Atualmente, o tema da criação de armas de produção russa cada vez mais avançadas não sai das manchetes dos jornais ocidentais, sendo ainda objeto de discussão entre políticos e altos responsáveis militares estadunidenses e europeus. Ao mesmo tempo, se registra um crescimento contínuo do número de países interessados em importar equipamentos russos. Então, como o exército russo, reduzido quase a zero após a queda da União Soviética, conseguiu ganhar tanta força?
Fase de decadência
A herança militar da União Soviética era grande — a das façanhas dos heróis na Segunda Guerra Mundial e dos melhores construtores de armamentos do mundo. Entretanto, o colapso do bloco deixou uma herança de outra espécie, isto é, a da desmoralização completa do exército em meio a uma gravíssima crise financeira.
As Forças Armadas da Rússia receberam todas as unidades militares, empresas, instituições e organizações do exército soviético que estavam no seu novo território ou sob sua jurisdição. Assim, se tratava inclusive de formações militares em território alemão, mongol, cubano e outros, o que, claro, acabou sendo um peso demasiado grande para carregar aos ombros de um Estado desgastado.
Nessa situação difícil, as autoridades russas foram obrigadas a reduzir os efetivos em três vezes, até um milhão de efetivos. Na sequência disso, dezenas de milhares de militares ficaram literalmente na rua, pois o Estado nem tinha capacidade de conceder habitação para todos os veteranos. Para aqueles que restaram, a vida era pouco melhor: a remuneração era escassíssima, paga ainda com atrasos de vários meses. Enquanto isso, o financiamento para preparação e treinamento militar quase não existia.
A gravidade de situação foi comprovada pela experiência no terreno, apesar de algumas tentativas de reformas no final da década de 90. Entre essas, podemos relembrar a atuação russa na Primeira e na Segunda Guerra da Chechênia e no conflito na Ossétia do Sul em 2008.
Como foi o projeto de modernização
A Guerra dos Cinco Dias de 2008, com todas as suas falhas e lições, e as novas orientações dos governos de Putin e Medvedev, foram o ponto de partida para uma reforma de grande envergadura das Forças Armadas russas. As mudanças afetaram tanto os efetivos, com sua otimização e aperfeiçoamento do ensino, quanto a própria estrutura do exército. Os seis distritos militares foram substituídos por quatro, o salário dos militares cresceu substancialmente, bem como o número de habitações.
Uma parte ainda mais importante da reforma foi o rearmamento do exército russo. De acordo com o Programa de Desenvolvimento de Armamentos agendado até o ano de 2020, a taxa de armamentos novos nas Forças Armadas, que em 2010 flutuava em torno de 20%, devia chegar até 70%. Hoje em dia, o índice já superou 60%.
Os projetos militares russos são inúmeros, tanto os completamente novos quanto os de modernização de equipamentos antigos. Um dos enfoques principais do programa tem a ver com o fortalecimento das rubricas de armas de alta precisão, bem como a modernização da Força Estratégica de Mísseis e da Força Aeroespacial.
Entre as peças mais avançadas que estão sendo integradas no arsenal russo se pode enumerar os mísseis balísticos intercontinentais RS-24 Yars, os tanques T-14 Armata, o caça de quinta geração Su-57, os sistemas de mísseis S-500, o porta-helicópteros Priboi e cruzadores submarinos estratégicos do projeto Borei.
Corrida armamentista voltou?
Todos os frutos da reforma militar na Rússia foram demonstrados durante a operação antiterrorista travada por Moscou em território sírio a pedido do presidente Assad. Os ataques aéreos de alta precisão, efetuados pela aviação russa, acabaram mudando por completo a situação na região dilacerada pela guerra civil e pelo terror do islamismo radical, especialmente em contraste com a atuação da coalizão internacional liderada pelos EUA, relacionada com enormes perdas de vidas civis.
Claro que em tempos turbulentos como os de hoje, tal fortalecimento militar de um país, especialmente um como a Rússia, com seu território enorme, levanta questões sobre as suas intenções. O establishment político ocidental, por exemplo, se aproveita desses projetos para "comprovar" as ambições agressivas de Moscou, acusando-a de retomar uma nova corrida armamentista.
O único problema é que essa "corrida" não foi incentivada pela Rússia. Sua reforma militar foi baseada, em geral, em dois fatores: a necessidade de restaurar um sistema de defesa adequado ao peso geopolítico do país e, em segundo lugar, o incansável avanço das forças da OTAN para o leste, para mais perto das fronteiras russas, apesar de todas as promessas.
Ao mesmo tempo, deste modo as autoridades russas afirmam tentar convencer os EUA a "retomarem a consciência" e restaurar a paridade nuclear no mundo, violada precisamente pela parte norte-americana. Em um mundo onde a linguagem da força parece se tornar a única ferramenta de diálogo, a Rússia não pode ficar "calada".
"Ninguém nos ouviu. Ouçam agora", eis a frase do presidente russo que pode descrever todo o conceito do renascimento russo como grande potência militar.