O dia da posse presidencial de Alberto Fernández, 11 de outubro de 2019, guarda uma história curiosa. Enquanto chegavam as delegações internacionais, o representante do governo de Nicolás Maduro, o parlamentar Jorge Rodríguez, era esperado.
Ele havia sido convidado, mas estava na lista de funcionários venezuelanos vetados pelos países do Grupo de Lima. Até aquele dia, o então presidente argentino Mauricio Macri mantinha uma proibição expressa sobre o ingresso de funcionários do governo de Maduro no país.
A questão envolvendo Jorge Rodríguez foi resolvida no bom senso. Ele desembarcou em Buenos Aires, foi à cerimônia de posse, e uma foto tirada naquele dia representou muito mais do que a sua participação na solenidade de Alberto Fernández e Cristina Kirchner.
Ele prestou juramento e a faixa presidencial foi imposta ao novo presidente da Argentina, Alberto Fernández, junto com sua vice-presidente Cristina Kirchner. Em nome do presidente Nicolás Maduro e o povo da Venezuela, acompanhamos o povo argentino neste alvorecer da integração americana.
Era o primeiro sinal do governo de Fernández com relação ao tratamento que viria a ser adotado para a Venezuela. Dias depois, o argentino tornou sem efeito algumas sanções contra o país governado por Nicolás Maduro. Na tarde de ontem (24), o presidente da Argentina tomou mais uma decisão neste sentido.
"A República Argentina formalizou sua saída do denominado Grupo Lima, considerando que as ações que o grupo vem promovendo em âmbito internacional, visando isolar o governo da Venezuela e seus representantes, não deram em nada".
Grupo de Lima
Formado em 2017 por iniciativa do governo peruano sob a justificativa de "denunciar a ruptura da ordem democrática na Venezuela", o Grupo de Lima é formado por 13 países, incluindo Brasil, Colômbia, México, Canadá e Peru. Apesar de não integrarem oficialmente o bloco, os EUA já chegaram a participar de reuniões como ouvintes por videoconferência.
Ao deixar o bloco, o governo da Argentina reiterou: "A melhor forma de ajudar os venezuelanos é facilitando um diálogo inclusivo que não favoreça nenhum setor em particular, mas sim conseguir eleições aceitas pela maioria com controle internacional".
"Ficou uma situação de defesa parcial e seletiva da democracia e dos direitos humanos. Houve, em muitos setores da América Latina, principalmente na Argentina, rejeição ao papel tanto da OEA quanto do Grupo de Lima [na questão do golpe na Bolívia]. Parece uma coisa feita em função dos EUA, porque isso tudo está precedido pela dissolução da Unasul", afirmou.
Um momento de divisões?
Questionado se seria o melhor momento para deixar o Grupo de Lima, o professor entende que o momento é de união na América Latina, sobretudo nos esforços para conter as consequências socioeconômicas da pandemia, mas enfatizou que "há muitas feridas para fechar".
Ele afirmou que este é um período de consenso e fraternidade, e lembrou que a Venezuela ajudou Manaus, no Brasil, e o Chile ajudou o Paraguai. "É o momento para união, mas há muitas feridas para fechar", reiterou.
Vale lembrar que no comunicado em que avisou que se retiraria do Grupo de Lima, a chancelaria argentina ainda criticou as sanções e os bloqueios impostos contra o governo venezuelano, "bem como as tentativas de desestabilização", que junto ao contexto da pandemia da COVID-19, "agravaram a situação da população".
Como o Brasil reagirá?
Confrontado sobre as possíveis reações do Itamaraty com a saída argentina do Grupo de Lima, Eduardo Crespo observa a questão com ceticismo. Ele entende que o Brasil não pode, no momento, envolver-se em questões internacionais em função dos problemas internos do país. "Você vê manchetes no mundo todo: Brasil é uma ameaça sanitária", afirmou.
"O Bolsonaro tem muitos problemas em casa", afirmou, dizendo em seguida que não acha que a Venezuela possa ser uma preocupação. "O Brasil é centro da pandemia mundial. É o país que mais tem mortos, mais infectados. E há essa nova variante do vírus que está se espalhando pelo país", disse Eduardo Crespo.
'Uma polarização agravada'
Apesar de entender que o Brasil não adotará um posicionamento contundente com relação ao futuro do Grupo de Lima, Eduardo Crespo explicou que o acirramento da polarização no continente é iminente.
"O continente já estava com uma polarização ideológica. Mas a isso se acrescenta a questão da pandemia e suas consequências econômicas. Eu diria que dificilmente vai se evitar uma polarização política em um contexto onde a economia está muito atingida pela pandemia", afirmou. "É uma polarização agravada pela situação [da COVID-19]", concluiu.