Nesta terça-feira (2), o Partido Comunista do Vietnã antecipou a conclusão de seu 13º Congresso para lidar com o mais grave surto de COVID-19 registrado no país: 200 casos em uma só comunidade.
Antes de encerrar os trabalhos, o Congresso conduziu o secretário-geral, Nguyen Phu Trong, para seu terceiro mandato e aprovou o plano econômico para os próximos cinco anos.
"A liderança no Vietnã é estruturada em 'quatro pilares': o secretário-geral do partido, o presidente, o primeiro-ministro e o diretor da Assembleia Nacional", disse o pesquisador da Academia Diplomática do Vietnã, Dang Hoang Linh, à Sputnik Brasil.
"O secretário-geral é o que agrega mais poder, seguido pelo presidente, que é o chefe de governo, e do primeiro-ministro, que responde pela política econômica", explicou Linh.
Com 76 anos, o primeiro-ministro, Phu Trong, recebeu uma autorização para manter sua atividade política, apesar de ter ultrapassado a idade limite.
No país, a transição de poder se dá por geração, explicou a docente da Academia de Imprensa do Vietnã, Tran Thị Minh Tuyet.
"O poder central vietnamita mantém uma estrutura de poder dividida em três grupos etários: abaixo de 50, de 50 a 60 e acima de 60", disse Tuyet à Sputnik Brasil. "Esse sistema garante continuidade e transição sem grandes turbulências."
De fato, a palavra de ordem deste 13º Congresso foi "continuidade": nove dos 18 membros do Politburo do país se mantiveram no cargo. O primeiro-ministro, Nguyen Xuan Phuc, por sua vez, foi elevado ao cargo de presidente.
"O crescimento econômico de 2.91% em 2020, um dos mais elevados do mundo, foi um sucesso em meio à COVID-19", disse Linh. "Isso deu credibilidade para o partido [...] e para o governo."
Além disso, "o Vietnã conseguiu conter a pandemia com sucesso". O país registrou somente 1891 casos e 35 mortes em decorrência do novo coronavírus, segundo a Universidade Johns Hopkins (EUA).
"O sucesso do Vietnã se deve a diversos fatores, como a determinação e flexibilidade da resposta à epidemia, a participação e todo o sistema político, [...] o trabalho incansável dos médicos e cooperação e apoio da população", disse Tuyet.
Segundo ela, o método de "rastreamento, mapeamento e quarentena" deu bons resultados.
Crescimento solitário
A resposta à pandemia fez do Vietnã um dos principais receptores de investimento estrangeiro direto em 2020.
Empresas como a Apple transferiram parte de sua produção da China para o Vietnã, a fim de evitar tarifas norte-americanas impostas durante a chamada "guerra comercial" entre as potências econômicas.
"O Centro Nacional de Informação e Prognósticos Socioeconômicos acredita que o crescimento econômico do Vietnã em 2021 deve retomar altos níveis", disse o pesquisador do centro de estratégia para a Ásia da Academia de Ciências da Rússia, Nguyen Kuok Hung, à Sputnik Brasil.
De acordo com o Centro, a economia deve crescer entre 6,3% e 6,8% neste ano, a depender do impacto da COVID-19 na economia mundial.
No entanto, Hung lembra que "a forte dependência de importações e exportações deixa a economia vietnamita vulnerável a choques externos".
A falta de produtividade e qualificação da mão de obra também podem frear o crescimento da economia do país.
"Os investimentos diretos estrangeiros no Vietnã são, em sua maioria, focados em processamento e manufaturas, que não demandam mão de obra qualificada", apontou Linh. "Isso não cria uma base para o treinamento de mão de obra para o futuro."
"O Vietnã precisa fazer a transição de um modelo econômico focado em extensão, para um focado em profundidade", acredita Tuyet. "Mas será um desafio fazer essa transição em contexto de falta de tecnologia e mão de obra qualificada."
Segundo Tuyet, com PIB per capita de cerca de US$ 3 mil (aproximadamente R$ 16 mil), o Vietnã corre o risco de ficar preso na "armadilha da renda média".
"Se o Vietnã não reestruturar a sua economia, promover a luta contra a corrupção, pode em breve se ver na posição de 'ficar velho antes de ficar rico'", alertou Tuyet.
Entre a China e os EUA
Como em diversos momentos de sua história moderna, o Vietnã deve lidar com as pressões das duas potências militares e econômicas em luta por influência na Ásia: a China e os EUA.
"Em suas estratégias, as superpotências tentam criar alianças e parcerias na região para aumentar a sua influência. E o Vietnã não é uma exceção", disse Linh.
Para Linh, o Vietnã pode extrair vantagens dessa situação, uma vez que a "competição […] cria condições favoráveis para o Vietnã desenvolver mercados, acessar capital e tecnologia moderna através da cooperação."
No entanto, Tuyet lembra que "a situação no mar do Sul da China está ficando cada vez mais complexa, ameaçando a segurança e estabilidade da região, assim como os interesses legítimos de vários países, incluindo o Vietnã".
O Vietnã reivindica a posse do conjunto de ilhas Paracel e Spratly, também chamadas de Hoang As e Truong Sa. Países como a China, Malásia, Brunei e Filipinas também reivindicam áreas nesses arquipélagos no mar do Sul da China.
"O Vietnã deve ser determinado e persistente em sua luta para proteger a sua soberania no mar do Sul da China - conhecido como mar do Leste no país - sem que isso perturbe sua cooperação com a China", disse Tuyet.
No entanto, ela lembra da necessidade de manter a construção de boa relação com os EUA, contra quem o Vietnã lutou uma sangrenta guerra ente 1955 e 1975.
"Atualmente, o grande desafio do Vietnã é expandir o relacionamento com os EUA ao mesmo tempo em que mantém relações estáveis com seu vizinho gigante, a China", disse Linh.
Nesse duelo de titãs, Tuyet lembra que o Vietnã deve adotar "estratégia e métodos acertados para evitar virar só mais um 'peão' a serviço de grandes países, como os EUA e a China".
O 13º Congresso do Partido Comunista do Vietnã foi celebrado entre os dias 25 e 1º de fevereiro, na capital do país, Hanói. Cerca de 1.600 delegados participaram do evento, que foi abreviado em função da detecção de 200 casos de COVID-19 em comunidade do país.