À beira de eventos importantes: por que conflito na Caxemira ameaça todo o mundo?

Nos últimos dias, o conflito na Caxemira – região disputada entre a Índia e o Paquistão – entrou em uma nova espiral após ataques mútuos entre Islamabad e Nova Deli na região. A Sputnik explica o que está por trás da disputa territorial ligada à Caxemira, bem como que consequências ela poderia ter para a humanidade.
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Herança do Império Britânico

Para entender a essência do conflito, é indispensável perceber quando é que começou a disputa na região da Caxemira. Depois da Partição da Índia de 1947, a então maior colônia britânica foi dividida em dois países: o Domínio do Paquistão e Domínio da Índia. A fronteira entre os dois Estados foi estabelecida por um critério de separação religiosa: a população muçulmana ficaria com o Paquistão, enquanto os Estados principescos indianos habitados pelos hindus aderiram à Índia.

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Entretanto, os governantes de alguns dos antigos principados indianos preferiram manter-se independentes. Foi por essa variante que optou o governante do principado de Jammu e Caxemira, o marajá Hari Singh. O território, com quase 80% de população muçulmana, era governado por um marajá hindu, o que provocou a intervenção militar em Jammu e Caxemira dos combatentes paquistaneses um dia após a proclamação de independência da Índia e do Paquistão. Em resposta à intervenção, Hari Singh declarou que a região aderia à Índia e pediu ajuda militar ao governo indiano, que enviou suas forças à Caxemira.

Esse conflito levou à Primeira Guerra da Caxemira, que durou entre 21 de outubro de 1947 e 31 de dezembro de 1948, quando sob controlo da ONU os países acordaram pôr fim às ações militares na região e foi criada uma linha de controle que dividiu a Caxemira em duas partes: a Índia recebeu dois terços do território da região, enquanto o resto – a parte oeste e noroeste da região, que era menos populosa e menos economicamente desenvolvida – foi atribuído ao Paquistão.

Na sequência da guerra, foi aprovada a resolução 47 do Conselho de Segurança da ONU, que previa a retirada das tropas de ambos os países da região, bem como a organização de um plebiscito na Caxemira para definir o destino da região. Entretanto, em vez de realizar um plebiscito, em 1951 a assembleia constituinte do estado indiano de Jammu e Caxemira ratificou a adesão à Índia de todo o território do antigo Estado principesco de Jammu e Caxemira (incluindo a parte da região atribuída ao Paquistão após a Primeira Guerra da Caxemira). O Paquistão acusou a Índia de sabotar a realização do plebiscito, enquanto o governo indiano declarou que o Paquistão foi o primeiro a violar a resolução da ONU quando recusou retirar suas tropas do território da Caxemira controlada por ele.

Outro ator importante na região é a China, que em 1962 ganhou a guerra fronteiriça sino-indiana conquistando um trecho da Caxemira – Aksai Chin. Esse território pertencia à China até 1914, mas depois foi incorporado na Índia, então colônia britânica, devido ao estabelecimento pelo Reino Unido de um limite fronteiriço entre a China e a Índia, a chamada linha McMahon, que foi rejeitado pelos chineses. O território tem importância estratégica para Pequim, porque por Aksai Chin passa a rota que liga o Tibete com a região chinesa de Xinjiang.

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Além disso, no ano seguinte Islamabad assinou um acordo sobre a fronteira com a China, cedendo a Pequim a região de Ladakh, que está na parte indiana de Caxemira. Previa-se que o acordo estivesse em vigor até que fosse resolvida a disputa territorial entre Nova Deli e Islamabad na Caxemira, tornando o conflito na região ainda mais insolúvel.

Desafios atuais

Ao longo do século XX a Caxemira viveu vários conflitos armados, entre outros eles foram a Segunda Guerra na Caxemira de 1965, a Terceira Guerra na Caxemira de 1971, a insurgência em Jammu e Caxemira dos anos 1980, o conflito de Siachen de 1984 e a Guerra de Kargil.

Para o Paquistão, a possessão de uma parte da Caxemira é importante porque permite isolar a Índia da Ásia Central e do Afeganistão e ter uma fronteira com a China, um aliado de Islamabad, mas nos anos 90 a Índia ganhou o estatuto da potência militar mais forte da Ásia do Sul e o Paquistão já não poderia mais concorrer com Nova Deli em conflitos armados abertos. Isso forçou Islamabad a desenvolver seu próprio arsenal nuclear e a adotar uma estratégia de guerra hibrida na parte indiana da Caxemira.

Embora os dois países tenham concordado em um cessar-fogo em 2003, ambos os lados se acusam repetidamente de violar a trégua. Nova Deli acusou inúmeras vezes Islamabad de patrocinar grupos terroristas islâmicos no estado de Jammu e Caxemira, alegação negada pelas autoridades paquistanesas.

Tensões de fevereiro de 2019

Uma nova onda de tensão abalou a Caxemira em 14 de fevereiro de 2019, quando 45 policiais paramilitares indianos foram mortos em um ataque suicida contra um comboio militar indiano na cidade de Pulwama. A Jaish-e-Mohammed, organização extremista que luta a favor da separação da Caxemira da Índia, reivindicou a autoria do atentado. O ataque se tornou o mais grave a atingir a Caxemira nos últimos anos.

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Em resposta a essa violência, em 26 de fevereiro a Índia realizou ataques aéreos contra supostos alvos terroristas localizados ao longo da linha de controlo na região de Jammu e Caxemira e declarou que destruiu completamente as instalações dos terroristas. Segundo Nova Deli, a Força Aérea indiana efetuou o ataque porque o Paquistão não tinha adotado nenhumas medidas para eliminar a infraestrutura dos terroristas no seu território.

O conflito se agravou em 27 de fevereiro, quando o Exército do Paquistão afirmou que derrubou dois aviões da Força Aérea da Índia que haviam violado o espaço aéreo paquistanês na Caxemira e deteve os pilotos indianos. A chancelaria indiana, por sua vez, confirmou que sua Força Aérea derrubou um avião de combate paquistanês e perdeu um caça MiG-21.

Mas por que é que esse conflito local poderia se tornar uma ameaça para toda a humanidade? Comentando o conflito atual entre os dois países, o presidente do Instituto de Estudos do Oriente Médio russo, Evgeny Satanovsky, declarou que o mundo está à beira de eventos muito importantes, porque tanto a Índia como o Paquistão têm armas nucleares. É por isso que o uso de meios militares para resolver o conflito poderia ter consequências horríveis para a humanidade.

É de assinalar que o conflito, que já dura há 72 anos, causou milhares de mortos de ambas as partes. Os atores externos, tais como a Rússia, a China e os EUA declaram que estão prontos para unir seus esforços para ajudar as partes em conflito a lidar com as tensões. Entretanto, uma resolução pacifica da crise prevê concessões mútuas tanto pela Índia, quanto pelo Paquistão, o que, infelizmente, ainda parece pouco provável.

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