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Campeão mundial de agrotóxicos, Brasil prejudica pequeno produtor e população (EXCLUSIVO)

O Brasil é hoje o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Muitos destes produtos estão banidos em seus países de origem por seus riscos à saúde e encontram nas leis brasileiras uma guarida e um mercado próspero. A Sputnik Brasil traz entrevistas e relatos dos impactos dos agroquímicos na população e no meio ambiente.
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US$ 9,56 bilhões. Este foi o volume de vendas das empresas de agrotóxicos brasileiras em 2016, segundo dados da Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG). Em 2001, esta cifra foi de US$ 2 bilhões.

Parte desta quantia foi parar no quintal de Paulo Plizarri, em Glória de Dourados, interior do Mato Grosso do Sul. Ele aprendeu seu ofício com seu pai, mas está com seu ganha pão ameaçado desde que sua propriedade foi cercada por vastas plantações de cana-de-açúcar.

Plizarri é um sericultor, ele retira seu sustento de um inseto natural do norte da China, o Bombyx mori, conhecido como bicho-da-seda. Quando cria o casulo que utiliza para passar de lagarta à mariposa, o Bombyx mori tece o fio da seda em pequenas cartelas preparadas por Plizarri. Ao longo de todo esse processo, os insetos consomem apenas um alimento: folhas de amoreira que o sericultor planta em sua propriedade de 5 hectares.

Vítimas de agrotóxicos

No ciclo final do bicho-da-seda, são necessárias até 12 horas de trabalho diário para garantir um bom produto.

Plizarri e outras 37 famílias da região vendem sua produção para uma fábrica de tecidos do Paraná. Há cerca de 4 anos, contudo, os produtores enfrentam uma perda média de 50% na produção. Eles afirmam que as usinas de cana-de-açúcar da região que aplicam agrotóxicos por meio de aviões são responsáveis por afetar as folhas de amoreira que sustentam os bichos-da-seda.

A leitura é confirmada por artigo publicados pelos professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Daniel Nicodemo e Fábio Ermínio Mingatto. Na pesquisa, foi indicado que o fungicida piraclostrobina triplica a mortalidade do bicho-da-seda e reduz sensivelmente sua produção.

"Eles querem chamar de defensivo [agrícola], pode até defender a atividade deles, mas eu acho que não tem problema nenhum defender a atividade deles desde que não destrua a atividade que está ali do lado, nas proximidades. Não acho certo pra salvar uma atividade ter que destruir a outra. Isso não é evolução para o país, isso é destruição, é um retrocesso", diz Plizarri à Sputnik Brasil.

Um dos agricultores da região desistiu de enfrentar as perdas na produção e aceitou ser empregado em uma usina de cana-de-açúcar da região. Plizzari, que já trabalhou por dois anos como ajudante geral no mesmo ramo, não quer voltar ao antigo cargo e para a cidade. "Quando a gente é criado no campo, com essa lida, dificilmente se adapta a cidade, é uma questão de cultura", diz.

Outro produtor rural da região que foi afetado é o apicultor Elso Gerônimo da Silva. Ele mora na mesma propriedade há 60 anos e por três décadas tirou parte de seu sustento da fabricação de mel. Há três anos, contudo, as abelhas pararam de produzir e estão morrendo. Ele estima que tenha deixado de ganhar cerca de R$ 10 mil com o problema e também acusa as pulverizações aéreas de agrotóxico pela morte das abelhas.

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A morte massiva de abelhas é um fenômeno mundial que foi batizado de Síndrome do Colapso das Colônias ou Distúrbio do colapso das colônias. Um dos principais fatores responsáveis pelo fato é o uso dos agrotóxicos neonicotinoides — uma espécie de inseticida derivado da nicotina. Apenas no Brasil, mais de um bilhão de abelhas já foram mortas pela Síndrome do Colapso das Colônias, segundo informação do banco de dados Bee Alert.

O professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Lionel Segui Gonçalves destaca que as abelhas correm risco de extinção e que um mundo sem elas teria consequências "gravíssimas". "A abelha faz a polinização de cerca de 60% das culturas consumidas pelo homem. Então nesse caso, se houver falta de abelhas, vamos ter uma falta de alimentos em geral. Por exemplo, no caso de frutas, das amêndoas, elas dependem 100% das abelhas." O professor da USP também ressalta que "85% da área verde do mundo, as florestas, os campos, as matas, dependem da polinização das abelhas".

Gonçalves destaca que o Brasil pode ter o mesmo destino da China, onde o uso intensivo e sem controle dos agrotóxicos levou ao nascimento do "homem-abelha": funcionários que fazem a polinização manualmente e colocam pólen nas plantas com uma vareta. O professor da USP destaca que esta atividade humana está longe de ter a mesma eficácia que a polinização feita pelas próprias abelhas.

A União Europeia (UE) decidiu banir todos os neonicotinoides em abril de 2018. A medida entrará em ação ainda este ano e prevê que este tipo de agrotóxico terá seu uso permitido apenas em estufas.

A ação foi aprovada por todos os membros do bloco europeu após relatório da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar indicar que os neonicotinoides apresentam um risco para a saúde das abelhas.

A pulverização aérea de agrotóxicos foi banida em 2009 pela UE — com exceção de poucos casos pré-estabelecidos.

Brasil tem nível de tolerância com resíduo de agrotóxico na água até 5 mil vezes mais flexível que a União Europeia

Dos 504 agrotóxicos registrados no Brasil, 149 estão proibidos na União Europeia. Ou seja, 30% do total das substâncias. Além disso, dois dos produtos mais vendidos no Brasil são banidos na UE.

O acefato, terceiro produto mais vendido no Brasil, foi proibido no bloco europeu em 2003. Outro produto comercializado no Brasil e barrado na UE é a atrazina.

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Os limites de resíduos destes produtos na água também demonstram o abismo existente entre a legislação brasileira e a européia. No Brasil, são permitidos resíduos de atrazina 20 vezes maiores que na UE, no caso do herbicida 2,4 — D, os limites europeus são 300 vezes mais rígidos. No caso do Glifosato, o agrotóxico mais vendido no Brasil, a legislação nacional permite um resíduo 5 mil vezes maior do que o tolerado no bloco europeu.

Para o herbicida acefato, a legislação brasileira não define um limite de resíduo na água que é fornecida para a população.

Os dados são da tese de doutorado da professora da USP Larissa Bombardi.

O pesquisador da Fiocruz Luiz Claudio Meirelles aponta que o modelo de agricultura adotado no Brasil tem consequências nefastas para o solo.

"Esse modelo de monocultura extensiva, utilização intensa de agrotóxicos e de fertilizantes é um modelo que já se mostrou capaz de esgotar o solo. E ainda tem mais, é muito dependente de água por conta das variedades que você cultiva e da forma como você cultiva — notadamente na região do cerrado, onde você já tem crises hídricas colocadas", diz Meirelles à Sputnik Brasil.

Meirelles também ressalta que dos 504 agrotóxicos registrados no Brasil, a legislação federal determina que apenas 27 deles devem ter seus resíduos monitorados no fornecimento de água potável. O pesquisador da Fiocruz acredita que o Estado deveria fiscalizar "ao menos" produtos que podem ter maior impacto na saúde como "herbicidas e fungicidas".

Ao consolidar seu lugar como grande produtor de commodites, o Brasil passou por um processo de concentração de terras na mão de poucos. Em 2003, existiam 22 propriedades rurais com mais de 100 mil hectares, e elas respondiam por 2% de todo o território dos imóveis rurais no Brasil. No último levantamento, de 2014, foram encontradas 365 propriedades rurais com mais de 100 mil hectares — que confinam dentro de suas cercas 19% de todo o espaço dos imóveis rurais brasileiros.

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Ao mesmo tempo, existem 2,2 milhões de propriedades rurais no Brasil de 1 a 10 hectares. Apesar de serem 36% de todas os imóveis rurais que existem, estes detém 1% de toda a terra.

Os dados são do Incra e foram, novamente, indicados na tese de doutorado de Larissa Bombardi.

O doutor em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e defensor da agroecologia Milton Padovan também aponta que as monoculturas levam ao empobrecimento do solo. "Não se trata de que exista uma espécie ruim", diz, mas que a eliminação de diferentes espécies leva ao desaparecimento dos predadores naturais das plantas e insetos que são consideradas pragas.

"E aí chega um momento e o que acontece, não morrem todas as pragas, por mais eficiente que seja o produto químico, sempre 1% fica, e por que? Porque eles têm genes de resistência, e vai aumentando e isso leva ao aumento de dosagem, mais tóxicos. Cria um ciclo vicioso", diz Padovan à Sputnik Brasil.

O doutor em agronomia diz que a industrialização e a agroindustrialização foi pautada pelo "controle de alguns" e que o "poder econômico se adonou do agro".

"É inquestionável que o agro tem um papel importante na vida das pessoas, nesse sentido ele é pop. Mas ele foi colocado de uma maneira que coloca a população em uma condição vulnerável", analisa Padovan.

Agrotóxicos recebem isenção fiscal bilionária

O mercado dos agrotóxicos recebe redução de 60% do ICMS (imposto relativo à circulação de mercadorias), isenção total do PIS/COFINS (contribuições para a Seguridade Social) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Não há um cálculo unificado de quanto dinheiro deixa de entrar nos cofres públicos com essa renúncia fiscal. O defensor público Marcelo Novaes, todavia, estimou que apenas o estado de São Paulo deixou de arrecadar R$ 1,2 bilhão em 2015. O dado foi publicado pela Rede Brasil Atual.

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A benesse já foi alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016. Por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5553), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pede que o benefício seja revisto. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, já se pronunciou sobre o assunto e também pediu uma revisão. Segundo Dodge, a isenção fiscal incentiva o uso dos produtos químicos e pode violar o direito à saúde e prejudicar o meio ambiente. O processo está sob a relatoria do ministro Edson Fachin.

Foram registrados 26.385 casos de intoxicação por agrotóxicos de uso agrícola entre 2007 e 2011, segundo levantamento da Fiocruz. No mesmo período, 863 pessoas morreram por intoxicação destes produtos. O próprio Ministério da Saúde, contudo, estima que para cada de envenenamento por agrotóxico registrado, outros 50 deixam de ser catalogados.

Já o relatório especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à alimentação estima que os agrotóxicos são responsáveis por 200 mil mortes por envenenamento agudo todo ano — e 99% destes óbitos ocorrem em países em desenvolvimento.

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