Autoridades sérvias revelam dados sobre tráfico de órgãos no Kosovo

De acordo com dados oficiais, o destino de 1.658 das mais de 5.800 pessoas desaparecidas desde 1998 na província sérvia de Kosovo e Metohija, durante e após o conflito militar, é hoje desconhecido. Foram criados vários órgãos internacionais para investigar os desaparecimentos.
Sputnik

A Guerra do Kosovo é um conflito armado que aconteceu em fevereiro de 1998 entre Exército de Libertação do Kosovo (ELK), uma guerrilha formada por integrantes de origem étnica albanesa, e o governo da então Iugoslávia. Os combates foram iniciados por albaneses em busca da independência da província e resultaram em numerosas vítimas civis de ambos os lados. Em março de 1999, a OTAN interviu no conflito com bombardeamentos na Iugoslávia. Em 10 de Junho de 1999, cúpula militar da Iugoslávia assinou o acordo para encerrar o conflito.

O deputado Milovan Dretsun, presidente da Comissão para o Kosovo e Metohija no Parlamento sérvio, explicou, em entrevista à Sputnik, as perspectivas do processo judicial. Órgãos internacionais responsáveis pela investigação são o Tribunal Internacional Especial de Justiça e a Promotoria Especial para os crimes cometidos no Kosovo entre 1998 e 1999. Milovan Dretsun comentou os dados em posse da equipe especial de investigação sobre pessoas desaparecidas do seu país.

O deputado Milovan Dretsun, presidente da Comissão para o Kosovo e Metohija no Parlamento sérvio

Note-se que, dos desaparecidos, cerca de 540 são sérvios. As autoridades sérvias observam que o conflito no Kosovo em 1998 foi o início de numerosos raptos de pessoas, principalmente civis sérvios e outras pessoas de nacionalidade não albanesa.

"O ponto de partida para as investigações foi o relatório de 2010 do representante especial do Conselho Europeu, Dick Marty, sobre os crimes do grupo terrorista ELK. Entre os crimes mais graves estavam tráfico de drogas, sequestro e tráfico de órgãos. O procurador especial Jack Smith visitou Pristina no final de outubro de 2018, mas até agora não foram apresentadas acusações", informa o deputado.

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Milovan Dretsun observou que o seu grupo especial elaborou uma base de dados unificada dos crimes cometidos pelo ELK em 1998-1999 e 2000. Ao mesmo tempo, segundo ele, após a chegada das forças internacionais ao Kosovo, em meados de 1999, as autoridades sérvias ficaram limitadas no registo de crimes e provas.

"Coletamos uma base de dados única, sistematizada por áreas de responsabilidade […] por tipo de crime — assassinato, tortura, privação ilegal de liberdade e estupro. Assim, fizemos a maior parte do trabalho e, entre as áreas a que demos atenção, há também tráfico de órgãos", disse ele.

Segundo ele, vários relatórios de missões internacionais já vieram à tona. Trata-se de dados preliminares recolhidos pela Missão de Administração Interina das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK, em inglês).

"Por exemplo, o relatório sobre a inspeção de um local ao sul de Burrell, na Albânia, pelo grupo de investigação do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia (ICTY, em inglês). Descobriram que a chamada "casa amarela" contém vestígios de sangue. Foram encontradas outras provas (pratos e instrumentos médicos), que foram a primeira evidência de tráfico de órgãos.

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Além disso, como salienta Milovan Dretsun, há um relatório sobre a reunião do chefe da representação do ICTY em Pristina e Skopje, Eamon Smith, com o diretor do departamento de justiça da UNMIK no Kosovo, Patrick Lopez Theresa, em 30 de Outubro de 2003, na qual foi discutida a questão do tráfico de órgãos e foram mencionados os materiais e as atividades operacionais da investigação.

"Diz-se que os materiais são classificados como secretos e que há várias testemunhas albanesas, designadas por números, que falaram em detalhe sobre como participaram no tráfico de órgãos. Penso que se trata de materiais muito valiosos que indicam diretamente o envolvimento de muitas pessoas, incluindo as autoridades albanesas, em cujo território tudo estava acontecendo, bem como agentes dos serviços secretos albaneses e policiais", explicou Dretsun.

"Entre os implicados estão, por exemplo, Bashim Gazideda, agente dos serviços secretos albaneses, e diversos membros do serviço de informações do ELK, chefiado por Kadri Veseli (presidente do autoproclamado Parlamento do Kosovo). É material suficiente para que o Tribunal de Haia na época se tivesse dedicado mais seriamente a esclarecer a verdade sobre os desaparecidos, especialmente sobre aqueles que foram sequestrados com a finalidade de lhes serem extraídos órgãos", acrescentou o especialista.

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O deputado constatou que a ação de seu grupo de trabalho foi dificultada pelo facto de o governo da Sérvia não ter o direito de investigar o território da Albânia, do Kosovo e de Metohija para obter novos dados. "A Sérvia tem as mãos atadas", disse.

Dretsun explica que o problema é que a Promotoria Especial e o próprio Tribunal Especial se baseiam nas leis adotadas em Pristina por um Estado ilegal que a Sérvia não reconhece. Por isso, agora é necessário encontrar um modelo jurídico para trabalhar com a Promotoria Especial, através de mecanismos da UE", explica Dretsun.

O mais importante hoje, segundo o interlocutor da Sputnik, é que a Promotoria não se recuse a apresentar acusações contra os membros do ELK. Dretsun diz que é fundamental determinar a responsabilidade do comando, uma vez que a Promotoria Especial deve apresentar acusações tanto contra os autores diretos dos crimes como contra os comandantes, de modo a que os antigos líderes do ELK também sejam responsabilizados.

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