Notícias do Brasil

Superlotado, sistema prisional brasileiro sofre com um ano de pandemia

No começo de 2021, as mortes por COVID-19 saltaram 190% no sistema penitenciário. A Sputnik Brasil conversou com Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, para entender o cenário.
Sputnik

Em um momento de recomendação de isolamento social para o combate à pandemia de COVID-19, como ficam os presídios brasileiros com superlotação, pouca ventilação e sem nenhum distanciamento?

Segundo dados do primeiro semestre de 2020 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o sistema prisional do país tinha, no meio do ano passado, 759.518 pessoas privadas de liberdade.

A quantidade, de acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, excede a capacidade máxima do sistema penitenciário em cerca de 70%.

Segundo Marcos Fuchs, diretor jurídico e financeiro da ONG Conectas Direitos Humanos, a situação "é assustadoramente preocupante".

Em entrevista à Sputnik Brasil, ele contou que não há um protocolo específico para o sistema prisional para impedir a disseminação do vírus.

"Temos um sistema superlotado, onde o contágio é muito mais rápido. Uma cela que deveria ter oito, dez ou doze presos tem até 60. As pessoas que vêm de fora, os agentes prisionais, também podem trazer a doença", afirmou Fuchs, que também é diretor-executivo do Instituto Pro Bono, que conecta advogados voluntários a quem não tem condição de pagar pelo serviço.

Diagnósticos e mortes por COVID-19 nas prisões

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza um monitoramento periódico dos casos de contágios e mortes por COVID-19 nos sistemas prisional e socioeducativo, tanto entre detentos como servidores.

Até o último levantamento do órgão, divulgado no dia 8 de março, os sistemas já haviam contabilizado um total de 71.342 diagnósticos e 308 óbitos desde o início da pandemia no país.

Só no sistema prisional, são 64.189 casos e 269 mortes. No sistema socioeducativo, que abriga adolescentes em privação de liberdade, 7.153 já contraíram o vírus e 39 morreram (nesse caso, todos eram servidores).

Assim como em todo o país, a velocidade de contágio vem aumentando nas últimas semanas. Por consequência, o número de mortes também sobe.

Em comparação com os 30 dias anteriores ao levantamento, houve um aumento de 5,5% de casos e de 13,5% de mortes no sistema prisional. No socioeducativo, a taxa é ainda maior: 8,9% e 25,8%, respectivamente.

No recorte de 2021, o CNJ observou que os números dispararam. Os primeiros 67 dias do ano tiveram 190% mais mortes que nos últimos 70 dias de 2020 na soma dos dois sistemas.

Em números absolutos, o salto é de 20 para 58 óbitos.

O Conselho Nacional de Justiça informou que até a primeira semana de março foram realizados 362.025 testes para detecção da COVID-19 em detentos e em servidores dos sistemas prisional e socioeducativo.

"É uma tragédia anunciada do Brasil, que se replica dentro do sistema prisional. É muito preocupante. Deveria haver, na nossa opinião, uma prioridade para as pessoas presas no recebimento da vacina. O CNJ tem trabalhado por essa frente", disse Marcos Fuchs.
Superlotado, sistema prisional brasileiro sofre com um ano de pandemia

Decisão diminuiu lotação

Os números poderiam ser ainda piores se não fosse a aprovação da recomendação 62/2020 pelo CNJ em março do ano passado. Além de orientações para evitar contaminações em massa, o órgão incentivou juízes a reverem prisões de pessoas do grupo de risco e em final de pena.

Com base na recomendação, os tribunais de Justiça dos estados deslocaram, entre março e maio de 2020, 35 mil pessoas de unidades prisionais para a adaptação do cumprimento da pena em outros formatos, como prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico.

O número representa 4,6% do total de pessoas em privação de liberdade, excluídos o regime aberto e presos em delegacias.

Mas o diretor da Conectas diz que a quantidade poderia ser bem maior para ajudar a salvar vidas e conter a pandemia nas prisões. Para Fuchs, o país ainda tem "um Poder Judiciário muito conservador".

"Infelizmente, é aquilo de 'vamos deixar preso', mantendo essa postura completamente equivocada do encarceramento em massa", criticou.

Segundo o CNJ, o levantamento periódico de contágios e mortes por COVID-19 é feito a partir de informações de diferentes fontes dos poderes Executivo e Judiciário estaduais do país.

O órgão recebe dados dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), além de boletins epidemiológicos de secretarias estaduais.

ONG internacional critica governo Bolsonaro

O relatório anual da Human Rights Watch sobre o Brasil em 2020 critica duramente a atuação do governo do presidente Jair Bolsonaro no enfretamento à pandemia de COVID-19.

A organização internacional não governamental, que defende e realiza pesquisas sobre direitos humanos, afirma que o presidente "tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter" a doença, mas que o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional e os governadores "defenderam políticas para proteger os brasileiros".

Superlotado, sistema prisional brasileiro sofre com um ano de pandemia

A Human Rights Watch diz ainda que Bolsonaro não tomou medidas para diminuir a superlotação das prisões e comemorou a recomendação do CNJ para redução de prisões provisórias durante a pandemia, como solução para mitigar os danos.

"Em julho, o presidente Bolsonaro vetou um artigo de um projeto de lei exigindo o uso de máscaras em unidades prisionais e centros socioeducativos, mas o Supremo Tribunal Federal concluiu que o veto não atendeu ao trâmite processual e restabeleceu o artigo da lei", destacou a ONG, lembrando que a corte ressaltou a "precariedade estrutural" das políticas de Saúde nas unidades prisionais e socioeducativas na decisão.

A Lei 14.019/20, que tornou obrigatório o uso de máscaras de proteção facial como prevenção à COVID-19 para toda a população, foi aprovada pela Câmara dos Deputados no início de junho.

Porém, em seu veto, o governo excluiu da lei a obrigatoriedade das máscaras em presídios e em estabelecimentos socioeducativos.

Bolsonaro também retirou do texto dois trechos: um determinava fixar cartazes sobre a forma de uso correto dos equipamentos de proteção individual e o outro regulamentava o número máximo de pessoas permitidas simultaneamente dentro dos estabelecimentos.

Os vetos foram derrubados pelo STF após a contestação de PT, PDT e Rede Sustentabilidade, partidos de oposição ao governo.

Comentar