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Análise: como o Ocidente reduz os símbolos da libertação negra a produtos de merchandising

© AP Photo / LYNNE SLADKYCamisetas com a imagem de Martin Luther King Jr. e Rosa Parks à venda em Miami. EUA, 15 de janeiro de 2006
Camisetas com a imagem de Martin Luther King Jr. e Rosa Parks à venda em Miami. EUA, 15 de janeiro de 2006 - Sputnik Brasil, 1920, 08.08.2025
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Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam que transformar figuras do movimento da luta negra em produtos como camisetas é uma forma de invisibilizar ou silenciar a potência que essas figuras representam historicamente.
Martin Luther King, Panteras Negras, Kwame Nkrumah, a ideologia do pan-africanismo. São muitos os exemplos de símbolos da luta pela libertação negra que, ao longo do tempo, acabaram sendo apropriados e moldados pela elite branca ocidental, antigos colonizadores do continente africano.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Nielson Bezerra, professor de história da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FEBF/UERJ), afirma que os símbolos da luta negra muitas vezes são apropriados por outros movimentos e, em algum momento, por interesse de mercado, acabam se tornando mercadorias.
"Talvez seja a grande eficiência do mundo capitalista ocidental, que é a capacidade de tornar tudo e qualquer coisa ou qualquer pessoa em uma mercadoria. E os símbolos de libertação da luta negra não são diferentes disso. O grande perigo dessa conversa é reduzir os símbolos da libertação negra pós-apropriação, e não lutar e resguardar o significado e o simbolismo original deles", afirma.
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Ele cita como exemplo o símbolo do punho cerrado, ligado à libertação nos movimentos pelos direitos dos negros nos EUA e nos movimentos do pan-africanismo, que hoje se repete em muitos movimentos do mundo ocidental.
Bezerra acrescenta que o mundo do capitalismo contemporâneo, neoliberal, mais agressivo, encontrou na população negra uma grande massa consumidora, e passou a pensar em produtos que conectem o interesse e o gosto da população negra a determinados itens, seja pela mercadoria em si, seja pelo discurso que leva essa mercadoria a ser desejada.
"E aí, o pan-africanismo e as cores, o amarelo, o verde e o vermelho, que na verdade é púrpura, que se repetem muito nas bandeiras africanas, essas cores, por exemplo, vão ser muito utilizadas, o que é uma grande pena, porque essas cores originalmente são da bandeira da Etiópia. E a Etiópia tem toda uma história bonita de liberdade, luta e conexão entre essas filosofias ancestrais com o mundo contemporâneo."
Ele aborda dois exemplos do mundo musical que, por vezes, são alvos de críticas. O primeiro, o hip hop, movimento que começou como forma de resistência das comunidades negras nos EUA, e hoje enfrenta críticas de ter se tornado um elemento da indústria do luxo e da ostentação. Segundo Bezerra, ao mesmo tempo que foi apropriado pela indústria cultural e massificado, houve viés positivo, que foi alcançar um público maior.

"Então um menino pobre da favela, que de repente é distante de um movimento social cultural específico de um lugar dos EUA, que não teria acesso [a essa cultura], quando um cara desse [movimento] toca numa grande rádio, numa grande plataforma de streaming […], esse menino também tem acesso a essas músicas, a essas ideias", explica.

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O segundo exemplo é o cantor Michael Jackson, acusado de ter se embranquecido ao longo da carreira.
"O Michael Jackson constrói todo um modo de dançar, um modo de cantar, um modo de se apresentar no palco que é completamente negro, de uma tradição negro-americana, e que não importa muito a cor da pele dele, até porque a cor da pele dele também tem todo um histórico da doença de pele que ele tinha", explica.
Ele acrescenta que Michael Jackson reelaborou a estética do mundo pop, e o que ele apresenta da arte negra é muito mais importante para o mundo do que "a cor da pele dele, ou se ele fez uma, dez, 20 ou 30 plásticas no rosto ou no corpo".
"A gente também precisa refletir criticamente a nossa necessidade de interferir no desejo do corpo do Michael Jackson, já que o corpo era dele. Então, esse também é um corpo negro que precisa ser refletido e pensado."
Ao podcast Mundioka, Bruno Alves, mestre em geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de geografia do ensino fundamental e médio, afirma que transformar figuras como Martin Luther King, Malcolm X e Muhammad Ali em produtos de merchandising, como camisetas, "é uma forma de retirar toda a potência da luta política desses três sujeitos".
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"Essa tentativa de destituir o crédito da luta desses sujeitos parte de uma perspectiva de invisibilizar ou silenciar a potência que esses três produziram historicamente", afirma.
Ele acrescenta que movimentos como o Black Power passaram a mobilizar a identidade negra, abordando a questão do cabelo, da roupa e criando uma forte ação política estético-corpórea. Porém, afirma que todas essas formas políticas, a partir do cabelo e da indumentária, também são cooptadas pelo mercado.

"Ou seja, eles estão observando que aquele grupo ali também pode consumir. Então, essa perspectiva do Black Power, se ela não for dentro de uma ideia politizada e dizer que aquele cabelo tem uma forma de ação, passa a ser somente instrumento de vendagem de cosméticos, de camisetas, de vestuários em geral."

Alves cita ainda a falta de valorização do trabalho de figuras negras, no que tange aos valores pagos, citando como exemplo a atriz norte-americana Viola Davis, que já foi laureada com inúmeras premiações, mas denuncia receber um cachê menor do que outras atrizes, como Meryl Streep.
Ele aponta que isso "é uma forma de manter numa subserviência ou uma subalternidade a figura de Viola Davis".

"Então, por exemplo, no Brasil, a gente tem a figura do Tony Tornado. Tony Tornado, um homem negro de 95 anos, que desde que voltou para o Brasil sempre reforçou uma estética Black Power, fez diversas novelas, mas ele dificilmente, creio eu, se a gente for analisar, de todos aqueles panteões de atores da Globo, recebia menos."

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