Lucro ou segurança? Boeing deve escolher se quiser evitar novas catástrofes, dizem engenheiros

Um ano após a queda de um 737 MAX da Ethiopian Airlines, que matou 157 pessoas e desencadeou a pior crise da história da Boeing, o gigante da aviação está numa encruzilhada.
Sputnik

Os aviões 737 MAX continuam em terra por todo o mundo e a empresa tarda em resolver os problemas técnicos que motivaram as duas catástrofes aéreas em que pereceram 346 pessoas.

Lucro ou segurança?

Segundo analistas e antigos funcionários, a montadora sediada em Chicago precisa de uma reforma estrutural profunda para impedir que tais desastres voltem a acontecer, mas ainda não deu os passos necessários.

"Eles têm que decidir que tipo de empresa querem ser", disse Stan Sorscher, um engenheiro aposentado e líder sindical, citado pelo jornal Bangkok Post.

Segundo o engenheiro, a escolha terá de ser entre uma procura desenfreada de lucros ou procedimentos internos de segurança rigorosos.

O analista Scott Hamilton do portal Leehamnews, citado pelo Bangkok Post, está no pelo mesmo diapasão, alertando para o fato de "a cultura de priorizar o interesse do acionista e a redução de custos começa no conselho de administração".

Obsessão pelos lucros

A obsessão da empresa pela redução de custos teria começado com a aquisição da rival McDonnell Douglas em 1996.

"O programa 787 foi horrível. Foi o nosso primeiro modelo na nova cultura [de contenção de custos]", afirmou um engenheiro sob condição de anonimato, relatando igualmente que eram sempre pressionados pelos seus supervisores para cortar nos custos e poupar.

Esta cultura de poupança foi impulsionada por Jim McNerney, um antigo executivo da General Electric que foi nomeado diretor executivo em 2005, reforçando essa política durante os seus 10 anos de reinado.

Lucro ou segurança? Boeing deve escolher se quiser evitar novas catástrofes, dizem engenheiros

Em dezembro de 2019, a Boeing demitiu o diretor-executivo, Dennis Muilenburg, e o conselheiro-geral, Michael Luttig, escolhidos como bodes expiatórios do problema.

Boeing quererá mesmo mudar sua política?

David Calhoun, o novo patrão, se propôs apaziguar tanto as exigências dos investidores da empresa quanto as preocupações de seus engenheiros.

Para acalmar os mercados, ele compensou os acionistas com um dividendo do quarto trimestre de US$ 1,2 bilhão (R$ 5,5 bilhões), apesar de a empresa ter apresentado prejuízos em 2019.

Os funcionários e analistas questionam se Calhoun teria sido a melhor escolha, pois faz parte da administração da empresa desde 2009 e foi um dos rostos da política de contenção de custos que teria levado às insuficiências técnicas do MAX e consequentes acidentes fatais.

"Todos no conselho de administração são do tempo dessa tradição financeira de corte de custos. Eu não espero que David Calhoun mude", afirmou Sorscher.

"E os membros da administração não estão necessariamente lá por causa de seus conhecimentos técnicos", afirmou Richard Aboulafia, um especialista do Teal Group citado pelo Bangkok Post, aludindo à presença da ex-embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, e ao fato de apenas haver um engenheiro entre os 13 membros atuais da diretoria.

Lucro ou segurança? Boeing deve escolher se quiser evitar novas catástrofes, dizem engenheiros

Após o acidente na Etiópia e outro em outubro de 2018 na Indonésia, que matou 189 pessoas, a Boeing prometeu rever os seus procedimentos internos de segurança e criar uma comissão para investigar as alegadas pressões sobre funcionários.

Mas tal não livrou a empresa de estar sob a alçada do Departamento de Justiça que investiga se a Boeing encorajou os funcionários a esconder problemas encontrados durante o desenvolvimento do 737 MAX, depois de terem sido divulgadas comunicações internas que apontavam nesse sentido.

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