-americana, como personagens principais.
"Embora haja um desgaste com a guerra, que foi inclusive sombreada pelo conflito entre o Hamas e Israel, tenho a impressão de que ainda há margem para esticar essa guerra por muito tempo, em que pese suas consequências humanitárias, aqui postas em primeiro plano por nós. Trocando em miúdos, a Europa e os Estados Unidos não parecem verdadeiramente interessados em um acordo de paz viável, pragmático e duradouro na Ucrânia, que reconheça os interesses russos na região e estabeleça uma paz duradoura", acrescenta.
Como exemplo, Lier Pires citou a recente decisão do governo do presidente Joe Biden de permitir o uso de armas norte-americanas contra o território russo, como ocorreu em Sevastopol, na Crimeia, no último fim de semana. "Ainda não se vê a luz no fim do túnel. Parece que, por ora, a ideia das potências ocidentais, deveras equivocada, é minar a Rússia tanto quanto possível. Todavia, de modo consciente ou não, estão jogando o urso no colo do dragão chinês."
Conforme o especialista, é necessário mais "realismo político" por parte dos governos ocidentais, que inclusive descumpriram o "acordo de cavalheiro fixado ao fim da Guerra Fria" de não expansão da OTAN para o Leste Europeu.

"Pensando particularmente nos Estados Unidos, é nítido que a arena militar lhes é confortável, pois possuem recursos, armas e soft power suficientes para sustentar conflitos bélicos sangrentos, em particular quando as vítimas não são cidadãos americanos. Nesse sentido, eu ousaria dizer que a Rússia de Putin até tentou ter uma relação mais cooperativa com o Ocidente […]. Talvez seja a hora do realismo político, há tempos escanteado nos EUA e na UE, voltar a campo", avalia o pesquisador.

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