No dia 2 de fevereiro, o Ministério da Economia do Brasil informou que 3,359 milhões de empresas foram abertas no país em 2020 e que 1,044 milhão foram fechadas, o que revela um saldo positivo de 2,315 milhões de novos negócios abertos no período.
De acordo com o ministério, o número de empresas abertas no ano passado foi o maior desde início da série histórica, que começou em 2010, um crescimento que ocorreu em meio à pandemia do novo coronavírus, que gerou recessão na economia brasileira e uma queda estimada de mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020.
"Os números demonstram que a economia tem reagido bem mesmo no cenário de pandemia, conforme indicam os dados do registro histórico de abertura de empresas no Brasil em 2020", informou o Ministério da Economia, citado pelo G1.
Os dados do ministério também revelam que boa parte das empresas abertas no período são as chamadas MEIs, os microempreendedores individuais. No fim de 2020, o Brasil possuía 19,9 milhões de empresas abertas, das quais 11,2 milhões eram MEIs, o que equivale a 56,6% do total. Além disso, dentre as 3,359 milhões de empresas abertas em 2020, mais de 2,6 milhões foram MEIs, o que equivale a quase 80% do total.
De acordo com a subsecretária de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismo e Artesanato do Ministério da Economia, Antonia Tallarida, citada pelo G1, a abertura de MEIs cresceu 8,4% em 2020 em comparação com 2019, e supera a taxa de abertura total de empresas, que cresceu 6%.
Para o professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Pinkusfeld, o número de abertura de empresas não necessariamente está relacionado a uma melhora da economia brasileira como aponta o governo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, o economista assinala que houve sim "uma recuperação relativamente robusta da economia em 2020, mas isso se deu por causa do auxílio emergencial, já que foi muito pesada a entrada do governo, que deu um impulso forte com o gasto público e injetou uma quantidade de dinheiro muito grande na economia."
O especialista assinala que o fato de quase 80% das empresas terem sido abertas através de MEIs revela uma relação muito forte com o desemprego.
"Devido ao enorme fluxo de desempregados na economia, essas pessoas precisaram recorrer à prestação de serviços, atividades como o comércio, o setor de alimentos e de outros serviços consumidos pelas famílias, pois elas precisam se virar e tais atividades são formas de sobrevivência em um mercado de trabalho que está muito ruim", opina.
Carlos também destaca que o setor de serviços foi o mais prejudicado na pandemia, principalmente o de serviços consumidos pelas famílias, que registrou uma redução de 26% em novembro de 2020 em comparação com o mesmo mês do ano anterior, e uma perda de aproximadamente 22 milhões de empregos. Para Pinkusfeld, ao comparar o número de empresas criadas por empreendedores individuais com os postos de trabalho perdidos, há um saldo negativo muito grande.
"O fluxo entre o que se criou com essas empresas MEI comparado ao que foi perdido de empregos, ainda está muito negativo. Mesmo se você olhar o total de emprego, que inclui todos os setores, a queda é de cerca de oito milhões de empregos, então é óbvio que isso reflete o que aconteceu, que foi uma destruição gigante de postos de trabalho no setor de serviços e as pessoas não vivem de vento. Então, elas tiveram que se virar, tornando-se microempreendedores individuais", destaca o professor da UFRJ.
A relação entre o alto número de desempregados com a criação de MEIs também é evidenciada pelo economista Roberto Kanter, professor dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em entrevista à Sputnik Brasil, Kanter assinala que "os setores de alta empregabilidade sofreram muito com a pandemia e, com isso, foram obrigados a mandar colaboradores embora. Então, o número de colaboradores formais que foram mandados embora foi muito grande e boa parte deles teve que buscar alternativas de renda, muitas delas através do empreendedorismo, montando pequenos negócios, muitos informais, e outros através de MEIs".
Além disso, Kanter ressalta que colaboradores que tinham contratos formais de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também foram para o mercado de pessoas jurídicas, a chamada "pejotização", criando MEIs que oferecem custos mais baratos para as empresas.
Contudo, o professor da FGV aponta que alguns serviços tiveram forte expansão durante a pandemia, principalmente os ligados à transformação digital, o que pode ter amenizado um pouco a queda no setor como um todo.
"Tudo que envolve prestação de serviços, logística, distribuição, tecnologia, aproximação da empresa com o consumidor, soluções de e-commerce, etc. foram os grandes ganhadores da pandemia, [...] tudo que podia ser feito para incentivar o não contato pessoal teve grande atração e gerou muitas oportunidades de negócios e uma enorme parcela das empresas cresceu nessa área", destaca Kanter, enquanto outros setores, como turismo e eventos, "foram extremamente afetados e sua saúde financeira para o futuro é uma incógnita."
A experiência dos microempreendedores individuais
A Sputnik Brasil também conversou com duas jovens que abriram suas empresas através de MEI durante a pandemia. Ambas são prestadoras de serviço e revelaram que recorreram a esse formato de empresa para complementarem suas rendas e por ser o mais simples e menos burocrático.
Fernanda Dias de Assis, de 31 anos, é psicóloga e atua com gestão de pessoas há mais de dez anos. Ela possui pós-graduação na área e atuação principalmente com treinamento e atração de talentos para empresas e organizações.
Com o cenário da pandemia, Fernanda revela que sentiu necessidade de olhar para o mercado e entender o que poderia fazer além de um contrato formal de trabalho através da CLT.
"Tive a ideia de unir minha formação e expertise para atuar como consultora de recolocação e carreira através da abertura de um MEI, para ter um negócio de forma 'regular'", conta Fernanda.
A psicóloga afirma que a experiência de ter sua própria empresa tem sido gratificante e que ela pretende estruturar melhor a consultoria para torná-la sua única fonte de renda nos próximos anos.
Por sua vez, Bárbara Costa Diniz é uma bióloga de 23 anos que faz mestrado em ecologia na UFRJ e possui uma bolsa de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPS).
Em conversa com a Sputnik, Bárbara conta que nunca teve a necessidade de trabalhar com carteira assinada, pois sempre foi estudante, e que a decisão de abrir um MEI foi provocada por uma "necessidade burocrática", pois ela começou a auxiliar em um projeto como gestora de redes sociais e na produção de materiais visuais, e a única maneira de ser remunerada seria através de um bolsa de pesquisa, o que ela não poderia ter por já possuir uma bolsa do mestrado.
"O MEI foi a forma que encontrei de conseguir complementar minha bolsa de mestrado com a remuneração desse projeto através da prestação de serviços", revela.
Bárbara conta que, depois de criar o MEI para auxiliar no projeto citado, passou a prestar serviços para outras empresas e ressalta que pretende seguir nesse caminho após a conclusão do mestrado, ampliando seus serviços, pois sua área de atuação - ecologia - é muito restrita e as possibilidades de emprego são muito reduzidas.