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Brando, porém potente: 'soft power' asiático vem ganhando corações e mentes, apontam especialistas

© Sputnik / Artur Lebedev / Acessar o banco de imagensFigura de cera do cantor sul-coreano Psy, autor do sucesso "Gangnam Style", no museu de cera Dejavú, em Sochi
Figura de cera do cantor sul-coreano Psy, autor do sucesso Gangnam Style, no museu de cera Dejavú, em Sochi - Sputnik Brasil, 1920, 08.08.2024
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Os "enlatados" americanos e a influência cultural eurocêntrica já não norteiam as novas gerações mundiais como antes.
Seja pelas produções cinematográficas que têm dominado o mundo do streaming, com seus doramas, filmes e documentários ou bandas k-pop, que atraem multidões pelo planeta, a cultura asiática tem exercido cada vez mais influência cultural em vários países, graças ao seu soft power.
O hit coreano Gangnam Style, de 2012, que ultrapassou 5,2 bilhões de visualizações no YouTube, dá a magnitude desse alcance.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, o professor de história da Ásia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Emiliano Unzer e a coordenadora do MidiÁsia, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mayara Araújo abordaram algumas estratégias e desafios dos países asiáticos nessa política externa de conquista de poder e prestígio sem uso da força.
Autor do livro ''História da Ásia'', Unzer lembra que, no caso da Coreia do Sul, o instrumento de projeção cultural para o restante do mundo é estratégia antiga do governo coreano.

"[Kim] Dae-jung, presidente na virada do século passado para este, já tinha criado uma agência de promoção cultural da Coreia, que segue um pouco o exemplo do que havia em outros países, como o Japão, por exemplo. É uma vertente de mostrar os valores do que chamo da 'coreanidade' para o mundo."

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Após décadas de guerras e de "uma fratura na península coreana terrível", o momento atual do país, de acordo com o professor, é buscar a identidade deles e mostrá-la para o mundo.
A grande procura de jovens de diferentes partes do planeta pelo estudo do idioma e por cursos no país é um dos pontos mencionados pelo professor:

"Em São Paulo, você já tem, além da KCC, que é a agência cultural, Centro Cultural Coreano, na avenida Paulista. Há também uma demanda grande de estudantes brasileiros para cursar letras coreanas na USP [Universidade de São Paulo], por exemplo."

Ele lembra que, até os anos 1980, era muito baixa a percepção do que era a cultura coreana.
Esse soft power tem conseguido inclusive romper com estereótipos e preconceitos em relações aos países da região asiática, como é o caso da Tailândia, explicita Unzer.

"Ela ficou muito tempo estigmatizada pela percepção e promoção da produção norte-americana, de que o país seria apenas um lugar para o uso de drogas, festas, questões de prostituição. Isso é uma percepção rasa do que os americanos viveram depois da Guerra do Vietnã, em que muitos veteranos de guerra depois foram morar ali na Tailândia e entraram nesse estilo de vida", comenta o especialista.

Em 2023, o país criou uma agência criativa cultural, a Thaka, no Japão, promovendo o que suas músicas, o t-pop, e a cultura tailandesa que, de acordo com ele, tem uma riqueza histórica herdeira da cultura Khmer e da cultura budista.
O karatê e o judô, artes marciais já disseminadas globalmente, continuam a ser um dos principais soft powers de alguns desses países como a China e o Japão, avaliam os entrevistados, incorporando novas atividades, como o muay thai.

"Não é somente a luta que é promovida. Também existe todo o lado da filosofia, da ética, dos valores que estão imbuídos no cultivo dessas artes marciais. Então, sim, a gente pode pensar isso como uma primeira projeção suave das sociedades asiáticas no Brasil e além."

China

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Presente e influente no mundo todo por seus produtos e suas trocas comerciais, a China talvez seja o país com mais condições materiais para investir em soft power e influenciar outras nações a seguirem sua cartilha, de acordo com Araújo.
E, no entanto, é um dos países com a imagem mais controversa perante o mundo. Como exemplo, ela cita a pandemia de COVID-19, quando houve a proliferação de teorias da conspiração que acusavam a China de criar o vírus para dominar o mundo.
Fruto de uma narrativa fabricada pelas grandes potências, que se veem ameaçadas com a crescente ascensão do gigante asiático, essa imagem negativa não tem sido devidamente combatida pela China, na opinião da analista.
Dona de infraestrutura televisiva "fenomenal" e maior produtora de dramas de televisão no mundo, o país também conseguiu emplacar internacionalmente com o TikTok. O cinema chinês alcança uma população cada vez mais diversa.

"Mas, apesar de todas essas possibilidades que são suscitadas, a China enfrenta estigmatização por conta do que ela chamou 'déficit cultural chinês'. É difícil para a China atingir outros lugares, se na verdade a imagem da China é tão problemática, se ela é tão malvista nos países em que quer se colocar", pondera Araújo.

Sobre o sucesso do TikTok, Araújo destaca que, embora a plataforma seja chinesa, não está focada em projetar os valores e a "cara" da China — logo, não servindo como instrumento de soft power na atualidade.
Para a pesquisadora, falta à China a iniciativa de investir mais na questão da digitalização da cultura.

"Criar infraestrutura digital para que as pessoas tenham acesso à Internet e possam conhecer a cultura, acessar museus chineses através da Internet. Só que isso ainda é muito incipiente e não parece ser o carro-chefe da China neste momento", lamenta ela.

Índia

País mais populoso do mundo, com diversidade étnica, linguística, cultural e religiosa "impressionantes", a Índia é também a maior democracia do mundo, além de ter sido pioneira na astronomia e matemática. Entretanto, esses e outros aspectos da sociedade indiana são ofuscados por imagens e notícias sobre as desigualdades sociais e a pobreza, segundo Unzer.

"A Índia tem tanto significado, tanta história, riqueza para você simplesmente falar, mas aí é a questão da pobreza, a questão da sujeira, a questão do banheiro. Só de você explicar o que é o Taj Mahal para as pessoas já merece aclamação universal do que é tão bonito", exalta ele. "Os europeus aprenderam jardinagem com as peças e o jardim do Taj Mahal."

Japão

Veterano no uso do soft power de maneira internacional, o Japão já tem consolidado na maior parte do planeta sua cultura pop, animes e mangás, além das artes marciais e culinária. Essa experiência japonesa surgiu a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o país asiático, que era aliado da Alemanha, foi derrotado, explica o professor da UFES.
Com a proibição da criação das Forças Armadas pela nova Constituição, o Japão passou a incrementar o investimento em tecnologia não bélica e na promoção de seus produtos para o restante do mundo.
"A venda e produção de televisores, de automóveis também que começou a ter, a fita cassete, gravadores […], não somente a venda desses equipamentos, como também produção de conteúdo", diz o professor.
Após sofrer com duas bombas nucleares lançadas pelos EUA e milhões de mortos e destruição, o Japão logrou se reinventar de maneira exemplar, segundo o estudioso.

"Até a Segunda Guerra Mundial, a percepção americana desenhava o Japão como um povo fanático, marcial, militar. Depois da Segunda Guerra Mundial, há uma mudança, do pacifismo, da sabedoria atemporal dos mestres japoneses. O Japão engloba tudo isso. A história japonesa engloba todos os traumas, além das questões naturais, os terremotos, tsunamis", acrescenta Unzer.

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Cingapura

Com um dos portos mais movimentados do mundo atualmente, Cingapura tem buscado promover sua imagem à de uma espécie de hub, não somente marítimo, mas também de aviação.

"Não sei quantas vezes o aeroporto de Shaanxi já foi votado o melhor aeroporto do mundo. As linhas aéreas Singapore Airlines são consideradas as melhores do mundo. Então há forte investimento do governo cingapuriano nisso, como também de buscar ser um vetor de atração de investimentos em tecnologia avançada verde, geração de inteligência artificial", comenta o professor.

Ainda segundo o especialista, Cingapura conseguiu ainda gerar confiança nas economias do mundo por seu ambiente de negócios estável e transparente.

"Cingapura recebeu grandes levas de malaios, mas também de chineses e indianos, que compõem a sociedade como um todo. […] E ela se projeta no mundo neste sentido: 'Aqui somos um ambiente estável, aberto e múltiplo.'"

Ele destaca que o produto interno bruto (PIB) de Cingapura é praticamente igual ao da Malásia.

"E olha que a Malásia tem muito dinheiro porque tem petróleo. Então foi um milagre que a ponta daquela península tenha se transformado em um PIB do tamanho da Malásia, que é seu vizinho ao norte", exalta ele.

Ele defende que o Sudeste Asiático está se tornando uma região de dinamismo e de integração relevante, com acordos solidificados da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) de cooperação econômica que devem se traduzir em crescimentos exponenciais ao longo dos próximos anos, aposta.

Vietnã e Indonésia

Especialista e admiradora das culturas indonésia e vietnamita, Araújo lamenta que as estratégias de política externa de ambos os países para se promoverem estejam limitadas ao turismo.
Maior população islâmica do mundo, a Indonésia tem um desafio extra para se projetar internacionalmente diante de um contexto que não é tão favorável a países de religião muçulmana: devido ao preconceito, avalia Araújo. Por outro lado, as ilhas paradisíacas têm sido os maiores atrativos do país no uso do soft power.

"A Indonésia, em relação a soft powers, tem interesse maior neste momento em trabalhar com a ideia de turismo. Então a gente vai pensar a cultura tradicional indonésia em relação às praias, aos lugares mais bonitos que eles têm."

Araújo, que também é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI), conta que o Vietnã é um exemplo de país que não sabe explorar suas muitas qualidades para expor ao mundo.
Com rica cultura, culinária, história, paisagens naturais e patrimônios protegidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), o Vietnã ainda não conseguiu investir suficientemente em soft power para chegar nos corações e nas mentes da população internacional, de acordo com Araújo.

"O Vietnã, investiu muito bem na ideia do turismo […] Ideia de beleza natural que de fato é fantástica mas, ao mesmo tempo, a gente também poderia pensar numa perspectiva de limitação. […] Tende a passar um certo ar artificial, de estar muito preparado para o turista ver."

Apesar dos desafios e entraves nessa disputa de poder por meio da cultura, os entrevistados afirmam que os potenciais desses países para lograr mais prestígio e status no mundo são enormes e eles já provaram que não têm tempo a perder.
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