Desde o início do mês, o The Intercept vem divulgando trechos de supostas conversas que Moro teria mantido com integrantes da força-tarefa da Lava Jato quando ainda era juiz da 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba, onde é julgada parte dos processos da Lava Jato.
Quais são os limites da liberdade de imprensa?
A grande repercussão dos vazamentos de conversas do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, gerou um intenso debate no sociedade sobre os aspectos legais relacionados ao processo da Lava Jato, mas também sobre a legitimidade das próprias publicações que revelaram os diálogos de autoridades.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o especialista em Direito da Informática, o advogado Rofis Elias Filho, observou que, caso os diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil sejam autênticos, não houve qualquer irregularidade na publicação das conversas.
"A imprensa é livre, ela pode e deve fazer o que está fazendo, de trazer a público esses diálogos, desde que sejam veradadeiros. Agora, se não for verdade o que está sendo levantado, aí sim pode ter uma implicação criminal. Mas a princípio o Intercept não cometeu nenum tipo de irregularidade", argumentou.
O especialista destaca que a Constituição Federal assegura à imprensa e ao jornalista em si uma "liberdade praticamente irrestrita desde que você vincule informações verdadeiras e você não ofenda a moral e a honra de ninguém".
Já o professor de direito constitucional da PUC-Rio, Fábio Carvalho Leite, disse à Sputnik Brasil que o "direito brasileiro infelizmente não tem muitas regras sobre limites à liberdade de imprensa - e de expressão em geral". De acordo com ele, "há uma crença generalizada de que essas situações devem ser julgadas a partir da ponderação casuística, a partir de dispositivos vagos: liberdade de expressão e de imprensa, direito à honra, à imagem e à privacidade e intimidade".
"Quanto aos casos em que se discute se houve ou não violação à honra de alguém em razão de reportagem jornalística, o cenário é bastante confuso, justamente porque não há regras claras para solucionar o conflito. Os dispositivos constitucionais que tutelam a liberdade de expressão, o direito à informação e a inviolabilidade dos direitos da personalidade [art. 5, IV, V, IX, X, XIV da Constituição] não definem até onde vão esses direitos, o que é normal em dispositivos constitucionais", acrescentou.
Proteção de fontes anônimas
De acordo com o Art. 5, inc. XIV da Constituição, "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".
Sobre este aspecto, o jurista Fábio Leite comentou que "a prática tem sido a de se considerar que a imprensa não só pode como até deve, dizem alguns, divulgar conteúdo de interesse público, resguardado o sigilo da fonte". "Entendo que há exagero quando se diz 'deve', pois não se trata de dever jurídico. No máximo, um dever ético", acrescentou.
O especialista em direito constitucional afirma que tem sido comum a divulgação pela imprensa de material que consta em processo que tramita em segredo de justiça.
"Ainda que se trate de interceptação telefônica legítima, por decisão judicial e nos termos do art. 5, XII da CF e da lei 9296/96, quem disponibiliza o material para os órgãos de imprensa age ilegalmente. Isso nunca foi considerado um impedimento legal à divulgação pela mídia", completou.
O que é crime e o que não é no vazamento dos dados?
Um dos aspectos mais discutidos desde que começaram as publicações do The Intercept Brasil foi referente a supostas invasões ilícitas a aparelhos privados, o que de acordo com a lei brasileira representa um crime.
O advogado Rofis Elias Filho reiterou à Sputnik Brasil que a Constituição Federal assegura o anonimato de todas as fontes que o jornalista se utiliza para fazer determinada matéria, mas destaca duas situações diferentes em relação ao vazamento dos dados.
"Se foi invadido o aparelho celular, quem invadiu cometeu um crime. É um crime de 'invasão de dispositivo informático', que está previsto pelo Código Penal Brasileiro no artigo 154 A. Isso é um crime. E se essas informações foram dadas por alguém que estava também participando dessa conversa, aí não é crime", destacou.
De acordo com o jurista, "quando uma pessoa participa da conversa com outro, grava essa conversa, seja por texto, seja por voz, e passa para algum terceiro, essa publicação não é ilícita, porque foi a pessoa que estava participando dessas conversas que passou". "E essa outra pessoa não precisa dar a permissão para essa pessoa passar a conversa, aí não tem crime nenhum", acrescenta.
Ao comentar a hipótese de que houve invasão dos aparelhos, Rofis Elias Filho ressalta também que a mídia responsável por veicular as informações obtidas ilegalmente não pode ser conivente com as hipotéticas infrações no acesso aos dados e pode ser investigada.
"Vamos pressupor que houve invasão dos aparelhos, aí na minha visão o jornalista não pode incobrir um criminoso, porque ele poderia estar sendo conivente com o crime do artigo 154 A. Aí a gente vai ter que ter uma investigação pra saber se esse jornalista também não está envolvido neste crime", observou.
Já professor de direito constitucional Fábio Leite acredita que a imprensa, neste caso "está protegida", apesar de reconhecer que haja "um potencial problemático".
"A imprensa poderia ser um estímulo à obtenção de informação por meios ilícitos, o que seria preocupante num mundo globalizado. Mas, de novo, isso não parece ter sido enfrentado pelo direito brasileiro. Quanto à fonte anônima, nada sabemos a respeito. Cabe ao jornalista protegê-la. Pode ter sido um hacker, pode não ter sido. Não temos informação a respeito", destacou.
Desdobramentos do caso
Ao comentar os possíveis desdobramentos para os integrantes da Operação Lava Jato, bem como para os reús de seus processos, em particular o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o jurista Fábio Leite afirmou que, caso o acesso às informações divulgadas tenha sido feito de forma legal, o ministro Sergio Moro não pode ser punido pelo Conselho Nacional de Justiça, porque não integra mais o Poder judiciário.
Em relação aos procuradores envolvidos, especialmente o procurador Daltan Dallagnol, o especialista citou a lei complementar n. 75/1993 [que é a lei orgânica do Ministério Público da União – que compreende o Ministério Público Federal, MP do Trabalho, MP Militar e MP do Distrito Federal], que dispõe em seu art. 236 que: "Art. 236 – O membro do Ministério Público da União, em respeito à dignidade de suas funções e à da Justiça, deve observar as normas que regem o seu exercício e especialmente: desempenhar com zelo e probidade as suas funções".
"As informações divulgadas até o momento não apontam ilícito criminal por parte dos procuradores", complementou Fábio Leite.
No caso das provas teres sido adquiridas de forma ilícita, o advogado Rofis Elias Filho, por sua vez, destacou que "se a prova for obtida de forma ilícita, ela é ilícita e não pode ser usada para nenhum fim de processo contra qualquer pessoa que esteja envolvida na Lava Jato. Essa prova só pode ser usada para beneficiar o réu".
"As ilegalidades relacionadas a um processo da Lava Jato não afetam os demais necessariamente. O conteúdo divulgado até o momento revela ilegalidades no processo que levou à condenação do ex-Presidente Lula. O resultado seria a anulação do processo, o que não impede que haja um novo processo, que seria distribuído a outro juiz ainda que o Sergio Moro ainda estivesse exercendo a função. E a outros procuradores também", completou o jurista Fábio Leite.
O ministro Sergio Moro apareceu na semana passada no Senado para dar explicações sobre o conteúdo das mensagens e salientou que não deve ser levado em conta porque elas foram obtidas ilegalmente.
O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, mostrou seu apoio a Moro e não deu indícios de que ele possa tirar o ministro do cargo no curto prazo.