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Em 80 anos de existência, FMI não ajudou a desenvolver nenhum país que financiou, dizem economistas

© Sputnik / Francisco LucottiManifestação contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o ajuste fiscal na Argentina
Manifestação contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o ajuste fiscal na Argentina - Sputnik Brasil, 1920, 22.05.2025
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Criado no final da Segunda Guerra Mundial, em 1944, para promover a estabilidade econômica global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) iniciou suas atividades no ano seguinte, tornando-se, ao longo de oito décadas, presença constante em países periféricos com instabilidades econômicas.
Já um ancião, o órgão falhou na sua missão de ajudar países com dificuldade de se financiar no mercado mundial e assim garantir estabilidade ao sistema monetário internacional, de acordo com economistas ouvidos pelo podcast internacional da Sputnik Brasil.
Eles apontaram as imposições de políticas de austeridade e de pacotes de ajuste fiscal como os principais vilões do desenvolvimento social e econômico de países que obtiveram empréstimos do fundo.
Na Argentina, em Gana, no Quênia ou na Grécia, a dependência financeira das nações e os ciclos de endividamento só aumentaram, assim como o agravamento da desigualdade social, opinou o economista Pedro Faria.

"Em troca de abrir uma linha de crédito para dar reservas ao país, o fundo impõe uma série de condições, em geral relacionadas a política fiscal, cortes de gastos — principalmente focados em reforma da Previdência, controle de salários, programas sociais, desestatização, privatização de empresas estatais", elencou ele. "Justamente para fazer um caixa ali para o Estado, em tese, [alegando] que essas reformas liberais vão tornar o país mais atraente para capitais estrangeiros."

Professor de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro "Imperialismo, Estado e Relações Internacionais", Luiz Felipe Osorio lembrou que foi após a conferência de Bretton Woods, nos EUA, em 1944, quando foi criado o FMI, que o dólar tornou-se moeda internacional e "a economia mundial passou a orbitar em torno dela".
"O FMI é uma expressão, ele é uma forma jurídica do capitalismo, e desse capitalismo específico do pós-Segunda Guerra Mundial que vai se reconfigurando a partir da década de 1990", explicou.
Já Faria avaliou que o FMI ignora o fato de que países estão abertos a fluxos especulativos de capital que não dependem, em muitos casos, da administração do Estado, e portanto não se trata apenas de um problema interno.

"As condições que o fundo impõe não são muito propícias ao desenvolvimento. […] é uma visão muito moralista da economia, em que, quando o governo não é perdulário, não gasta em excesso, faz o seu dever. Abre o país para capitais estrangeiros, principalmente via privatizações, e esses capitais vão vir", ponderou o economista.

Ambos os estudiosos defenderam que a hegemonia estadunidense dentro do bloco capitalista fez com que o FMI se tornasse protagonista político do neoliberalismo, intensificado a partir da década de 1970, com a imposição de "condições draconianas" que afetaram diretamente as políticas desenvolvimentistas voltadas para o social.

"O FMI empresta esse dinheiro e cobra que ele seja aplicado em determinadas áreas, ou seja, ele também intervém, influencia diretamente a política local, e isso acaba virando uma bola de neve, […] trazendo malefícios à esfera social que impactam diretamente a vida das pessoas. […] o governo vai deixando de direcionar os recursos para determinadas áreas para poder pagar empréstimos internacionais", disse Faria.

Osorio lamentou que atualmente esse modelo seja o norte de políticas econômicas da maioria dos países.
"Só falam em controle inflacionário, como se a economia se reduzisse a isso, a determinados índices e dados específicos sobre a economia."
Nessa toada, as privatizações são peças-chave para perpetuar a divisão internacional do trabalho, ao fazer com que ativos de muitos países sejam propriedade de estrangeiros, pontuou o professor da UFRRJ:

"Você cria a própria situação de você ter muitas saídas de capitais no futuro, porque os ativos locais são todos de propriedade de estrangeiros, então todo lucro que ele gera em algum momento vai ser remetido para o exterior. E aí você deteriora ainda mais a situação da balança de pagamentos."

Ambos deram como exemplo o empréstimo à Argentina feito na gestão de Mauricio Macri, que implementou medidas neoliberais que se ampliaram no atual governo, de Javier Milei.

"A Argentina, na verdade, está nessa questão, tomando empréstimos do FMI já há algumas décadas, mas recentemente, justo nos momentos de liberalização do fluxo de capitais, a situação piora e a Argentina é obrigada a recorrer a empréstimos do FMI", observou Faria.

O economista lembrou que o Brasil conseguiu, no primeiro governo Lula, se livrar do círculo vicioso do FMI — por meio da escalada dos preços das commodities, do crescimento do agronegócio e da mineração brasileira — e acumular reservas internacionais.
Osorio acrescentou que, antes da "libertação", o Brasil "passou por maus bocados", com empréstimos feitos pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, "estando muito próximo de uma quebradeira total".

Sistema de governança questionável

O próprio sistema de governança do FMI gera iniquidades e críticas por parte dos países do Sul Global, salientaram os entrevistados. Isso porque cada país tem um voto, cujo peso é definido pelo tamanho da contribuição que cada país dá ao fundo.
O peso dos Estados Unidos hoje corresponde a cerca de 17% dos votos. Para alterar o estatuto do fundo, são necessários 85% dos votos, o que dá aos EUA poder de veto sobre qualquer alteração no funcionamento do fundo, bem como aos países do Ocidente em conjunto.
"Os Estados Unidos, em conjunto com seus aliados históricos, têm um peso desproporcional no FMI, inclusive desproporcional ao tamanho de suas economias", opinou Faria.
Já Osorio lembrou que a China é o terceiro maior cotista do FMI, com aproximadamente 6%, mas sua influência não é grande no fundo porque a organização internacional segue sendo um alicerce do imperialismo, "que tem os Estados Unidos na sua locomotiva, o sócio majoritário, e os principais países da União Europeia como sócio minoritário", destacou.
Houve reformulações dos pesos, mas ainda são desproporcionais ao tamanho da economia, na opinião dos especialistas.
"Você tem uma instituição financeira em que os votos, o principal peso dos votos está em quem empresta, não em quem toma emprestado", frisou Faria.
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O professor da UFRRJ afirmou que, ao ceifar as possibilidades de desenvolvimento e de crescimento dos países da periferia, esse modelo reforça a assimetria das relações internacionais a partir do imperialismo.

"O imperialismo é a forma política na qual o capitalismo se organiza no plano internacional, e essa forma política tem como dianteira, tem como concretude, principalmente, o que a gente poderia chamar de G7, desses países que se colocam em uma posição de desenvolvidos, e são esses países que estão na dianteira desse condomínio de poder que tenta fatiar o mundo, controlar o desenvolvimento dos povos e reconfigurá-los à sua imagem e semelhança."

Novas resistências e reconfigurações

Faria sinalizou que a postura do FMI é consequência do sistema de acumulação de capital existente e predominante, mas que formas mais saudáveis de investir em países periféricos, que não passam pela política de austeridade, estão sendo experimentadas com êxito.
Ele citou a iniciativa da China como contraponto à medida do FMI, que tem financiado países com moeda chinesa para comprar bens chineses e contratar serviços chineses:

"Esses capitais chineses que entram tomam a forma justamente de desenvolvimento das capacidades produtivas, desenvolvimento tecnológico; ajudam a resolver o problema que causou a crise, a falta de reservas internacionais, inserindo mais o país nas cadeias globais, permitindo que ele obtenha reservas internacionais com suas próprias pernas", disse o economista, ao citar ainda o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), do BRICS, como outro exemplo. "Isso permite que o país, mesmo que não tenha dólares, use a moeda local para manter o comércio local."

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