"Escolheram Bolsonaro porque ele encarna, no imaginário de seus eleitores, um super-herói que vai combater os vilões que estão espalhados por todos os cantos. Isso é a marca e elege Bolsonaro, esse clima de medo generalizado que faz com que as pessoas não confiem mais no ser humano e abandonem a própria humanidade e apostem na crença das soluções individuais", diz a cientista política e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Clarisse Gurgel.
Para Gurgel, há uma "repetição" da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), mas com a legitimidade do voto. Agora, ressalta a professora da Unirio, os militares estão no poder, mas com "o apoio da sociedade civil, de pessoas espalhadas pela praça pública" e por diversos segmentos da sociedade.
O presidente eleito do PSL tem uma forte aliança com o meio militar e deverá contar com generais em Brasília. Augusto Heleno, comandante das tropas brasileiras no Haiti, deverá assumir o ministério da Defesa; Oswaldo Ferreira é cotado para ministério da Infraestrutura. O astronauta e tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes já afirmou que resta apenas o "anúncio oficial" de seu cargo na pasta de Ciência e Tecnologia.
"Essas medidas impopulares vão estar agora com uma nova roupagem: a dos esforços necessários para combater o maior inimigo, que é a violência e a corrupção. E ele [o inimigo] está encarnado em quem? Nos comunistas, os professores de ciências sociais, os sindicatos, os partidos socialistas."
"O problema do PT é que Haddad não é um líder natural"
A Sputnik Brasil também conversou com o cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. Ele acredita que a eleição deste ano viu o centro político "praticamente desaparecer" e criou uma disputa entre a "extrema-direita e a esquerda", com Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).
Já o futuro da oposição ainda está aberto, mas Fleischer acredita que o PT terá problemas se insistir na liderança de Lula:
"O problema do PT é que Haddad não é um líder natural, ele não tem muito carisma, não chega nem perto ao carisma de Lula. Obviamente, Lula vai apodrecer na cadeia mais 15 ou 20 anos. Então se o PT insistir em manter a liderança de Lula, vai ser muito prejudicial ao PT. E o PT não quer fazer mea culpa, expulsar todos os fichas-sujas e renovar o partido."
"Os militares mais nacionalistas não são favoráveis a continuar com mais privatizações. Porém, os militares que Bolsonaro irá levar para seu ministério são mais liberais e seriam, em princípio, favoráveis a essas privatizações. A questão maior é qual coalizão ele vai conseguir costurar na Câmara e no Senado para aprovar medidas importantes, como a reforma da previdência".
Fleischer, contudo, ressalta que a questão mais sensível nessa relação entre os militares e Guedes será o acordo entre Boeing e Embraer. A companhia estadunidense quer comprar a antiga estatal de aviação criada no Brasil. As negociações começaram no final de 2017, mas cabe ao Governo Federal autorizar — ou vetar. O acordo é polêmico porque a Embraer participa de projetos sensíveis no setor de Defesa, como a construção do submarino nuclear brasileiro.