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Após 'chapéu' dos EUA, Brasil segue distante da OCDE, dizem especialistas

Depois do encontro entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, o governo brasileiro fomentou uma expectativa de que os EUA ajudariam o Brasil a entrar na OCDE. O governo, no entanto, já não conta mais com esse movimento. A Sputnik Brasil ouviu dois especialistas em Relações Internacionais para explicar por que isso aconteceu.
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Desde os governos de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, o Brasil cultiva o desejo de se tornar um membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apesar de as intenções terem ficado mornas durante os governos petistas, o mote pela entrada na organização voltou à tona durante o governo de Michel Temer (MDB).

Também conhecida como "clube dos ricos", a OCDE hoje reúne 36 das principais economia do mundo. Sua fundação em 1961 tem origem através da antiga Organização para a Cooperação Econômica Europeia (OCEE).

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro deu mais passos em direção à organização. Durante visita em março aos Estados Unidos, fez concessões e tomou em troca a palavra do presidente norte-americano de que o Brasil teria apoio dos EUA para a entrada na OCDE. No entanto, os EUA não parecem dispostos a colocar esse plano em prática tão cedo.

"A promessa, para falarmos português claro, a promessa do presidente Trump, não se revelou por inteiro, não se completou. Na última observação, que é essa reunião de ministros que deve ocorrer dia 23 em Paris, na reunião preparatória para esse encontro, a diplomacia norte-americana já repetiu o mesmo mote: 'não temos instruções sobre o que fazer com o Brasil'. Na prática, o veto norte-americano prossegue", explica Leonardo Trevisan, professor de Relações Internacionais na Escola Superior de Propagando e Marketing de São Paulo (ESPM), em entrevista à Sputnik Brasil.

A OCDE realizará um encontro de ministros de países membros e convidados entre os dias 22 e 23 de maior deste ano.

"O sinal mais evidente de uma espécie de 'desistência' do Brasil de acelerar o processo está no fato de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de ir na reunião e mandou, na verdade, o secretário-executivo do Ministério, Marcelo Guaranys", ressalta Trevisan, que enxerga a medida como uma "uma percepção do governo brasileiro de que nós fomos de alguma forma deixados para depois", diz Trevisan, que aponta ainda que a reunião deve contemplar mais as adesões de Romênia e Argentina e que a pretensão do Brasil poderia voltar à mesa em 2020.

Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a posição dos EUA pode ser explicada por uma conduta mais ampla nas admissões dentro da OCDE.

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"A OCDE vem se ampliando ativamente nos últimos tempos. Tivemos aí desde o final da década passada novas adesões à organização e de alguma maneira os Estados Unidos decidiram 'pisar no freio', vamos dizer. E por conta disso, acabam se opondo à entrada do Brasil e alguns outros países".

Sendo os EUA o mais importante dos países a compor a OCDE, seu apoio segue sendo fundamental para que o Brasil realize o anseio de entrar na organização.

"Mais que do que uma dificuldade em atender as exigências para entrar na organização, enfrentamos de alguma forma a oposição dos Estados Unidos, que são o grande ator dentro desse mecanismo institucional", diz Velasco

A entrada na OCDE depende de consenso entre os países membros, explica Velasco, que ressalta, que o peso dos EUA na decisão influencia diretamente a formação deste consenso.

O pesquisador ainda lembra que a entrada do Brasil na organização também depende da renúncia do tratamento diferenciado que tem na Organização Mundial do Comércio (OMC) como país em desenvolvimento.

Apesar da medida não ter sido concretizada, o Brasil deu sinais de que estaria disposto a abrir mão de seu status atual na organização. Para Leonardo Trevisan, esse movimento pode custar caro ao Brasil.

"De alguma forma o Brasil foi um pouco cauteloso. Mas o Brasil deu um passo em falso, porque sinalizou para a Organização Mundial do Comércio que aceitaria deixar esse tratamento especial. Na prática nós perdemos espeço político, para dizer o mínimo, dentro da Organização Mundial do Comércio. É um custo caro por acreditamos de alguma forma na promessa do governo Trump […]. Nós fizemos a nossa parte mas os americanos não cumpriram a deles", diz Trevisan.

Sonho distante?

"Na verdade, o Brasil sequer iniciou o seu processo de adesão à organização porque falta esse aval consensual", expõe o pesquisador da UERJ, Paulo Velasco.

O professor aponta também que algumas exigências da OCDE são contornáveis, mas que não vê no Brasil uma legislação compatível com o grupo, que exige ainda um Índice de Desenvolvimento Humano (PIB) alto de seus membros, assim como um Produto Interno Bruto (PIB) relevante.

"A OCDE ao negociar um novo membro, ela presta atenção em questões muito específicas. Por exemplo a legislação brasileira relativa a movimentos transfronteiriços de capital é uma legislação que não está muito afinada com as diretrizes da organização. Então no que tange à circulação de investimentos e intangíveis o Brasil não converge muito com o aquilo que a OCDE espera", aponta Velasco.

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Já o professor Leonardo Trevisan acredita que o Brasil já percorreu boa parte das exigências necessárias. "Dos quase 248 instrumentos que são obrigatórios para entrada, o Brasil já percorreu esse caminho em mais de 200 deles. [São] 135 pedidos de adesão já concluídos, 35 deles já em definição. Na prática nós estamos ainda dependendo de 41 pequenos instrumentos que são mais relativos à ordem tributária".

Trevisan entende que o Brasil, dentre os países que tentam se aproximar do bloco, seria o que tem mais condições de acesso. O problema da entrada seria político, principalmente com os EUA.

"O governo Bolsonaro imaginou que isso estava contornado com a visita que o presidente fez a Washington e o acolhimento das autoridades norte-americanas", aponta.

Brasil troca BRICS por EUA

"[…] o Brasil trocou toda a sua adesão, toda a sua aproximação diplomática e comercial com os países do BRICS, com os países em desenvolvimento por um engajamento muito maior na dinâmica mais bilateral do que multilateral dos Estados Unidos. Esse engajamento foi feito só da parte brasileira, sem nenhuma contrapartida da parte norte-americana", diz Trevisan.

Outro fator de peso em uma possível adesão é a correlação de forças internas dentro da OCDE. Apesar do peso dos EUA nas decisões, a União Europeia, que aglutina a maior parte dos membros, também busca manter sua influencia dentro do grupo.

"A União Europeia, já desde as adesões da década passada ela exige que a cada adesão de um país de outra região se assegure a entrada de um país europeu", aponta Paulo Velasco. O pesquisador também explica que o Brasil não é o único candidato a entrar na OCDE e se soma às aspirações de Argentina, Peru, Croácia, Romênia e Bulgária.

A entrada de países da América Latina também é recente na organização. Em 1994, o México foi aceito no grupo, enquanto a Costa Rica negocia sua entrada desde 2014.

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Já países da América do Sul só entraram a partir da década passada. É o caso de Chile, que entrou na OCDE em 2010. A Colômbia segue em negociação para adesão, tendo sido convidada em 2018 para entrar no grupo. O próprio site da OCDE dá a entrada colombiana como algo prestes a ser realizado.

"Não deixa de ser uma novidade também ter países da América do Sul fazendo parte dessa organização que é conhecida como 'clube dos ricos'", diz Velasco.

Já Trevisan alerta que o alargamento da organização não é um interesse imediato dos EUA, que querem um crescimento da OCDE de forma lenta e gradual, diferente dos países europeus. "Os Estados Unidos têm receio de perder maior controle de votos dentro da OCDE por esse crescimento da entidade desse ‘clube dos ricos'", conclui.

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