Reino Unido no centro das atenções no maior julgamento sobre máfia da Itália em décadas, diz mídia

O julgamento, que começou em janeiro, decorre num grande armazém transformado em tribunal em Lazia Terme, na Calábria, Itália, sob a liderança do procurador Nicola Gratteri.
Sputnik

O maior julgamento de máfia da Itália em três décadas está em andamento e envolve cerca de 900 testemunhas que deverão depor contra mais de 350 réus, incluindo políticos e oficiais acusados ​​de serem membros da Ndrangheta, grupo criminoso considerado um dos mais ricos e temidos do mundo.

Vários dos réus serão solicitados a responder a acusações de lavagem de dinheiro no estabelecimento de empresas no Reino Unido com o suposto objetivo de simular uma atividade econômica legítima.

"Os interesses da Ndrangheta no Reino Unido têm figurado de forma proeminente, pois os clãs utilizaram o país como base de investimento e lavagem de dinheiro", explica o procurador Nicola Gratteri ao jornal The Guardian.

Os investigadores dizem que o segredo do grupo criminoso está em sua capacidade de conectar o submundo com o mundo superior, muitas vezes representado por Londres. Na última década, centenas de investigações afirmaram que a Ndrangheta lavou bilhões de euros na cidade.

Reino Unido no centro das atenções no maior julgamento sobre máfia da Itália em décadas, diz mídia
O coronel Claudio Petrozziello, da Polícia Financeira da Itália, que monitora fluxos ilícitos de capital, disse que os clãs da Ndrangheta no Reino Unido não têm interesse em controlar o território local, apenas na exploração do sistema financeiro. "Não é que não haja regras em Londres. O problema é que o risco de infiltração da máfia é subestimado", acrescentou.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Demoskopita calculou, em 2013, que o faturamento anual da Ndrangheta, que com sede na região sul da Calábria, era de € 53 bilhões (aproximadamente R$ 347 bilhões em valores atuais).

Preocupação com Brexit

Na mente dos investigadores italianos que acompanharam as atividades ilícitas da Ndrangheta, um novo problema agora se agiganta: o Brexit. Magistrados e oficiais da polícia italiana compartilharam a preocupação de que os clãs da Ndrangheta possam tentar tirar vantagem da saída do Reino Unido da União Europeia (UE) se, como eles temem, a cooperação policial e judiciária entre a UE e o Reino Unido se mostrar menos eficaz do que quando ambos os países estavam no bloco.

Reino Unido no centro das atenções no maior julgamento sobre máfia da Itália em décadas, diz mídia
"Quando o Reino Unido fazia parte da UE, ele se beneficiou do compartilhamento efetivo de dados na luta contra o crime organizado. Agora que saiu da UE, os problemas vão começar a surgir. Londres não estará ausente, mas as coisas vão mudar e mesmo a melhor cooperação pós-Brexit será menos eficaz do que dentro da UE. As máfias de hoje estão se movendo entre países e continentes e, onde encontram fraquezas na cooperação internacional, exploram essa oportunidade", comenta à mídia o promotor nacional antimáfia da Itália, Federico Cafiero De Raho.

"A Itália e o Reino Unido assinarão acordos para continuar esses esforços. No entanto, na prática, a colaboração será diferente […]. Imagine dois investigadores de dois Estados-membros diferentes da UE que estão olhando, ao mesmo tempo, para uma escuta telefônica de duas telas diferentes e em dois países diferentes. Os países fora da UE terão mais dificuldade em participar de uma equipe desse tipo", exemplifica Raho.

Sobre os temores italianos, Tim O'Sullivan, ex-promotor público britânico, afirma que "essas preocupações são certamente compartilhadas porque no momento ainda há incerteza sobre como os novos arranjos funcionarão". O ex-promotor acrescenta que "os mecanismos da UE fornecem uma base jurídica para a aplicação da lei. [Mas] Isso não significa que no novo acordo de cooperação não haja meios para resolver essas questões".

Federico Varese, professor de criminologia da Universidade de Oxford, Reino Unido, acredita que o Brexit está forçando o governo britânico a repensar a luta contra o crime organizado transnacional.

"Os criminosos consideram as fronteiras uma oportunidade e farão o máximo dela. É apenas mais um custo do Brexit", afirma Varese.

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