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Namoro de agências de publicidade no Brasil com Facebook passa por crise de relacionamento

O escândalo envolvendo a entrega de dados de 50 milhões de usuários do Facebook à Cambridge Analytica, consultoria de política britânica, está levando diversas agências de publicidade no Brasil a questionar o futuro do relacionamento comercial com a empresa criada por Mark Zuckenberg.
Sputnik

Não é de hoje que agências de propaganda no Brasil reclamam do relacionamento com plataformas digitais como o Facebook e o Google. Em entrevista à Sputnik Brasil, Ênio Vergeiro, presidente da Associação dos Profissionais de Propaganda do Brasil (APP), diz que, ao contrário de outras mídias, Facebook e Google não oferecem a transparência necessária quando o assunto é auditagem. 

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"O trabalho de uma agência de publicidade é sempre recomendar aos seus clientes e isso em qualquer tipo de veículo. Quando acontece uma coisa desse tipo, que possa trazer algum dano à marca ou à imagem, isso é reavaliado", diz Vergeiro, também presidente da Q&A Gestão de Imagem Corporativa e Reputação.

O executivo explica que o mercado publicitário trabalha com um tripé formado por agências, anunciantes e veículos, e cada um tem muito claro o seu papel. O grande problema, segundo o presidente da APP é que tanto Google quanto Facebook não se apresentam como veículos de comunicação e, sim, como empresas de tecnologia a serviço do mercado da comunicação.

"Isso implica em uma série de coisas. A primeira implicação é na questão da remuneração. Temos o Cenpe (Conselho Executivo de Normas Padrão), que estabelece o modelo de remuneração das agências de publicidade, o chamado desconto padrão concedido pelos veículos de comunicação às agências na intermediação de compra de mídias. O que acontece com o Google e o Facebook? Eles não fazem isso, não remuneram as agências porque eles fazem um modelo diferente porque pode ser considerado o modelo americano", afirma Vergeiro.

O presidente da APP lembra ainda que, no âmbito da propaganda nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), o veículo tem que ser auditado por uma empresa externa. Um jornal, por exemplo, pode ser auditado pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), mas ambas as empresas não participam desse processo. 

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"O Facebook diz qual é a audiência. Não tem uma empresa externa que possa fazer a auditoria daquilo. O mesmo se passa com o Google. Então já vira uma concorrência desproporcional. Para eu poder prestar um serviço como veículo, tenho que ter uma tabela de preços pública e uma auditoria externa para comprovar aquilo que estou falando. Numa concorrência, numa licitação pública para um órgão de governo isso é exigido, é lei. Eles não permitem auditoria externa, não têm tabela de preços, é uma tabela dinâmica como eles chamam", observa o executivo, explicando que, no caso dos veículos de um mesmo grupo, é preciso ter uma tabela de preços para o meio digital e outra para o meio impresso. 

Para Vergeiro, o problema dessa "caixa preta" traz uma insegurança e uma vulnerabilidade muito grande às agências de propaganda. 

"Esse mundo (o das chamadas empresas de tecnologia a serviço do mercado da comunicação) já começa a não ser ético pela própria maneira com a qual ele se apresenta na atividade. Se você pegar uma tabela de preços de qualquer jornal, ele vai dizer: 'uma página custa R$ 100 mil, por exemplo.' Aí a pessoa diz que quer fazer uma 'expressão de opinião', que é de 20% a 50% mais caro na tabela para que não se use o veículo para esse fim. O que se está fazendo hoje é isso de graça na internet. Misturo coisas verdadeiras com coisas mentirosas e crio uma imagem a seu respeito, e não me custa nada isso”, finaliza Vergeiro.

Sputnik conversou também com o publicitário Lula Vieira, diretor de conteúdo da Agência Approach Comunicação, e para ele as mudanças no relacionamento entre agências de publicidade e propaganda com as redes sociais como Facebook e Instagram já estão acontecendo porém elas estão sendo mais sentidas pelos consumidores do que, propriamente, pelo mercado publicitário:

"A meu ver, o relacionamento entre a publicidade e as mídias sociais não muda em um ponto: o uso destas mídias vai continuar como sempre. O que vai mudar é a postura do frequentador das mídias sociais que terá, necessariamente, de tomar um pouco mais de cuidado com sua privacidade e ter mais consciência em torno de sua relação com estas plataformas."

Também escritor, jornalista, radialista e professor, Lula Vieira é categórico:

"O consumidor não usa as redes sociais de graça. E como ele paga? Simples, entregando a sua intimidade e sendo utilizado pelas corporações e pelas entidades (políticas, no caso) às quais interessa saber quem frequenta, utiliza e como pensa as redes sociais. Então, esse consumidor passa a receber ofertas de produtos, serviços e, nesse caso, candidaturas políticas, além de filosofias e pensamentos adequados ao seu perfil."

Para Lula Vieira, as mudanças serão muito pequenas:

“Vai mudar alguma coisa nas redes sociais? Quase nada. A única coisa que pode mudar é que, agora, nós sabemos com quem estamos lidando. Ou então, sabemos um pouco mais sobre com quem estamos lidando.”

Adequação é a palavra que, na opinião de Lula Vieira, definirá o novo relacionamento entre publicidade e mídia social:  

“O relacionamento da publicidade com a mídia social vai evoluir e, mais do que isso, vai se adequar. É claro que esse relacionamento mudou e é claro para nós, publicitários, que nós precisamos nos adequar a essa mudança.”

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