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Análise: pedido de impeachment contra Lula mostra banalização da medida em prol do toma lá, dá cá

© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo StuckertO presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 26 de agosto de 2024
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Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas apontam que, embora não haja fôlego para concretizar um impeachment contra Lula, o pedido protocolado pela oposição expõe um aumento de poder do Legislativo e a tentativa de fazer do presidente uma figura decorativa.
O processo de impeachment é um mecanismo presente na Constituição brasileira. Os casos mais comumente lembrados quando a palavra vem à tona são os de Fernando Collor de Mello, em 1992 — embora este tenha renunciado antes da consolidação do processo —, e Dilma Rousseff, em 2016, que acabou deposta. Michel Temer, que substituiu Dilma no cargo, também foi alvo de uma dezena de pedidos de impeachment, assim como seu sucessor, Jair Bolsonaro.
Atualmente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é alvo de um pedido de impeachment protocolado pela oposição, que acusa o governo federal de cometer pedalada fiscal no programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação (MEC).
À Sputnik Brasil, Ernani Carvalho, professor titular de ciência política e coordenador do Programa de Pós-Graduação Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que o recurso do impeachment serve como instrumento de balança de poder, uma vez que "o presidente, dentro de um desenho de um presidencialismo como o brasileiro, tem muito poder e recursos".

"Ele pode, de certa forma, exacerbar, pode passar por cima da lei, pode cometer inclusive crimes da forma mais abrangente possível. Então o impeachment está ali previsto para isso. Só que a gente sabe que a própria regulamentação do processo do impeachment no Brasil, ela estabelece muitas possibilidades, e isso faz com que se tenha um amplo leque de ações que possam ser impetradas para requerer o impeachment", afirma.

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No entanto Carvalho destaca que, para ser consolidado, o impeachment não depende apenas de condições jurídicas. Segundo ele, é preciso que o presidente perca a capacidade de diálogo com o Legislativo, sobretudo com a presidência da Câmara dos Deputados, para que o processo seja estabelecido.
"Isso eu acho que é a pedra angular do impeachment, é preciso ter condições políticas para implementar ou iniciar um processo de impeachment. Caso isso não seja dado, dificilmente ele sairá do papel."
Para Carvalho, a banalização em torno do impeachment é fruto da legislação, que é amplamente permissiva ao protocolamento de inúmeros pedidos.
"Se a gente tivesse uma legislação mais restritiva do ponto [de vista] do processo de impeachment, certamente o número de pedidos seria menor."
Ele acrescenta que, em termos de estratégia política, a oposição sempre vai ter incentivos a fazer isso.

"Por exemplo, o PT [Partido dos Trabalhadores, do presidente Lula], quando era oposição, protocolou inúmeros pedidos de impeachment. É uma estratégia, vamos chamar [assim], de marketing político. Se colar, colou. Ou você aguarda que o cenário político propicie o desengavetar de algum desses pedidos. Então é preciso ser visto dentro de um arquétipo de possibilidades e oportunidades que partidos e políticos de oposição têm, e eles fazem uso", explica.

Entretanto, é necessário o que ele chama de conjuntura propícia ao impedimento do presidente, que geralmente ocorre quando este "tem a sua popularidade no chão", quando a economia tem derrubado as condições de melhorar a sua popularidade e "quando a coalizão que sustenta o presidente dentro do Congresso começa a fazer água".
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Segundo Carvalho, esse não é o caso de Lula. Ele afirma que, embora o presidente tenha rompido seus dois primeiros anos do terceiro mandato com certos problemas de popularidade e "com a inflação querendo fugir das rédeas", ele se mantém ainda tranquilo com a oposição, com problemas internos aqui e ali de fazer costuras políticas dentro do Congresso, que não são fáceis.
"Porque de uns dez anos para cá o parlamento tem, através da construção das suas lideranças internas, principalmente das presidências, restabelecido um processo de retomada de um protagonismo. Então o nosso presidencialismo de coalizão, que estava muito focado no Executivo, agora está muito balanceado pelos outros Poderes, tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário, e isso termina ampliando os custos de transação das negociações dentro do Congresso, e é isso que o presidente Lula está enfrentando", afirma.
Alexandre Fuccille, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma à reportagem que, de certa forma, houve, sim, uma banalização do impeachment, sobretudo após o governo Dilma.
"A partir de então, concordo que há banalização no sentido, sobretudo, de que o impeachment tem sido mobilizado como arma política, de gerar um desgaste do governo", explica.
Ele aponta que, nesse caso, o desgaste é promovido seja no número de pedidos protocolados, seja no esforço empregado pelo governo para neutralizar as tentativas de impeachment.

"Então de fato parece haver uma banalização desse instrumento, que é um instrumento previsto no ordenamento jurídico do país, mas que tem sido utilizado para coisas muito mais comezinhas das disputas políticas do dia a dia do que deveria ser, como foi no caso de 1992, mobilizado contra o presidente Fernando Collor de Mello, que aí, sim, havia provas substanciais, substantivas, bastante consistentes, contra uma série de coisas que deveriam redundar no seu impedimento à frente da Presidência da República."

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Fuccille avalia que não há fôlego no atual pedido de impeachment contra Lula, uma vez que a economia "não está em frangalhos", vem crescendo acima do esperado e o desemprego está baixo. Segundo ele, embora as 110 assinaturas sejam um número considerável entre 513 deputados, ele não deve subir de forma substantiva.
"É um número, de certa forma, já precificado, no sentido que a oposição, inclusive, é muito maior do que esses 110, então poderia ter até muito mais do que essas assinaturas", afirma.
Ele enfatiza que o argumento usado pela oposição para protocolar o pedido "é absolutamente pífio, ridículo". Segundo ele, trata-se do mesmo argumento usado para derrubar Dilma, que, em 2016, foi desmascarado como uma "cortina de fumaça" para "um golpe parlamentar".
"O governo Dilma, era um governo bastante difícil politicamente, diria até sofrível. Mas é isso, não é parlamentarismo, não se cai um governo ruim, um governo ruim enfrenta as urnas nas eleições subsequentes e, eventualmente, é derrotado, mas não sai no meio."
Nesse contexto, ele afirma que, embora não haja fôlego para consolidar e concretizar um impeachment contra Lula, a medida, como estratégia política, conforme ganha mais dimensão e repercussão, obriga o governo a se mobilizar, a fazer mais concessões, mais "toma-lá-dá-cá" para não ser derrubado.
"Em um governo, ainda que o presidente Lula não seja um homem da direita, mas um governo que é absolutamente conservador, assim como os governos Lula 2003 a 10, não tinham nada de revolucionários, nem de socialistas ou comunistas, como dizem, foram governos reformistas, social-democratas e tudo mais. Mas, agora, esse governo Lula 3 está sendo muito mais conservador do que Lula 1 e 2, e não por culpa do presidente Lula, mas, sim, em razão da correlação de forças [...]. Se nós notarmos, a partir da derrubada da presidenta Dilma em 2016, o Legislativo avança sobre o orçamento do Executivo", explica.
Segundo Fuccille, esse avanço continuou nas gestões Temer e Bolsonaro e hoje quase transformam o governo Lula no que o dito popular aponta como "rainha da Inglaterra", que reina, mas não governa, "uma figura meramente decorativa".

"De fato, hoje em dia, é muito mais interessante ser amigo de um deputado do que de um ministro, no sentido de você ter acesso a recursos, é uma espécie de parlamentarismo branco, algo absolutamente estapafúrdio, que não faz o mínimo sentido. [...] Então, o que acontece é isso: temos um governo que tem que se mobilizar para não sair do lugar, para, no limite, aquilo [impeachment] não avançar. Quer dizer, ao invés de estarmos discutindo e avançando uma série de pontos e reformas de que o país precisa, a gente fica em uma discussão, muitas vezes bizarra, mas que o governo não pode negligenciar", afima.

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