O governo brasileiro indicou que está perto de acertar um acordo de livre comércio do Mercosul com a Indonésia e o Vietnã. A notícia foi divulgada nesta terça-feira (15) pelo Ministério da Economia, que na figura de Paulo Guedes, ressaltou a importância da aproximação comercial do Brasil com países da Ásia e do Oriente Médio.
Porém, para que haja entendimento entre o bloco comercial sul-americano e as duas nações asiáticas, ainda é necessária uma articulação com os demais sócios do Mercosul. Para entender este processo e o que a economia brasileira pode a ganhar com isso, a Sputnik Brasil conversou com o professor da Unesp, Marcos Cordeiro Pires.
Questionado se há interesse do bloco em seguir com o acordo, Marcos Cordeiro interpreta que sim. Apesar de ter ressaltado que o Mercosul deveria adotar uma estratégia mais abrangente, envolvendo mais parceiros na região da Ásia, o professor acredita que a Argentina fará parte da negociação, e dará um impulso diplomático à assinatura do tratado.
"Há interesse da Argentina, que possuiu uma taxa de exportação para Indonésia e Vietnã maior do que a brasileira. Pouca coisa, mas é maior. Isso implica em um interesse da Argentina, principalmente, que precisa avançar na pauta comercial diante de seus problemas econômicos. Neste aspecto específico, acredito que estamos perto de fechar este acordo".
De acordo com o ministério da Economia, estudos sobre o impacto econômico-comercial desses possíveis tratados indicaram potencial positivo para a economia brasileira. Importante frisar, neste contexto, que no primeiro quadrimestre deste ano, cerca de 45% das exportações do Brasil tiveram como destino a Ásia.
A pasta controlada por Paulo Guedes também avalia que os principais atrativos desses dois possíveis mercados (Indonésia e Vietnã) são suas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), além do aumento consistente do nível de renda per capita desses países.
"Vale a pena mencionar o acordo abrangente de comércio do Pacífico, que vai criar uma área de livre comércio que abrange um terço da população mundial, e um terço do comércio mundial. Essa área na reúne China, Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Vietnã, Austrália e outros. Entrar nesse mercado é muito importante, principalmente para o Brasil, que apresenta essa dependência comercial da Ásia", afirmou.
Porém, o professor faz um alerta e sustenta que questão é um pouco mais delicada do que parece. "Ao buscar acordo com Indonésia e Vietnã, é preciso pensar o que podemos vender para esses países", disse Marcos Cordeiro.
"O Brasil não está situado em um mercado de cadeias produtivas de maior valor agregado. Ao fazer acordos com Indonésia e Vietnã, é difícil imaginar o que o Brasil poderia oferecer que já não está sendo ofertado pelos países asiáticos. Tanto Indonésia quanto o Vietnã dependem de importações da Ásia, e eles tem uma dependência muito grande do mercado chinês, e isso dificilmente poderia ser alterado", concluiu.
O Vietnã, por sua vez, também localizado no sudeste asiático, tem uma população de cerca de 95 milhões de habitantes e um PIB de US$ 261,9 bilhões. A corrente de comércio entre Brasil e Vietnã se manteve próxima ao patamar de US$ 4 bilhões anuais, nos últimos anos.
Ao anunciar a proximidade do acordo de livre comércio entre Mercosul e os dois países, o Ministério da Economia ressaltou as possibilidades de comércio com populações tão expressivas e afirmou que a "Ásia é um dos eixos mais dinâmicos do comércio mundial".
Desde 2019, o ministro Paulo Guedes buscou diversas vezes ressaltar a importância da aproximação comercial do Brasil com países da Ásia e Oriente Médio. Ele enfatizou a importância de ter, com a Índia, uma relação tão profunda como a existente com a China.
Neste sentido, é importante lembrar que o planejamento diplomático elaborado no governo de Michel Temer (2016-2018) já apontava a Ásia como uma região estratégica, dado seu forte dinamismo econômico. Na época, foram iniciados os entendimentos com Cingapura e Coreia do Sul.
Questionado se ao buscar acordos com a Indonésia e o Vietnã, o Brasil pode reduzir sua dependência da China, o professor Marcos Cordeiro acredita que não.
"No comércio entre Brasil e China prevalecem commodities, que também são produzidas por Vietnã e Indonésia. Dificilmente o Brasil vai encontrar um mercado tão sólido quanto a China, que compra soja, açúcar, minério de ferro e carnes. A diferença de peso é muito grande. Indonésia e Vietnã, somados, correspondem a 1,5% do mercado internacional do Brasil. A China, por sua vez, representa sozinha cerca de 26%. A nossa dependência da China, para aquilo que exportamos hoje, é muito grande, e não há quem possa absorver essa produção".
O professor entende que a pasta da Economia busca abrir o mercado brasileiro, como de compras governamentais, mas muitas vezes o faz sem contrapartida. "Esse é um problema muito grave. Se abrimos para empresas estrangeiras atuarem aqui, você não tem a contrapartida de que empresas brasileiras podem atuar de forma equitativa".
Ainda de acordo com ele, "outro ponto importante neste contexto é que o único acordo relevante, e que foi costurado durante o governo Temer, que significou uma quantidade enorme de concessões para o Mercosul, foi o acordo assinado com a União Europeia. Mas ele está parado. E esta parado principalmente por causa da questão ambiental brasileira, em especial à questão da Amazônia".