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Nollywood, arma cultural: como a Nigéria pode usar o cinema para avançar seu soft power?

© flickr.com / Canal C / Akintunde Akinleye / Inside Nollywood / CC BY-NC 2.0Bastidores da produção de um filme de Nollywood, indústria cinematográfica da Nigéria, em 24 de agosto de 2013
Bastidores da produção de um filme de Nollywood, indústria cinematográfica da Nigéria, em 24 de agosto de 2013 - Sputnik Brasil, 1920, 07.02.2025
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Lar da segunda maior indústria cinematográfica do mundo, a Nigéria tem um enorme potencial econômico e cultural, podendo influenciar até mesmo o Brasil, dizem especialistas à Sputnik Brasil.
Com uma origem que remonta a luta anticolonial, a indústria cinematográfica da Nigéria é hoje a segunda maior do mundo, produzindo cerca de 2.500 filmes por ano e ficando atrás apenas da indiana.
Conhecido como Nollywood, a partir da mescla de Nigéria e Hollywood, a meca cinematográfica norte-americana, o polo cinematográfico nigeriano foi tema do episódio desta sexta-feira (7) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
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Quais as origens de Nollywood?

Ao programa, Marina Lemos Gonzaga, mestre em produção audiovisual na Aix-Marseille Université, explicou que o cinema africano no geral teve seu início nos anos 60, quando muitos dos diretores do continente foram inspirados pelos movimentos anticoloniais e decidiram que era hora dos africanos contarem suas próprias histórias.
No entanto, o custo de fazer cinema na época era extremamente proibitivo e, por isso, muitos eram dependentes do financiamento europeu, em especial o francês. "E aí o problema é que esses filmes acabaram não chegando tanto até a população."
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Décadas mais tarde, com a introdução das câmeras de vídeo caseiras, o custo para se realizar um filme se reduziu bastante. Foi nesse momento que um vendedor de fitas cassetes teve a ideia de, para vender seu estoque, filmar seu próprio filme.
"E aí nasceu o primeiro filme de Nollywood, que chama Living in Bondage [Vivendo no Cativeiro], que conta a história de um jovem pobre que morava em Lagos [capital da Nigéria] e que entra para uma seita para conseguir ganhar dinheiro", contou Gonzaga.

"E esse filme vendeu 800 mil copas se não me engano. Foi a prova de que tinha um mercado muito forte que estava esperando uma oportunidade de ser ouvido."

Dez anos mais tarde, Nollywood já se configurava como a segunda maior indústria cinematográfica, realizando 1.500 filmes por ano, ou aproximadamente 30 por semana. No entanto, tamanha produção não se refletiu em uma infraestrutura de acordo.
Há poucas décadas, o número de salas de cinema podia ser contado em uma mão. Hoje, o país de 223 milhões de pessoas e uma área similar à do estado de Mato Grosso tem 63 salas de cinema, com 218 telas, segundo dados de 2019 da distribuidora FilmeOne, a maior do país.
Isso fez com que a maior parte dos filmes se distribuísse através de meios como a TV aberta, disponibilização online gratuita ou, o mais comum, a venda direta aos consumidores nos mercados.
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O que Nollywood tem de diferente?

De acordo com a historiadora Carolina Maíra Morais, co-fundadora da The African Pride, uma das principais diferenças entre os filmes produzidos pelos nigerianos e aqueles produzidos em Hollywood é que os africanos mantêm uma "comunicação direta com o público".
Composta por três grandes etnias, Yorubá, Igbo e Hauçás, a indústria cinematográfica da Nigéria possui suas subindústrias, produzindo filmes diretamente para cada etnia, falados em suas línguas.
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Mas não é só isso, outros países anglófonos da África, como Quênia e Gana, também consomem muito do conteúdo produzido por Nollywood. "A África do Sul menos, porque ela também tem uma indústria de cinema que recebe uma atenção e um investimento muito forte."
Outro aspecto bastante diferente do cinema nigeriano é o seu grande consumo local. Diferentemente do Brasil, em que os cinemas estão lotados de filmes norte-americanos, na Nigéria a maior parte das salas é dedicada ao cinema nacional. "E quando você vai ver o que as pessoas consomem dentro das suas casas esse cenário se repete."

"Essas pessoas estão convictas que elas querem consumir alguma coisa em que vão se ver na tela, vão se ouvir na tela. Elas vão se perceber enquanto personagens daquele enredo. Isso é uma ferramenta muito poderosa de Nollywood."

Aclamado no Ocidente como uma representação africana nas telas cinematográficas, o filme "Pantera Negra" passou despercebido na Nigéria, disse Morais. "No Brasil, todo mundo, no êxtase do filme, das ideias que ele trazia, e na Nigéria as pessoas simplesmente não reagiram", conta a pesquisadora que estava no país durante a estreia.
Depois, o filme foi destruído pelas críticas por representar uma narrativa de um continente africano "onde as pessoas construíram sua própria civilização", que "não é uma mitologia para os nigerianos". "É uma realidade."
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Cinema: arma silenciosa do soft power

Nollywood já causa grande impacto econômico na Nigéria. Estima-se que em breve a indústria cinematográfica será a segunda maior empregadora no país, que tem no petróleo sua principal fonte de renda. Além disso, afirmou Marina Gonzaga, hoje muitas das divisas estrangeiras que entram na Nigéria advém da diáspora nigeriana consumindo o cinema do país natal.
"Mas mais importante que o impacto econômico que Nollywood tem é o impacto cultural", diz a pesquisadora.

"Na verdade o cinema é uma arma de soft power muito importante."

O mesmo apontou Carolina Morais, que destacou o papel que Hollywood teve para firmar os Estados Unidos como potência cultural mundial. "Hollywood foi uma indústria que trabalhou muito para criar essa imagem dos Estados Unidos. Não à toa o 'sonho americano' está muito fixado nessa imagética de Hollywood."
Hoje o impacto de Nollywood já é sentido por todo continente africano, desde a indústria dos têxteis no Congo à arquitetura de demais países que acabam por imitar a nigeriana. Até mesmo a indústria cinematográfica de outros países acaba sendo influenciada, disse Gonzaga.
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Mas fora da África, Nollywood ainda está caminhando para deixar sua marca. "Hoje em dia temos atores de Nollywood que atuam em filmes americanos e diretores de Nollywood que estão começando a fazer filmes com os Estados Unidos ou com a Inglaterra."

"Então, assim, é você criar novos heróis, novas narrativas. Eu acho que é isso que o continente africano precisa e que Nollywood traz para o mundo inteiro."

No entanto, ainda há alguns desafios para que sua influência cresça ainda mais, desde problemas de infraestrutura no país, que tem má conexão com a Internet, à falta de incentivos do governo.
Outra barreira, dizem as especialistas, está no estilo dos filmes, que pode ser diferente para quem está acostumado com as produções estadunidenses ou europeias. "Às vezes a gente não está acostumado com aquela estética, às vezes não está acostumado com aquele ritmo de fala, com os cortes de câmera", comentou Morais.
Para a pesquisadora, no entanto, agora que a Nigéria se tornou um país-parceiro do BRICS, Nollywood pode "expandir ainda mais seu caminho" e ajudar a equalizar as forças nessa batalha global de influência cultural.

"A gente não pode esquecer que o cinema é uma indústria criativa e tem todo o potencial para se engajar em outros países."

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