Estudo brasileiro revela que megafauna sobreviveu por mais tempo e desafia paradigmas (FOTOS)
15:33 06.02.2025 (atualizado: 18:09 06.02.2025)
© Foto / DivulgaçãoEspécies que se acreditava terem desaparecido há cerca de 12 mil anos conseguiram se adaptar a mudanças climáticas
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Estudo conduzido por pesquisadores brasileiros revelou que espécies da megafauna, como tigres-dentes-de-sabre, preguiças-gigantes e mastodontes, sobreviveram por mais tempo do que se imaginava, com fósseis datados de até 3,5 mil anos.
As descobertas, feitas em Itapipoca (CE) e Miranda (MS), desafiam paradigmas científicos consolidados há mais de um século e também destacam a importância da ciência produzida no Brasil, questionando o colonialismo científico que frequentemente desvaloriza pesquisas de países em desenvolvimento.
De acordo com Hermínio Ismael de Araújo Júnior, paleontólogo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e um dos autores do estudo, a pesquisa mostrou que essas espécies, que se acreditava terem desaparecido há cerca de 12 mil anos, conseguiram se adaptar a mudanças climáticas.
"Essa fauna existiu para além do tempo que se imaginava. Eles tiveram que criar estratégias de adaptação na sua fisiologia e ecologia para suportar uma mudança climática tão drástica", explicou Araújo Júnior à Sputnik Brasil.
© Foto / Sílvio Teixeira Trabalho foi publicado no Journal of South American Earth Sciences e contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Trabalho foi publicado no Journal of South American Earth Sciences e contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
© Foto / Sílvio Teixeira
Os fósseis encontrados em Itapipoca e Miranda foram datados usando técnicas de carbono-14, que analisam o colágeno preservado nos ossos. "Em ambientes de clima tropical, o colágeno degrada muito rapidamente, mas nesses locais ele se preservou, o que permitiu a datação", afirmou o pesquisador.
As idades obtidas variam entre 3,5 mil e 7 mil anos, sendo as mais recentes registradas nas Américas.
Além da relevância paleontológica, o estudo tem implicações arqueológicas, já que em Itapipoca foram encontrados artefatos arqueológicos, como pontas de flecha e machadinhas, no mesmo nível estratigráfico que os ossos da megafauna. "Isso sugere uma interação direta entre humanos e esses animais, algo que ainda é pouco documentado na América do Sul", destacou Araújo Júnior.
Colonialismo científico e resistência à pesquisa brasileira
A pesquisa, realizada inteiramente por cientistas brasileiros e com técnicas desenvolvidas no país, enfrentou resistência durante o processo de publicação.
O artigo foi rejeitado por quatro revistas científicas antes de ser aceito, principalmente por descrença em relação às idades obtidas. "A dificuldade maior foi a descrença de algumas pessoas quanto à idade obtida. Isso não é ciência. Dizer que 'não pode ser' não é ciência", criticou.
© Foto / Celso XimenesPesquisa indica que os fósseis encontrados em um mesmo local nem sempre pertencem ao mesmo período
Pesquisa indica que os fósseis encontrados em um mesmo local nem sempre pertencem ao mesmo período
© Foto / Celso Ximenes
"Esse é um trabalho feito unicamente por brasileiros, sem a necessidade de um estrangeiro como coautor para dar chancela ao estudo. É uma pesquisa de ponta, com todo o processo de produção genuinamente brasileiro", afirmou.
Segundo ele, haverá aqueles que desacreditarão por ser "algo novo e feito por brasileiros". "Mas a ciência vai avançar e esses resultados vão ser um ponto de inflexão para várias áreas do conhecimento."
O pesquisador afirma que as descobertas também têm implicações culturais, especialmente em relação a lendas indígenas que podem estar ligadas à megafauna. "Há lendas, como a do Mapinguari, na Amazônia, que descrevem um animal grande e peludo muito semelhante à preguiça-gigante. Essas histórias podem ter origem no contato de povos indígenas com esses animais."
O trabalho foi conduzido por uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) liderada pelo paleontólogo Ismar de Souza Carvalho. Segundo ele, a pesquisa indica que os fósseis encontrados em um mesmo local nem sempre pertencem ao mesmo período. "Estamos observando um processo de convivência entre populações humanas e essa fauna há pelo menos 3,5 mil anos", afirmou Carvalho.
Uma das principais teorias sobre a extinção da megafauna é a do "overkill", que sugere que os primeiros habitantes das Américas teriam caçado essas espécies de forma intensa, levando-as à extinção.
© Foto / Julia d'OliveiraArte projeta como o sítio explorado era há milhares de anos
Arte projeta como o sítio explorado era há milhares de anos
© Foto / Julia d'Oliveira
No entanto, Carvalho destaca que o estudo indica uma convivência prolongada entre humanos e a megafauna, o que pode enfraquecer essa hipótese. "Sempre houve uma resistência em aceitar que essas pinturas representassem animais extintos, mas vemos o mesmo fenômeno em sítios arqueológicos da Europa."
Próximos desafios
Fábio Henrique Cortes Faria, que faz pós-doutorado e também participou do estudo, explicou que os resultados desafiam a visão consolidada na comunidade científica de que a megafauna teria sido extinta abruptamente no final da era do gelo, durante a transição do Pleistoceno para o Holoceno.
Entre as espécies identificadas com datações mais recentes estão o tigre-dentes-de-sabre (Smilodon populator), a preguiça-gigante (Eremotherium laurillardi), o mastodonte (Notiomastodon platensis) e o Palaeolama major.
"No Mato Grosso do Sul, há registros de ossos utilizados para adornos, como brincos e utensílios, e no Nordeste, evidências de carcaças cortadas", relatou.
O trabalho, publicado no Journal of South American Earth Sciences, contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Faria destacou a importância de expandir as pesquisas para outras regiões do Brasil, como Mato Grosso, Pará e Rondônia, para entender melhor a distribuição e a extinção da megafauna. "A gente quer definir um corredor biogeográfico que ligue essas regiões."
© Foto / Celso XimenesPesquisadores escavam sítio arqueológico
Pesquisadores escavam sítio arqueológico
© Foto / Celso Ximenes
Celso Lira Ximenes, do Museu de Pré-História de Itapipoca (Muphi), coordenou a escavação paleontológica em 2006 que resultou na descoberta dos fósseis. "O primeiro grande mérito desse artigo é que foi totalmente feito por brasileiros, com fósseis brasileiros resgatados em projetos de pesquisa nacionais, com recursos financeiros nacionais e análises em laboratórios nacionais."
Ele reconhece que a descoberta pode gerar controvérsias, mas ressalta que "em ciência não existe 100% de consenso, sempre há o contraditório".
Ximenes também destacou que, apesar dos desafios, como o baixo orçamento para a ciência — cerca de 1,2% do produto interno bruto (PIB) em 2024 —, o país se mantém como importante produtor de pesquisa de alta qualidade. "Nossos cientistas são tão talentosos e resilientes que em 2023, por exemplo, nós publicamos cerca de 157 mil artigos científicos, o que nos deixou em décimo lugar no mundo."
A professora e pesquisadora de geociências da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Edna Fancicani reforçou que a extinção dos animais gigantes que habitaram a América do Sul ocorreu de forma gradual.
Ela afirmou que cerca de 80% da megafauna sul-americana foi extinta devido a alterações climáticas, como o aumento de temperatura e umidade, que expandiram as florestas tropicais e transformaram os hábitats desses animais.
Entre os exemplos citados está a anta, uma espécie que sobreviveu e se adaptou às condições ambientais da América do Sul, enquanto desapareceu na América do Norte, seu local de origem. "Hoje nós só temos a anta graças a esse processo migratório dela e, ao mesmo tempo, uma boa adaptação."