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'Gestão invisível das atenções': como as big techs tomaram o lugar da USAID na propaganda pró-EUA

© AP Photo / Alex BrandonElon Musk e Donald Trump em evento de campanha no Butler Farm Show, em Butler, Pensilvânia. EUA, 5 de outubro de 2024
Elon Musk e Donald Trump em evento de campanha no Butler Farm Show, em Butler, Pensilvânia. EUA, 5 de outubro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 18.02.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas explicam por que as big techs se alinharam ao governo Trump e como se tornaram uma ferramenta estratégica para guerras híbridas e difusão da influência dos EUA no mundo.
Desde que assumiu a Casa Branca, Donald Trump vem promovendo o enfraquecimento da Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), que está presente em mais de 100 países e tem entre suas funções difundir a influência dos EUA, sob disfarce de fomento aos direitos humanos e à defesa da democracia.
Ao mesmo tempo que se distancia da USAID, Trump se alinhou com donos das big techs, como são chamadas as gigantes de tecnologia do Vale do Silício. A relação é, sobretudo, especial com Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), alçado por Trump ao cargo de chefe do Departamento e Eficiência Governamental dos EUA (DOGE, na sigla em inglês).
O DOGE não é um departamento governamental, mas um instrumento criado por Trump para que Musk possa ter acesso a agências federais em busca de formas de cortar gastos do governo. A relação do DOGE é especialmente crítica com a USAID — agência acusada por Musk de ser uma organização terrorista.
O embate entre Musk e a USAID indica uma mudança na política externa estadunidense, substituindo a agência pelas redes sociais como ferramenta de pressão e difusão da influência dos EUA, conforme aponta à Sputnik Brasil Francisco Marzinotto, doutorando em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador visitante no Departamento de Humanidades Digitais do King's College de Londres, no Reino Unido.
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Marzinotto destaca que as plataformas não são neutras: elas moldam o discurso público, influenciam eleições e podem até impactar cenários geopolíticos, econômicos e conflitos bélicos de acordo com seus interesses.

"Isso ficou bem evidente em episódios como o da Cambridge Analytica, a invasão do Capitólio, a Primavera Árabe e durante a crise de desinformação na pandemia de COVID-19. Diante desse cenário, é essencial discutir regulamentações internacionais que abordem a responsabilidade das plataformas e evitem o abuso de poder, principalmente quando há a possibilidade de serem usadas como instrumento ideológico por governos", afirma.

Ele afirma que as big techs têm potencial para gerar impacto maior do que a USAID em guerras híbridas, devido à sua capacidade de propagar determinadas narrativas e censurar conteúdo.
"Ao controlar a infraestrutura da informação no Ocidente, as big techs podem moldar narrativas de maneira rápida e global, de acordo com seus interesses, além de poderem negar o acesso a informações confiáveis. A USAID, por outro lado, opera de maneira mais limitada, financiando ONGs e programas para influenciar governos estrangeiros."
No âmbito das relações internacionais, ele afirma que as big techs estão relacionadas ao "poder estrutural", apontado pela economista Susan Strange, conceito que tem entre seus pilares a chamada "estrutura do conhecimento".

"Quem controla os meios em que o conhecimento é armazenado e transmitido pode limitar e decidir as condições de acesso a ele. Hoje as big techs exercem esse papel", explica o especialista.

Marzinotto afirma que há possibilidade de as redes sociais serem usadas pela Casa Branca para provocar mais conflitos no mundo por meio de revoluções coloridas, e lembra que as plataformas no passado já impulsionaram protestos da Primavera Árabe e em Hong Kong.
"Além da manipulação da informação, há também o risco de aplicação do que pode ser chamado de 'sanções digitais', como a restrição de acesso a serviços essenciais, comunicação e sistemas de infraestrutura crítica, tornando-se uma ferramenta adicional de pressão política e econômica. […] Países como Rússia e China há décadas perceberam esse potencial das novas tecnologias e buscam construir seus próprios ecossistemas digitais autônomos. O Brasil deveria seguir o mesmo caminho", afirma.
Um soldado do Exército dos EUA caminha em um armazém onde suprimentos da USAID estão sendo armazenados na base aérea de Palmerola, 140 km ao norte de Tegucigalpa, Honduras, 11 de fevereiro de 2002 - Sputnik Brasil, 1920, 07.02.2025
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O especialista lembra do alinhamento entre Trump e as big techs, após uma relação conturbada no primeiro mandato (2017—2021), quando ele chegou a ter a conta bloqueada no X, o que reflete um cenário econômico e geopolítico mais amplo.
"Por um lado, as big techs estão sob pressão regulatória em todo o mundo, com destaque para os movimentos recentes na Europa e no Brasil, além de enfrentarem diversos desafios no Judiciário interno. O realinhamento com Trump busca colocar o peso do governo a favor de seus interesses, tanto no cenário internacional quanto no interno, em oposição a essas medidas, mesmo que isso implique um alinhamento ideológico antes inexistente", explica.
Ele acrescenta que, por outro lado, os EUA enfrentam uma competição estratégica com a China em diversos setores, e a tecnologia digital é a indústria mais valiosa para conferir vantagem a Washington nessa disputa.
"As big techs, detentoras de toda a infraestrutura necessária para a era digital, tornam-se assim fundamentais à projeção dos interesses geopolíticos dos EUA. Trump poderia oferecer benefícios fiscais, financeiros e regulatórios para o fortalecimento das empresas, ao mesmo tempo que elas têm vantagens estratégicas ao se alinharem com um governo republicano."
Nesse contexto, Marzinotto afirma que, embora a intervenção política dos EUA em outros países não seja uma novidade, a forma como está acontecendo está mudando.

"Se as big techs assumirem um papel mais ativo na modelagem da opinião pública global, especialmente se houver coordenação entre o governo dos EUA e as plataformas digitais, isso pode tornar as intervenções estadunidenses mais sofisticadas e aumentar a desestabilização de governos. Além disso, o banimento de veículos de mídia com visão alternativa, como aconteceu com o RT e a Rossiya Segodnya, pode se tornar o padrão no tecnoautoritarismo estadunidense em ascensão."

Carlos Eduardo Martins, professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor visitante na Universidade Johns Hopkins (EUA) em 2022, afirma à reportagem que as big techs se aproximaram de Trump porque estão perdendo a vantagem na corrida tecnológica para a China e precisam de proteção do Estado norte-americano.
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Segundo ele, as big techs são mais eficazes do que a USAID em uma guerra híbrida, na medida em que Trump rompeu com toda a política liberal anterior dos EUA, que se utilizava de ajuda internacional para cooptar lideranças e movimentos sociais.
"Faz parte de seu fascismo ultraliberal [Trump] que combina protecionismo, competitividade, erradicação de direitos, aproximação ao neopentecostalismo e a visão de que os EUA estão em declínio e devem priorizar estritamente seus interesses econômicos e sua comunidade nacional, definida de forma bastante restritiva para excluir imigrantes do Sul Global."
Martins acrescenta que as big techs "atuam de forma distinta da USAID", pois não oferecem ajuda internacional nem têm por objetivo minimizar conflitos.

"[As big techs] oferecem conexões na infovia e algoritmos que promovem a difusão de certo tipo de informação e de sujeitos políticos. A aproximação das big techs estadunidenses de Trump significa que deixarão de controlar a promoção da desinformação e checar a veracidade de fatos veiculados", explica o especialista.

Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), doutor em ciência política e pesquisador de redes digitais e das implicações da inteligência artificial, afirma à reportagem que as big techs se alinharam a Trump porque buscam monetizar dados e ampliar seus negócios no mundo inteiro, e sempre se colocaram contra a regulação e o controle democrático de suas operações. Ele afirma que Trump e Musk trazem uma perspectiva de negócios, que é a defesa das operações dessas corporações norte-americanas sem restrições.
"O que ocorre é que um conjunto de líderes empresariais da extrema-direita se ligaram ao Trump já há algum tempo. Você tem o Elon Musk, o Peter Thiel e outros, e quando o Trump vence as eleições o conjunto de grandes empresas de tecnologia passa também a aderir por vantagens econômicas e, também, por adesão política, então é o que está acontecendo", afirma.
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Amadeu afirma que as big techs hoje são ferramentas de influência eficazes que cumprem o papel que antes era de outras agências, como a USAID, com uma penetração muito grande na comunicação.
"É só você ver que o Brasil tem mais de 70% da população que utiliza a Internet, que usa redes sociais norte-americanas. O mensageiro instantâneo principal no Brasil é o WhatsApp, que é do grupo Meta [organização proibida na Rússia por extremismo]. E, na verdade, eles interferem nas relações, não são intermediários da comunicação. Eles são mediadores da comunicação. Exatamente porque essas redes sociais, principalmente, determinam a frequência de mensagens que você vai ver, eles vão invisibilizar determinados conteúdos e prestigiar outros e ninguém sabe o que está acontecendo, porque é uma operação invisível para o usuário. […] Hoje elas são cada vez mais instrumentos desse imperialismo norte-americano."
Amadeu enfatiza que a mesma big tech que mostra "bichinho fofinho" é aquela que está providenciando a seleção de alvos para as Forças Armadas dos EUA, e destaca a importância da regulamentação por conta dessa "gestão invisível das atenções" que as redes promovem.
"Isso é muito perigoso, porque pode, como nós vimos no Brasil, incentivar a proliferação de um negacionismo, do ataque à ciência, do ataque à educação e criar problemas gravíssimos de saúde pública. E, mais recentemente, nós percebemos que eles podem utilizar o impulsionamento, o privilégio de determinadas informações, verdadeiras ou não, para beneficiar estruturas políticas, beneficiar partidos, líderes políticos do interesse da extrema-direita americana. Então é fundamental que a transparência seja efetiva e que possa haver auditabilidade sobre essas plataformas", afirma o especialista.
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