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Sincretismo brasileiro: especialistas destacam influências do Islã nas religiões de matriz africana

© Foto / Fotos Públicas / Severino SilvaEnsaio fotográfico sobre a fé no Brasil. Na foto o banho de pipocas na igreja de São Lázaro, em Salvador (BA). Brasil, 17 de outubro de 2015
Ensaio fotográfico sobre a fé no Brasil. Na foto o banho de pipocas na igreja de São Lázaro, em Salvador (BA). Brasil, 17 de outubro de 2015 - Sputnik Brasil, 1920, 28.06.2024
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O Brasil, devido ao seu passado colonial, escravagista e com diferentes ondas migratórias, ganhou uma rica diversidade cultural e criações próprias. É o caso das chamadas religiões de matriz africana, que guardam muitas semelhanças com o cristianismo. Mas o que poucos sabem é que elas também receberam influências do islamismo.
As similaridades desconhecidas e o modo como o Islã influenciou as religiões de matriz africana brasileiras foram temas do episódio desta sexta-feira (28) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

Qual a semelhança do Islã com a umbanda e o candomblé?

Tido como menos sincrético que a umbanda, o candomblé é uma religião "orgulhosamente brasileira", diz Márcio de Jagun, advogado, escritor, babalorixá e professor de cultura iorubá na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

"Lá no continente africano nós temos várias matrizes, vários nascedouros de tradições, de grupos étnicos diferentes, que no contexto brasileiro, na nossa 'salada', nas várias formas de resistência […] produziram o que seria mais correto chamar de candomblés, assim como umbandas."

Ele afirma que "denominar no singular o candomblé seria pouco para dimensionar a quantidade de matrizes, de fontes […] trazidas para cá e [que] se constituíram aqui".
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Segundo Jagun, entre essas influências que constituíram os candomblés e as umbandas brasileiras, muitas vezes é apontada a mistura que ocorreu com ritos católicos e indígenas.
Porém, aponta o babalorixá, "o período de escravização humana no Brasil foi muito longo, cerca de 400 anos", e dentro desses séculos, quatro ciclos ocorreram.
"Nos dois primeiros vieram, em maior quantidade, pessoas escravizadas das etnias bantos. No terceiro, no quarto e no chamado ciclo da ilegalidade, vieram mais aqueles de origem étnica nagô e iorubá, de etnia fom, como nós costumamos chamar os fons de jeje", explica.
De acordo com Jagun, havia muçulmanos entre todos esses grupos que foram trazidos para o Brasil.

"Então a presença do Islã, seja no contexto das religiões africanas produzidas no Brasil, assim como no período anterior, que a gente chama de pré-diaspórico, é muito intensa", acrescenta.

Jagun sublinha que muito se discute o sincretismo afro-católico como se esse "fosse o único nível, o único nicho de interseção entre essas matrizes religiosas, culturais e filosóficas".
"Mas a relação do sincretismo afro-islâmico, afro-indígena, intra-africano, podem ter certeza, é uma relação muito mais intensa", afirma o babalorixá.
Rafael Maron, graduado em história e mestre em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), aponta que no livro "Rebelião escrava no Brasil", do professor João José Reis, há o detalhamento de um caso de uma guerra no antigo principado de Oió, no sudoeste da África, na qual os muçulmanos foram derrotados e vendidos como escravos para trabalharem no Brasil.

"Desde o século XVI se fala […] até em muçulmanos que chegam aqui também na própria frota de Cabral."

Quanto às influências pré-diaspóricas, Maron explica que "o Islã admite a possibilidade de aquisição cultural dos locais onde ele está, desde que essas práticas não contradigam sua mensagem principal, não contradigam seus princípios".
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Jagun menciona como exemplo dessa aquisição cultural o episódio de Oió, citando uma história de Xangô, divindade iorubá, deus do fogo, da justiça e cultuado nos terreiros de umbanda e candomblé.
"Em determinada ocasião [Xangô] expandiu os seus domínios na cidade de Oió, que fica na região sudoeste da África, precisamente na atual Nigéria […] até o Mali, onde a população era, na época, majoritariamente islâmica", reconta o professor da UERJ.

"Xangô assentiu a um pedido, demonstrando politicamente respeito ao islamismo: ele adotou para si e para todos os seus descendentes um interdito típico do islamismo, que é não consumir carne de porco. E é curioso, porque até hoje nos terreiros de candomblé do Brasil, e depois, nessa nova diáspora, mundo afora, quem é filho de Xangô […] não come carne de porco."

João Luiz Carneiro, escritor e doutor em ciências da religião pela Pontífica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), traz ainda mais semelhanças entre as duas religiões, como o uso de amuletos sagrados no pescoço, como os talismãs do Islã, e os lequés, "que são cordões ritualísticos utilizados pelos praticantes de candomblé e de umbanda".
"Dependendo de características do terreiro, da sua filiação espiritual no candomblé, existe uma certa abstinência de certos tipos de alimentos. O uso de banhos de ervas, da purificação, também é comum em ambas as tradições."
Um dos exemplos mais significativos é o uso do mesmo instrumento musical: o atabaque, ou al-tabak, como é chamado pelos árabes, segundo aponta Carneiro.

"Existem muitas saudações, rezas, utilizadas tanto no candomblé quanto na umbanda, que possuem raízes e expressões que também transitam pelo Islã. Eu gosto de utilizar o exemplo do atabaque, que vem de al-tabak."

Jagun acrescenta que outra semelhança entre o candomblé e o islamismo pode ser observada em celebrações nas quais as mulheres fazem um sibilar de língua que produz um som muito similar à salguta, o som que as muçulmanas produzem com a boca em celebrações, sobretudo que envolvem dança.

"Igualzinho. Você vê que essas relações, o uso do branco na sexta-feira, o jejum de Oxalá às sextas-feiras, a origem referencial de paz, o Exu da umbanda que atende a Xangô, Xangô-Orixá, que respeitam o islamismo, tudo isso forma um caldo muito interessante de um sincretismo afro-islâmico que nós precisamos conhecer melhor", afirma.

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