Recentemente, a questão de abertura do mercado brasileiro para o trigo russo que tem se arrastado por muito tempo entrou de novo em cena. Porém até hoje não houve qualquer informação oficial sobre a autorização final dada pelo lado brasileiro, e foi sobre essas expectativas que nós conversamos com o diplomata brasileiro.
Avanço sem precedentes
"Tem uma história, na verdade. Isso começou a ser discutido em final de 2008 e início de 2009 e culminou em dezembro de 2009 com a publicação da Instrução Normativa n.º 39, de 03.12.2009. O que é Instrução Normativa? É um ato regulador onde, no caso específico do trigo, se estabelece quais são aqueles requisitos de natureza fitossanitária para a entrada, ou seja, a admissão do trigo de qualquer origem, ou de qualquer produto vegetal ou animal, para a Rússia", explicou.
Porém, na época, relembrou o senhor Coutinho, esses requisitos estabelecidos no documento eram muito difíceis de ser atendidos segundo a ótica do lado russo. Desde então, os dois lados começaram a negociar. Durante muitos anos, dava em nada, os órgãos não conseguiam acordar as suas exigências, até alguns dias atrás.
"E culminou toda essa etapa, de 2009 até agora, na semana passada, exatamente em 18 de abril, [quando] foi publicado um ato normativo, que é a Instrução Normativa n.º 15 [o respectivo documento está à disposição da Sputnik Brasil]. E essa Instrução n.º 15 altera o que a Rússia solicitou que fosse alterado e que a Rússia disse que dessa forma podia cumprir. Então, em outras palavras, quer dizer o seguinte: desde o dia 18 de abril de 2018, tão logo foi publicada essa Instrução Normativa n.º 15, a Rússia já pode exportar trigo para o Brasil", comunicou o diplomata.
Segundo precisou o alto representante, agora é somente uma questão comercial entre os exportadores russos e os importadores brasileiros. Porém, a embaixada já está recebendo informações de que "está havendo tratativas das duas partes".
"Quero deixar isso bem claro, [foi atendido] aquilo que foi solicitado, nesse caso, pelo Rosselkhoznadzor [Serviço Federal de Vigilância Veterinária e Fitossanitária]. Estou falando de aspectos de natureza fitossanitária, que eram o único impedimento. Até então, o lado russo achava que era muito restritivo o que o Brasil estava exigindo, e aí se levou negociações durante esse período todo, e agora a Rússia já pode exportar o trigo", detalhou.
Prazos e expectativas
Então, agora a questão principal consiste primeiramente em quando, afinal das contas, o trigo russo poderia ficar à disposição dos consumidores brasileiros. Porém ainda é difícil indicar um prazo concreto, disse o diplomata.
"Não existe um prazo. Agora é a questão comercial somente. Eu lhe diria que o prazo aí depende de ajuste de preço entre as partes. O governo está fora dessa negociação a partir de agora. O papel do governo é regulamentar, nesse caso, [se trata das] exigências de natureza fitossanitária. E então, como é que se fez? Se fez a partir de análise de risco que se faz. Bom, feita a análise de risco, chegou a um acordo com país. O governo agora sai de cena e aí é agora coisa de privados. O exportador russo e importador brasileiro", explicou o senhor Coutinho.
Obviamente, a respectiva abertura tem o potencial de influenciar bastante o balanço comercial entre os dois países, tanto mais que este nicho no mercado do Brasil ainda não está completamente lotado.
"Quer dizer, o Brasil tem um déficit de mais ou menos 6 milhões. Estou dizendo em linhas gerais, pode ser um pouco mais ou um pouco menos, depende do ano e depende da safra. Mas em média são seis [milhões]. Se você colocar um déficit aproximado a seis milhões, isso quer dizer que o Brasil tem que importar 6 milhões de trigo. Hoje, o maior fornecedor desse trigo ao Brasil é o Mercosul, ou seja, Argentina, Uruguai e Paraguai", adiantou.
No entanto, não são apenas estes países que fornecem os restantes 6 milhões de toneladas que o Brasil importa. Temos também os EUA e o Canadá. Deste modo, o Mercosul, em média, exporta para o Brasil cerca de 4,5 milhões de toneladas, inclusive por agir no âmbito do acordo comercial e por fazer parte do bloco, e sendo privado de taxação do trigo.
Já no caso de fora do Mercosul tem taxação, porém, esse procedimento também pode logo ser modificado, segundo nos revelou o senhor Coutinho.
"[Outro] trigo está taxado na faixa de 10%, qualquer trigo — o trigo russo, canadense, norte-americano. Existe também [a proposta] que já foi levada à votação na SECEX [Secretaria de Comércio Exterior] de que o Brasil está tentando uma cota de 750 mil toneladas anuais sem taxação, ou seja, seria o trigo russo tendo iguais condições com o da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. Mas pode ser também canadense ou americano. Isso deve ser votado agora no próximo mês de maio", informou.
Possíveis obstáculos
Dessa maneira, agora, que a Rússia entrou no mercado, tem que ser competitiva para conquistar o mercado do país verde-amarelo. É bem evidente que um dos fatores é o preço, como é sempre nas relações comerciais. Já neste contexto, dada a distância entre os nossos países e o custo de transporte, seria justa uma preocupação de que isso seria um obstáculo para o êxito do trigo russo no Brasil. Contudo, o diplomata brasileiro rechaçou tal teoria, afirmando que esse problema é fácil de ser resolvido.
"Eu acho que o fator do preço é importante, mas ele não é o único fator determinante. Eu creio que, dada até minha experiência do mercado… O preço é uma das coisas que vai levar o importador a tomar a decisão. Mas você tem a questão também de qualidade, você tem a questão de acerto do modo de pagamento, faz parte de um pacote. E você também tem a questão da continuidade de fornecimento, que também é um fator de importância muito grande para o comércio nacional", opinou.
Para concluir, o diplomata sugeriu de que modo isso poderia ser feito:
"Eu imagino um modo que poderia funcionar. Por exemplo, a Rússia é um grande importador de soja brasileira. E o mesmo navio que vem com soja de lá para cá, pode ser o mesmo navio que leva o trigo para lá. Se isso for levado a cabo, só uma operação já diminui bastante o preço."