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Queimadas não são prioridade da sociedade e Congresso as vê como ativo eleitoral, observam analistas

© Foto / Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência BrasilIncêndio atinge o Parque Nacional de Brasília. Bombeiros e populares tentam conter as chamas. Brasil, 15 de setembro de 2024
Incêndio atinge o Parque Nacional de Brasília. Bombeiros e populares tentam conter as chamas. Brasil, 15 de setembro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 01.10.2024
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À Sputnik Brasil especialistas afirmam que o boom de propostas apresentadas no Congresso para o combate às queimadas não surtirá efeito por trazer soluções simplistas para um problema complexo e porque em ano eleitoral temas como a violência são priorizados pelos eleitores.
O Brasil encerrou setembro com 83.157 focos de incêndio, sendo o pior mês do ano em número de queimadas até o momento. No acumulado do ano, o país já totaliza 210.208 queimadas.
Os números foram divulgados nesta terça-feira (1º) pelo BDQueimadas, o banco de dados de queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e colocam o Brasil no topo da lista de países da América do Sul afetados pelas chamas, superando em muito o segundo lugar, a Bolívia, que teve 33.119 incêndios registrados em setembro e 76.717 no acumulado do ano.
Os acontecimentos geraram um boom de propostas sobre o tema apresentadas no Congresso, com pelo menos 33 neste ano, a maioria voltada para aumentar as penas contra incêndios criminosos. Porém, em entrevista à Sputnik Brasil, analistas afirmam que elas dificilmente serão capazes de resolver o assunto, por conta do ano eleitoral e da omissão da sociedade.
Christian de Almeida Brandão, doutorando em ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que em ano eleitoral é natural que parlamentares concentrem seus esforços em temas que mais preocupam seus eleitores, e as queimadas não estão nessa lista.
"Tradicionalmente, o meio ambiente não figura entre as prioridades dos brasileiros. Isso é evidenciado pela recente pesquisa de opinião da Ipsos, 'What Worries the World' ['O que preocupa o mundo', em tradução livre], que mostra que apenas 14% dos brasileiros estão preocupados com o aquecimento global, enquanto 42% se preocupam com criminalidade e violência", explica.
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Ele ressalta que a pesquisa foi feita antes do aumento das queimadas, mas diz não considerar que, passado o choque inicial, "esse evento vá alterar drasticamente as preocupações da população". Isso porque a preservação do meio ambiente é vista como algo distante por grande parte das pessoas, que estão focadas em temas de curto prazo que afetam mais o seu cotidiano, sobretudo a segurança, ao passo que o clima recebe mais atenção da população de renda alta.
"Para compreender essa baixa preocupação com o clima, podemos recorrer à hierarquia das necessidades de Maslow ou à curva de Kuznets. Ambos os modelos indicam que é necessário alcançar um certo nível de renda para que as pessoas possam ir além das necessidades básicas e de segurança, passando a se preocupar com questões como o meio ambiente", explica.
Segundo ele, mais eficaz que as propostas no Congresso, que têm impacto de longo prazo e levam tempo para serem aprovadas, seria "direcionar recursos para agências que combatem queimadas ilegais, como a Polícia Federal e o Ibama, uma vez que isso geraria resultados no curto prazo".

"Infelizmente, muitas propostas focam o aumento de penas para criminosos que iniciam queimadas, uma solução simplista para um problema extremamente complexo. Propostas mais promissoras são o PL 5014/2020, que proíbe a exploração econômica de áreas desmatadas ou queimadas ilegalmente por 20 anos; e o PL 5186/2016, que cria o Cadastro de Crimes contra o Meio Ambiente."

Baixo nível do debate político prejudica ações contra queimadas

Rogério Baptistini, sociólogo, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, frisa que as medidas tomadas até o momento pelo governo federal pressupõem, entre outras iniciativas, a liberação de um crédito extraordinário para o combate às queimadas, a aquisição de equipamentos para diversos órgãos, a reestruturação da defesa civil, a proteção das populações nativas, penas mais duras para quem provoca incêndios e a atuação da Força Nacional de Segurança Pública e das Forças Armadas.
Ele avalia que as ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva evitaram um cenário mais dramático, mas afirma que "o aumento das equipes do ICMBio e do Ibama e a ampliação do orçamento foi tardia e insuficiente, o que empresta razão ao ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que ordenou medidas extras de ação em setembro".
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Porém Baptistini sublinha que Lula, neste terceiro mandato, "enfrenta um Congresso verdadeiramente hostil, composto por deputados e senadores extremistas capazes de prejudicar o interesse público para atingir alvos políticos particulares".

"Não é por outro motivo que temas caros ao país sofrem boicote e andamos de lado ou perdemos oportunidades na economia e regredimos em aspectos sociais, ambientais e institucionais. […] O extremismo no Congresso, do qual faz parte a bancada do agronegócio, durante o governo anterior contribuiu para o desmonte das estruturas de proteção ambiental e, atualmente, dificulta a resolução dos problemas na área."

Segundo Baptistini, "diante do tamanho da crise que enfrentamos, a salvação dos biomas e o futuro do Brasil reclamam um pacto em favor do ambiente". Porém ele avalia que a situação política atual impede que isso se concretize.
"O baixo nível do debate mergulhou a política em temas de curto prazo e inviabilizou, por motivos que vão desde o avanço das redes sociais até a baixa qualidade das lideranças, a democracia e a produção de consensos sobre o destino. Assim, sentimos a aproximação do desastre, e parece que nos faltam os meios para evitá-lo. É do que se nutrem a crise e o extremismo", avalia.

Oposição explora o tema de maneira política

Alguns parlamentares da oposição apresentaram propostas mirando membros do alto escalão do governo federal, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de quem cobram explicações.
Segundo Brandão, isso ocorre porque "a oposição não deixaria passar uma falha tão evidente em um governo que se elegeu sob a bandeira ambiental e prometeu reverter os anos de descaso do governo Bolsonaro nessa área".

"As críticas da oposição parecem visar mais semear desconfiança e questionar a competência do governo do que demonstrar uma real preocupação com as queimadas, até porque grande parte dos eleitores oposicionistas não prioriza essa pauta."

No entanto, ele acrescenta que no exterior o impacto na imagem do Brasil será limitado por conta do prestígio internacional de Marina Silva e da consciência de outros países de que se trata de um fenômeno global, intensificado pelas mudanças climáticas.
"Os agentes externos tendem a focar a postura do presidente Lula e de seus ministros, especialmente da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Como a retórica do governo federal tem sido de combate às queimadas ilegais e de conscientização sobre os efeitos nocivos do aquecimento global, creio que a crítica externa será menos intensa do que durante o governo Bolsonaro, quando a situação era oposta."
Já Baptistini considera que as queimadas colocaram o Brasil "no olho do furacão" no cenário internacional.
"A devastação do ambiente retira a legitimidade do governo Lula para cobrar apoio dos países ricos e, no limite, pode levar ao estabelecimento de sanções econômicas aos produtos agrícolas brasileiros. O futuro dirá."
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