Andrei Veselov com participação de Aleksei Sakhnin e Yevgeny Belenky
O departamento de contrainteligência do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) cria grupos clandestinos especiais. Seu objetivo é assassinar e aterrorizar os inimigos do regime. O presidente Pyotr Poroshenko sabe que existem os "esquadrões de morte".
Sergei Sanovsky, instrutor militar e ex-vice-chefe do campo de treinamento do Batalhão Azov da Guarda Nacional da Ucrânia, recebeu o convite para liderar um de tais grupos. Depois de se recusar, ele foi sequestrado pelo SBU, passou por torturas e foi obrigado a fugir do país.
O correspondente da Sputnik, Andrei Veselov, encontrou Sanovsky em Mianmar. Agora ele está obtendo asilo político na Suécia.
'Um simples herói de Maidan'
Sergei Sanovsky é um militar de carreira descendente de militares. Antes dos acontecimentos de 2014, ele serviu na força de operações especiais das tropas do Ministério do Interior, possui as seguintes qualificações — comandante de unidade tática de inteligência e atirador especial instrutor. Depois ele foi desmobilizado. Participou dos protestos em Maidan. "Foi como se recebesse um sopro de ar fresco. Parecia que o país podia ser mesmo transformado para melhor", conta Sanovsky.
Depois de ter alta do hospital, Sanovsky se alista no Batalhão Azov. O núcleo do batalhão era constituído por nacionalistas radicais e neonazistas. Sergei não apoia as ideias de direita (ele próprio define suas opiniões como intermediárias entre liberalismo e socialismo), mas tem experiência de combate. No Azov, ele primeiro comandou um grupo de sabotagem e reconhecimento, depois se tornou vice-chefe do campo de treinamento do batalhão.
"Criei esse campo quase a partir do zero. Também fui eu quem escreveu o primeiro programa para os recrutas do Azov", lembra Sanovsky.
'Asfixiavam e torciam os genitais'
Ao se encontrar com Sanovsky mais uma vez, Lisogor levou consigo Aleksandr Poklad, major do departamento de contrainteligência.
Em junho de 2017, Lisogor convidou Sanovsky a uma cafeteria de cozinha asiática na zona residencial Chaika, em Kiev. Ele contou que, por ordem direta de Petrov, foi criada uma rede de grupos clandestinos para "executar medidas ativas no território da Ucrânia", inclusive "eliminar indivíduos que se opõem ao rumo político atual".
"Ele [Lisogor] dizia que apreciava muito a minha experiência e a maneira específica de realizar tarefas da subunidade sob meu comando. Ele me propôs criar um grupo de combate de entre 6 a 8 efetivos de meus ex-colegas", contou Sanovsky. Lisogor também sublinhou que "quaisquer problemas de organização ou técnicos seriam resolvidos ao mais alto nível estatal, mas que formalmente não seriamos registrados, nem mesmo como agentes."
Lisogor também contou a Sanovsky que as duas mortes que receberam grande repercussão na Ucrânia foram preparadas pelos grupos por ele criados. Em particular, o jurista e um dos ideólogos do Batalhão Azov, Yaroslav Babich, que alegadamente teria se enforcado nas barras de parede no seu apartamento em junho de 2015, na verdade foi assassinado. "Um deles estava o asfixiando, enquanto o outro estava torcendo os genitais para que Babich não pudesse defender o pescoço. Para eles isso é uma prática comum", diz Sanovsky.
A esposa de Babich desde o início que não acreditou no seu suicídio. "Eles lhe explicaram que se ela não ficasse quieta, Yaroslav ainda seria desonrado depois da morte, por exemplo, seria revelado que ele tinha pornografia infantil", relata Sanovsky.
A segunda pessoa cuja morte ganhou repercussão foi o ex-coronel do Departamento Principal de Inteligência das Forças Armadas da Ucrânia, Vyacheslav Galva, que teria se explodido acidentalmente ao inspecionar munições no outono de 2014. Porém, a explosão "ocasional" foi de facto organizada por um grupo clandestino do SBU. Galva foi assassinado porque tinha se recusado a cooperar e fez afirmações críticas em relação às autoridades.
Segundo Sergei Sanovsky, estes grupos são responsáveis por muitos ataques a políticos, jornalistas e ativistas. Em certas ocasiões, as pessoas foram simplesmente intimidadas, e depois elas iam à polícia ou SBU para pedir proteção. Ao final, acabavam ficando "na armadilha". Lisogor contou que no total tinham sido realizadas várias dezenas de tais atividades. "Pelo que entendi, estes grupos tinham que intimidar e eliminar não apenas oponentes políticos, mas também os que duvidavam e não queriam cooperar. Além disso, eles eram usados em simples ajustes de contas econômicos", explica Sanovsky.
Sergei recusou de forma dura a proposta de Lisogor. "Eles queriam fazer de mim um verdugo. Sou um soldado e não um verdugo", afirma. Em resposta, Lisogor exigiu que ele não contasse a ninguém sobre essa conversa "senão seria, no melhor dos casos, asfixiado na entrada do prédio".
A Sputnik também dispõe de informações que outro instrutor militar ucraniano também recebeu uma proposta semelhante. Agora ele está fora da Ucrânia. Ele recebeu a proposta de Irina Rubenstein, uma conhecida próxima e colaboradora de Lisogor que formalmente está encarregue de direção administrativa da organização social Contraofensiva Ucraniana.
Quando teve a última conversa com Lisogor, Sanovsky já tinha abandonado o Batalhão Azov, mas dava aulas em outras unidades da Guarda Nacional e das forças armadas. Ele se decepcionou completamente com o rumo político oficial. "A situação estava piorando a cada ano, os participantes da ATO eram obcecados com álcool e praticavam pilhagens. Os soldados não recebiam provisões. Mas em Kiev os políticos estavam roubando em quantidades absurdas", comenta Sanovsky.
O militar acaba tendo a ideia de organizar um protesto "contra a política na zona da ATO e contra as reformas da aposentadoria e agrária", chamando a participar os veteranos da ATO. Ele enviou um pedido à prefeitura para sancionar a ação e esta foi aprovada. Mas esse protesto nunca foi realizado.
"Em 10 de julho de 2017, eles quebraram a minha porta. Entraram pessoas em uniforme, gritando ‘SBU'. Não tinham nenhum mandado, nenhuns documentos! Não ofereci resistência, mas eles me espancaram violentamente. Um deles ficou literalmente saltando na minha espinha dorsal", lembra Sanovsky. Naquele momento, no apartamento estava também a esposa grávida de Sergei, Tatiana.
Sergei foi levado ao edifício do SBU, onde primeiro falou com ele um procurador e depois os funcionários do departamento de contrainteligência. "Eles me obrigavam a confessar ter cometido coisas absurdas: que planejava um golpe de Estado, planejava assassinar o presidente e ministros. Era uma estupidez! Mas eles exigiam que eu confessasse para a câmera ter feito essa estupidez. E a principal coisa que exigiam era que concordasse em cooperar com eles", lembra Sanovsky.
O ex-porta-voz do SBU, Stanislav Rechinsky, também confirmou a má fama do departamento de contrainteligência e de Aleksandr Poklad pessoalmente. "Em vez de capturar os verdadeiros terroristas, o departamento leva pessoas para a floresta, onde as asfixia ao estilo da antiga Direção de Combate ao Crime Organizado. Eles têm um oficial, Aleksandr Poklad, apelidado de ‘Asfixiador', ele é conhecido precisamente por isso", admite Rechinsky.
"Eles pensavam que me tinham forçado a cooperar, mas eu passei à ofensiva", diz Sanovsky. Sergei fez um registro das machucadas em várias clínicas e apresentou uma queixa no Bureau Nacional Anticorrupção da Ucrânia (NABU) sobre sequestro e torturas. O bureau se recusou a analisar o caso, então o advogado de Sanovsky, Sergei Titorenko da companhia Fortetsia, recorreu ao tribunal que acabou abrindo um processo que em seguida foi transferido à procuradoria militar.
"Em certo momento, Poklad ligou para mim no WhatsApp. Disse que sabia onde eu estava e que ele também estava em Chisinau. Disse que deveríamos nos encontrar, que eu tinha de cooperar com eles senão isso acabaria 'muito mal'. É provável que o processo aberto pela procuradoria tenha virado uma verdadeira ameaça para eles e eles queriam que eu desistisse das minhas palavras. Eu simulei ter aceite o encontro, que estava agendado para o dia seguinte, às 12h00. Por razões de segurança, eu fiz um vídeo com a minha denúncia e fui-me embora com a minha esposa para a Bulgária", recorda Sanovsky.
Então, Sergei decidiu se esconder em Mianmar, obtendo um visto eletrônico, mas não conseguiu sair da Bulgária tão facilmente. Ao atravessar o controle de passaportes, ele e sua esposa foram detidos com um policial explicando que "há um pedido da Interpol", mas sem comentar mais nada. Sanovsky afirmou então que iria pedir asilo político.
Enquanto em Mianmar, Sergei tentava se comunicar com o advogado, mas em vão. Ele passou por uma operação na coluna vertebral, danificada durante os interrogatórios. Ele queria pedir asilo político no país asiático, mas a missão da ONU lhe explicou que a legislação de Mianmar nem sequer contém este conceito.
No momento, Sergei e sua esposa estão formalizando o pedido de asilo político na Suécia e estão sob proteção da polícia.
Yangon — Bangkok — Estocolmo — Moscou