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Lei da Anistia: 45 anos depois, ainda dá tempo de punir criminosos da ditadura se houver revisão?

© ©Avener Prado/FolhapressApoiadores de Jair Bolsonaro comemoram vitória nas eleições em frente ao condomínio dele na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com homenagem ao coronel Brilhante Ustra, torturador na ditadura militar
Apoiadores de Jair Bolsonaro comemoram vitória nas eleições em frente ao condomínio dele na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, com homenagem ao coronel Brilhante Ustra, torturador na ditadura militar - Sputnik Brasil, 1920, 28.08.2024
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Promulgada em plena ditadura militar, em 1976, a Lei nº 6.683, mais conhecida como Lei da Anistia, completa 45 anos nesta quarta-feira (28).
A lei foi responsável por libertar mais de 100 presos políticos e possibilitou a volta de mais de 2 mil exilados para o Brasil. Ao mesmo tempo, concedeu perdão a torturadores e assassinos a mando do Estado.
Sancionada pelo último ditador do período, João Figueiredo, a lei anistiou autores de crimes políticos e conexos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a lei é válida também para agentes estatais, por ter sido fruto de um consenso no período de redemocratização do país.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), elaborado em 2014, pediu a revisão da Lei da Anistia. O documento lista 377 pessoas como responsáveis por assassinatos e torturas, 210 desaparecidos e 191 mortos no período.
Também em 2014 foi protocolada no STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 320, proposta pelo PSOL, que pede reconhecimento da Corte de que a Lei de Anistia não aplica regras e princípios de direito internacional que estabelecem que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e não podem ser objeto de anistia conferida pelo próprio Estado ofensor.
Em abril deste ano, o ministro Dias Toffoli sinalizou realizar audiências públicas sobre a ADPF 320 ainda no segundo semestre deste ano, após se reunir com integrantes do Instituto Vladimir Herzog. Entretanto, até o momento, não há sinais da Corte de "desengavetar" a ação.
Para o professor de teoria da história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Iuri Cavlak, já não há tempo hábil para prender e condenar agentes diretos e fazê-los pagar pelos crimes cometidos. Em entrevista à Sputnik Brasil, o historiador opinou que nem Congresso nem STF têm interesse ou força para tal reversão:

"Temos um Congresso que a cada quatro anos tem se tornado mais e mais conservador, e um STF assoberbado por demandas de todas as partes […]. Mexer nos problemas centrais da lei, acho difícil. A não ser em itens que não afetem diretamente privilégios estabelecidos […]. O problema é o de sempre, a correlação política, atualmente bastante favorável para os que perpetraram crimes na última ditadura", acrescentou Cavlak.

Ele ponderou, no entanto, que nunca é tarde para condenações póstumas, reconhecimentos ou indenizações.
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Já a historiadora e professora Roberta Baltar disse à Sputnik Brasil que, apesar do contexto político para uma revisão da Lei de Anistia no Congresso ser complexo, o STF pode desempenhar um papel relevante nesse sentido:

"A lei, em sua interpretação atual, impede a punição de agentes de Estado por crimes contra a humanidade, o que contraria o direito internacional e impede a completa reparação das vítimas e seus familiares […]. O STF, ao julgar a ADPF 320, pode declarar a inconstitucionalidade da interpretação que impede a punição de agentes de Estado por crimes contra a humanidade, abrindo caminho para a responsabilização desses agentes."

Assim como Cavlak, ela também argumentou que a busca por justiça e a revisão da Lei de Anistia não tem prazo: "Enquanto houver vítimas e familiares buscando reparação e a sociedade demandando a responsabilização dos agentes de Estado, a oportunidade de revisão da lei existirá", frisou Baltar.
O Brasil ratificou uma série de marcos legais que determinam que crimes de tortura e desaparecimento de presos e opositores políticos, praticados por agentes do Estado, devem ser investigados e os agentes punidos, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Estatuto de Roma, a Convenção de Genebra de 1949, entre outros.

Reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Instituída pela Lei nº 9.140/1995, a comissão foi criada para reconhecer pessoas desaparecidas que tenham participado ou foram acusadas de participar de atividades políticas no período entre 1961 e 1988. Fruto de uma demanda da sociedade civil, o colegiado será reinstalado nesta sexta-feira (30), após ter sido encerrado pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro.
O historiador destacou que a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos pode contribuir para que lacunas deixadas pela lei sejam sanadas:

"Ainda se descobre Brasil afora covas onde jazem os restos mortais de desaparecidos. Pode ajudar na aceleração da identificação e no encontro de novos sítios. Isso é importantíssimo para as famílias que ainda procuram o paradeiro de seus entes", ressaltou Cavlak.

A falta de punição de torturadores e criminosos da ditadura contribui para movimentos golpistas do presente e a popularidade de políticos com discursos fascistas, defendeu o especialista:
"Isso se mostrou, inclusive, em relação ao golpe de 1964. Tivemos uma ditadura entre 1937 e 1945, com torturas de presos políticos nas cadeias do Estado, sem punição a quem quer que seja. Deu no que deu", opinou Cavlak, em alusão aos planos de golpe discutidos por integrantes do Exército e do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022 e ao ataque às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
A punição de agentes de Estado que cometeram crimes de lesa-humanidade tem caráter educativo e de promoção da cidadania, defenderam os entrevistados, ao não naturalizar e deixar impune essas violações de direitos humanos e violência.
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