Por 37 votos contra nove, o plenário do Senado Federal barrou a indicação de Marzano para exercer o cargo de delegado permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Genebra, na Suíça.
Para Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP), o freio à nomeação do embaixador é um recado ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
"É crescente no parlamento, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, uma pressão com relação ao ministro Ernesto Araújo. Especialmente de setores que entendem que a atuação dele no ministério tem criado problemas para o Brasil e divergências com parceiros importantes", analisou.
A última vez que senadores rejeitaram o nome de uma pessoa indicada para ocupar cargos da diplomacia brasileira no exterior ocorreu em 2015, quando a ex-presidente Dilma Rousseff não conseguiu emplacar o nome do embaixador Guilherme Patriota, então indicado para a Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
"Não é comum, normalmente essas indicações passam pelo Senado e, em geral, de forma bastante tranquila", explicou Holzhacker.
Marzano é próximo ao chanceler brasileiro e comanda a Secretaria de Soberania Nacional e Cidadania no Itamaraty, que tem implementado as pautas defendidas por Ernesto Araújo.
"[A votação] pode ser uma sinalização ao rejeitar um nome que é ligado ao Ernesto e de alguém com perfil muito semelhante às ideias que defende o ministro", afirmou a professora.
Silêncio em questionamento sobre questões ambientais
A não aprovação do nome de Marzano ganhou força após o embaixador se recusar a responder um questionamento da senadora Kátia Abreu (PP-TO) durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) na segunda-feira (14).
A senadora questionou o indicado sobre o Acordo Mercosul-União Europeia e as implicações da questão ambiental como obstáculo à celebração do tratado.
Denilde Holzhacker criticou a atitude do embaixador e disse que questionamentos do tipo, por mais que não sejam diretamente ligados às funções desempenhadas pelo chefe da delegação brasileira na ONU, são pertinentes de serem feitos.
"Você tem uma agenda muito ampla dentro da ONU, que a delegação brasileira tem que responder, e mudanças climáticas, questões ambientais, é uma delas. No caso, para um cargo como um posto na ONU, que é considerado como um dos postos mais importantes, que tem uma grande visibilidade, faz todo sentido a pergunta da senadora", afirmou.
Brasil sem liderança em momento delicado
A rejeição ao nome de Marzano, segundo Holzhacker, é especialmente delicada também porque o Brasil fica sem comando em um momento em que vem sendo questionado nas Nações Unidas.
Um dos exemplos citados pela professora da ESPM-SP foi a exclusão do Brasil da lista de países da Cúpula da Ambição Climática 2020, evento preparatório para a próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26).
"A gente vai ficar em uma situação de não ter um indicado em um momento na ONU em que o Brasil está sendo questionado em várias frentes. [...] Não ter um representante que possa expressar as posições brasileiras é ruim para o governo e isola ainda mais o Brasil na sua atuação internacional. Tem uma conotação interna, como eu coloquei, mas tem também mais um fator de desgaste e isolamento do Brasil", disse.
Governo brasileiro precisa mudar política externa
Denilde Holzhacker também acredita que o descarte da nomeação de Marzano é um recado de diversos setores para que o Itamaraty mude a maneira como a política externa está sendo conduzida.
"A gente tem tensão com a China, que é um parceiro importante. A gente tem tensão com a Argentina. São uma série de fatores que levam à pressão de que o Brasil precisa readequar a política externa", afirmou.
Por outro lado, para Denilde Holzhacker, as respostas que o embaixador deu na sabatina com senadores mostraram o grau de animosidade entre o governo e o parlamento, e isso pode gerar uma mudança no rumo da política externa brasileira.
"O governo vem enfatizando que não vai fazer mudanças, que o Ernesto continua e que ele tem total apoio da Presidência. Agora a gente vai ter que esperar para ver qual vai ser o desfecho. A tendência é, sim, ter algum tipo de reajuste na política externa, e que ela passe a ter um componente mais pragmático", declarou.
Além das pressões vindas dos senadores, o governo brasileiro também tem sofrido cobrança no setor privado para alterar a política externa.
"As pressões não são só no mundo politico. As pressões para uma mudança ocorre também nos setores privados, que alegam que essa postura do Brasil tem sido prejudicial para as nossas negociações em termos comerciais", completou Holzhacker.