Alfred-Maurice de Zayas, especialista independente aposentado da Organização das Nações Unidas (ONU) na Promoção de uma Ordem Internacional Democrática e Equitativa, afirma que não acredita que o presidente dos EUA, Joe Biden, altere as políticas do ex-presidente Barack Obama (2009-2017), de quem foi vice, estabeleceu em relação a divulgadores de informações confidenciais como Julian Assange, Chelsea Manning, Edward Snowden e muitos outros.
Recentemente, uma testemunha-chave no processo do Departamento de Justiça dos EUA contra Julian Assange, Sigurdur Ingi Thordarson, admitiu que mentiu em suas declarações usadas pelo governo norte-americano para acusar o fundador do WikiLeaks. Como mostra a publicação abaixo, o ex-administrador de sistemas da Agência de Segurança Nacional dos EUA Edward Snowden reagiu à notícia dizendo que "isto é o fim do processo contra Julian Assange", mas Zayas não é tão otimista.
"Os EUA estão empenhados em dar o exemplo para todos os futuros denunciantes. O caso contra Assange nunca foi legal, mas político. A política tem prioridade sobre a lei, o Departamento de 'Justiça' dos EUA vai dobrar a aposta em outros aspectos do caso forjado contra Assange", afirma o especialista.
Zayas recorda que o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária declarou repetidamente que a "detenção e a perseguição" de Assange violam pactos internacionais sobre direitos civis e políticos, que tanto os EUA quanto o Reino Unido ratificaram.
"O que estamos testemunhando aqui é uma guerra contra o jornalismo e uma guerra contra os denunciantes. O problema é agravado pela cumplicidade da grande mídia que joga o jogo desde o primeiro dia, participa da demonização de Assange e da divulgação de falsas acusações."
Biden segue cartilha de Obama
No início de junho, um grupo suprapartidário de 24 parlamentares do Reino Unido pediu ao presidente dos EUA para retirar as acusações contra o fundador do WikiLeaks, citando a liberdade de imprensa. Apesar da agenda de direitos humanos da administração Biden, Zayas não crê que o presidente norte-americano retire as acusações contra Assange.
"Duvido que Biden mude as políticas que seu mentor Barack Obama já estabeleceu, não apenas contra Assange, mas contra Chelsea Manning, Edward Snowden e muitos outros. Biden dirá algumas banalidades para salvar a pele, mas não espero nenhum 'perdão presidencial' como [o ex-presidente dos EUA Donald] Trump deu aos criminosos de guerra condenados", comenta.
Ainda assim, o especialista afirma que a imagem política de Joe Biden seria significativamente melhorada se ele tomasse a decisão "moralmente necessária e corajosa", mas Biden estaria cercado por militares que não permitiriam que a "boa imagem" do Exército dos EUA seja manchada por um hacker.
"O Pentágono quer esmagar qualquer oposição, qualquer dissidência e perseguirá quem ousar descobrir crimes nos EUA. Nós, norte-americanos, somos 'os mocinhos' por definição. Isso é o que aprendi no colégio em Chicago, e no qual acreditei por muitos anos, como uma profissão de fé, uma religião. Qualquer um que diga o contrário deve ser mau ou perturbado", sentencia.
McAfee, Epstein e Assange
Apesar de os primeiros resultados da autópsia oficial do empresário norte-americano John McAfee, divulgadas na segunda-feira (28), comprovarem que o fundador da empresa do software antivírus tirou mesmo a própria vida em uma prisão espanhola após sua extradição para os EUA ter sido aprovada, há quem acredite que o empresário foi assassinado.
Em uma postagem no Twitter, publicada em 15 de outubro de 2020, McAfee afirmou que não tinha a intenção de cometer suicídio e observou que se ele sofresse o destino do milionário norte-americano Jeffrey Epstein, que morreu em uma prisão dos EUA em circunstâncias estranhas, a culpa não seria dele. Na semana passada, Edward Snowden comentou morte de McAfee e apontou Julian Assange como próximo em risco.
A Europa não deveria extraditar os acusados de crimes não violentos para um sistema judicial tão injusto, e um sistema penitenciário tão cruel, que réus nativos preferem morrer a ficar sujeitos a ele. Julian Assange pode ser o próximo. Até que o sistema seja reformado, uma moratória deve permanecer.
Questionado sobre se Assange poderia tirar a própria vida, Zayas é enfático: "Não acho que Assange jamais cometeria suicídio".
"Ele não tem nenhum motivo para cometer suicídio. Ele certamente não está à beira do desespero […]. Se Assange fosse encontrado morto na prisão de Belmarsh, [Reino Unido,] eu suspeitaria de uma execução extrajudicial pela qual a CIA [Agência Central de Inteligência dos EUA] é bem conhecida e experiente. Talvez não um assassinato tão 'sórdido' como o do [jornalista Jamal] Kashoggi por bandidos sauditas, mas tão certo quanto a eliminação de Jeffrey Epstein e John McAfee, que sabiam demais", comenta o especialista.
Zayas afirma que os EUA e a União Europeia têm um histórico de deliberadamente não proteger testemunhas estelares.
"Infelizmente, a dignidade humana conta pouco hoje em dia. Vale tudo para o maquiavélico 'o fim justifica os meios'. Mas e quando não apenas os meios, mas também os fins são maus? E quando o fim for uma distopia orwelliana para a qual estamos avançando implacavelmente?", questiona o especialista.