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Por que oposição perdeu mais um round para Maduro e como acabar com crise venezuelana

O dia 30 de abril de 2019 inaugurou mais um round da complexa crise política venezuelana, iniciada com a vitória da oposição a Nicolás Maduro nas eleições parlamentares de dezembro de 2015.
Sputnik

Em vídeo publicado nas redes sociais no fim da madrugada daquele dia, o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, junto a um dos principais líderes opositores ao governo, Leopoldo López, e de um pequeno grupo de militares, anunciou o início da fase final da Operação Liberdade. O objetivo principal do plano era derrubar Maduro da presidência, a partir da conjunção de mobilização popular e deserções maciças nas Forças Armadas.

A tentativa de golpe civil-militar de Guaidó/López até hoje intriga os que acompanham a tensa situação política do nosso vizinho. Várias dúvidas e hipóteses foram levantadas nos últimos dias sobre o acontecido. Mas, até o momento, nenhuma aparenta plausibilidade. Apesar disso, uma consideração nós temos sobre o ocorrido no dia 30 de abril: as ações das duas lideranças do partido Vontade Popular (VP) expressaram desespero e foram desprovidas de "time" político.

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Embora o governo venezuelano esteja enfraquecido pela hiperinflação, desabastecimentos de medicamentos e alimentos, precariedade nos serviços públicos, desemprego e pelos indícios de corrupção, a direita venezuelana, apesar do apoio de Estados Unidos, Grupo de Lima e União Europeia, entre outros países, estava perdendo a batalha para Maduro. A oposição foi derrotada na tentativa de ingresso de ajuda humanitária em 23 de fevereiro. Desde então, apesar do apoio de diversos países e organizações internacionais, e da inexistência de indícios que apontem para a superação da crise socioeconômica, a oposição não conseguiu executar o seu plano de derrubar Nicolás Maduro. E, ao contrário do que desejavam, assistiam minguar o capital político de Guaidó, cada vez mais enfraquecido pela inexistência de rupturas significativas na burocracia do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e nas Forças Armadas que pudesse fortalecê-lo. Perpetuaram-se ainda as divisões da elite venezuelana e da população entre Maduro e Guaidó, aspectos esses que impediram a formação de um amplo movimento popular e institucional que pudesse derrubar o herdeiro político de Hugo Chávez.

As intempestivas ações golpistas de Guaidó/López buscaram recolocar a oposição venezuelana no centro do debate internacional e, internamente, almejaram criar condições para a queda de Maduro, a partir da conjunção do apoio popular nas ruas e de cisões na cúpula das Forças Armadas. Porém, esse cenário não ocorreu. Há uma guerra de narrativas desde aquele dia sobre o fiasco do levante de Guaidó/Lopez. Apesar disso, algumas evidências devem ser ressaltadas: o golpe foi um completo fiasco e, mais uma vez, a oposição se dividiu, pois várias proeminentes lideranças opositoras a Maduro, como Henrique Caprilles e Júlio Borges, e importantes partidos políticos de oposição — como o Primeiro Justiça ou Um Novo Tempo — que criticaram as ações da dupla do VP, pois elas tornaram ainda mais complexa uma saída política e institucional para o labirinto político venezuelano.

Assim, a oposição de direita saiu mais uma vez derrotada. As Forças Armadas mantiveram-se fiéis a Nicolás Maduro, embora tenham ocorrido pequenas fraturas, sendo a mais expressiva a do general Manuel Ricardo Christopher Figueroa, até então diretor do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) e que esteve diretamente envolvido na ação de libertação de Leopoldo López da prisão domiciliar junto com outros membros daquele órgão.

As manifestações do 1º de maio demonstraram que a população se mantém dividida. Expressivos atos favoráveis ao governo e à oposição ocorreram em Caracas. Sobre esse aspecto, é necessária uma reflexão. Embora Maduro tenha assumido traços nitidamente autoritários desde 2017, há base social em seu entorno. Ele se sustenta no poder não apenas pelo controle das instituições e pelo apoio das Forças Armadas.

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Na controversa eleição presidencial de maio de 2018, por exemplo, Maduro obteve 6,2 milhões de votos, segundo cifras do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Embora somente 46% dos eleitores tenham votado naquela eleição, em razão do boicote ao pleito organizado pelas oposições à direita e à esquerda ao governo, houve um apoio nas urnas das bases políticas leais ao candidato do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV). Já em 23 de fevereiro, por exemplo, as bases sociais do PSUV foram para as ruas apoiar o governo e rechaçar o modus operandi da necessária ajuda humanitária. Reconhecer o lastro social de Maduro e do PSUV é importante para qualquer reflexão que busque compreender a complexa crise política do nosso vizinho e as possíveis saídas dessa situação.

A oposição de direita, por outro lado, como em diversas outras ocasiões nos últimos 20 anos, erra ao optar pelo golpe. Desde o movimento La Salida de fevereiro de 2014, que culminou com a prisão de Leopoldo López, todas as movimentações golpistas da oposição serviram para que Nicolás Maduro fortalecesse a retórica anti-imperialista, que serve como um importante mobilizador das bases do PSUV, ampliasse as prisões dos opositores políticos, a supressão das liberdades democráticas e as atitudes inconstitucionais.

Nos últimos dias, as bases psuvistas foram mobilizadas pelas retóricas anti-imperialista e antigolpista, que ganharam ainda mais materialidade pelas declarações de membros do governo de Donald Trump, que em variados momentos abertamente cogitaram a possibilidade de uma intervenção militar em nosso vizinho. Inclusive, essa hipótese foi reafirmada por Juan Guaidó, que abertamente aventou a possibilidade da Assembleia Nacional requerer a intervenção das Forças Armadas.

"Meu papel é levar este país a uma transição democrática com o menor custo social. Está na agenda, claro, como sempre esteve. Intervenção militar já temos dos russos e dos cubanos. O que poderemos eventualmente solicitar é a cooperação internacional militar. Mas para que isso aconteça precisamos ter países que queiram cooperar […] É a opção mais dura de todas e a que ninguém gostaria de adotar. Mas deve ser avaliada como todas, como uma marcha a Miraflores", afirmou Guaidó em entrevista ao Globo.

A construção argumentativa de Guaidó para cogitar a possibilidade de uma ação militar estrangeira na Venezuela tem similaridades com a utilizada na Síria e na Líbia em 2011 pelos grupos opositores a Bashar Assad e Muammar Kadhafi, respectivamente. Hoje, o mundo conhece as consequências humanitárias, econômicas e militares das guerras civis naquelas nações. Por isso, ressaltamos a necessidade do Brasil e dos demais países sul-americanos em rechaçarem veemente a possibilidade de uma ação militar contra o governo de Maduro.

Caso o diálogo entre governo e oposição não seja articulado pela comunidade internacional, o impasse político do nosso vizinho se perpetuará e a crise socioeconômica se aprofundará. Com isso, a já crítica situação humanitária de nosso vizinho, expressa nos aproximadamente três milhões de migrantes desde 2015, se tornará ainda mais intensa e exigirá amplos esforços internacionais para a sua resolução.

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Consideramos que somente a negociação entre governo e as diversas oposições, tanto de direita quanto de esquerda, chancelada pela comunidade internacional, poderá retirar nosso vizinho do seu atoleiro político. A Venezuela tem uma longa tradição democrática, que foi reafirmada no último relatório da Corporação Latinobarômetro divulgado no final de 2018, quando 73% dos venezuelanos, a despeito do colapso político, afirmaram que a democracia é o melhor sistema de governo.

Em razão disso, presumimos que a solução para o impasse político venezuelano não se dará com armas, mas com democracia. Governo e oposição possuem consistentes apoios internos e devem negociar. De certa forma, a resolução do Grupo de Lima de 03 de maio de 2019, que decidiu convidar Cuba e o Grupo de Contato Internacional (GCI) para a articulação de uma solução negociada para a crise, demonstra que a diplomacia ainda impera na solução do impasse venezuelano, isolando, por hora, os mais extremistas.

O "mecanismo de Montevidéu", articulado pelos membros do GCI e que foi proposto em fevereiro por Uruguai e México, apresenta, em nosso entendimento, a melhor solução para a crise. Essa proposta se baseia nas negociações entre governo e oposições sem "pré-condições", rechaça veementemente a possibilidade de uma intervenção militar e defende a soberania popular e a autodeterminação dos venezuelanos como os únicos caminhos para a resolução da profunda tensão política da Venezuela.

O texto foi escrito para a Sputnik Brasil por Rafael Araujo, que é professor adjunto de história da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), autor do livro "A História do Tempo Presente Venezuelana de 1950 ao século XXI", e organizador, em parceria com Karl Schurster (UPE), do livro "A Era Chávez e a Venezuela no Tempo Presente".

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