Na terça-feira (24), representantes dos países do BRICS realizaram uma reunião on-line sobre questões de segurança nacional, onde adotaram o Plano de Ação de Combate ao Terrorismo do BRICS e o recomendaram para consideração na cúpula do bloco.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Índia, na reunião foram considerados os cenários políticos e de segurança regionais e globais, com atenção especial aos atuais eventos no Afeganistão, Irã, Ásia Ocidental e golfo Pérsico, bem como ameaças emergentes à segurança nacional, como a segurança cibernética.
Os altos representantes adotaram e recomendaram o Plano de Ação de Combate ao Terrorismo do BRICS para consideração na cúpula do bloco.
O Plano de Ação visa fortalecer os mecanismos de cooperação existentes em áreas como financiamento e combate ao terrorismo, abuso terrorista da Internet, restrição de viagens de terroristas, controle de fronteiras, proteção de alvos vulneráveis, troca de informações, capacitação e cooperação regional e internacional.
Terrorismo na pauta do BRICS
A professora de Relações Internacionais da PUC-Rio Maria Elena Rodriguez recorda que em 2011, em Sanya, pela primeira vez foi mencionada a necessidade de promover a coordenação política entre os países do grupo em matéria de segurança.
"Dentro do BRICS, portanto, o primeiro grande movimento relativo à área foi a indicação do papel das Nações Unidas na coordenação de ações multilaterais antiterroristas e a necessidade de reforçar sua estrutura para lidar com o problema", recordou.
Além disso, ela observou que, em termos de cooperação intragrupo, foi também em 2011 a primeira vez que o BRICS declarou estar disposto a intensificar sua coordenação política, retomando o tema em 2014, quando enfatizou, em especial, o combate preventivo ao financiamento e ao suporte de atividades terroristas.
"Contudo, foi somente em 2016, quando o GT antiterrorismo foi formado dentro do BRICS, onde foram estabelecidas de forma clara as diretrizes para a coordenação política dos cinco países sobre a questão", indicou Maria Elena Rodriguez.
Para o professor de Relações Internacionais e especialista em países do BRICS Diego Pautasso, o terrorismo é um tema importante, pois é de interesse, sobretudo, dos dois maiores protagonistas do agrupamento, que são a China e a Rússia, ressaltando que essa é uma agenda central da maior parte dos BRICS.
Com relação ao papel do Brasil neste plano, o professor cita duas questões, sendo que a primeira é que, por ser minoritário, o Brasil "de toda forma deve convergir com uma agenda, que não é tão destoante, embora não seja uma agenda prioritária do Brasil", além disso, é preciso ser solidário.
O segundo ponto ressaltado por Diego Pautasso é que atualmente a política externa brasileira em relação ao BRICS "é, na melhor das hipóteses, desinteressada".
"Parece-me que eles não estão dispostos sequer a provocar grandes debates, interlocuções em relação à condição dos trabalhos", observou.
Diego Pautasso também explicou que o termo terrorismo é um termo extremamente polissêmico, e geralmente é mobilizado pelos Estados para se referirem a qualquer tipo de ameaça à ordem estatal.
"No Brasil, a nova lei antiterrorista foi uma preocupação dos setores democráticos, que permitiria incluir movimentos sociais, sindicais, movimento de luta pela terra, e assim por diante. E, nesse sentido, essa preocupação é relevante porque no atual momento nós temos um governo que pode enquadrar na lei de segurança nacional, terrorismo e insurgência qualquer movimento contestatório", afirmou.
Cooperação na aérea de segurança cibernética
A cooperação na área de segurança cibernética também foi citada durante a reunião, contudo, acredita-se que para os países cooperarem nesta área seja preciso um elevado nível de confiança mútua.
A cooperação em segurança é, até um certo limite, todo mundo quer obter toda a informação e não quer abrir mão da informação estratégica. Essa é a estratégia dos serviços de inteligência, o sigilo.
"É realmente muito problemático, inclusive dentro dos Estados há uma dificuldade muito grande de cooperar em segurança porque, em via de regras, o Exército nem sempre coopera com a Marinha e com a Força Aérea, bem como a Polícia Federal, a Abin, e os órgãos virão a ter uma interlocução pequena porque há esse problema", comentou o professor.
Além disso, o professor cita que, dessa forma, a cooperação em segurança encontra limites e tem a ver com o grau de confiança entre os Estados.
"Parece que a Rússia e a China avançaram bastante, por diversas razões, pelo menos 30 anos de aproximação", permitindo manobras militares, cooperação a nível de inteligência, entre outros. Em outros países, por exemplo, a Índia com a China, este tipo de cooperação já é mais problemático.
"Não creio que seja simétrico o grau de cooperação em segurança e em inteligência entre todos os membros do BRICS", explicou.
Segundo a professora Maria Elena Rodriguez, a segurança cibernética é a quarta categoria com maior referência dentro das declarações da cúpula do BRICS, onde foram identificadas duas subáreas relativas à segurança cibernética de interesse do BRICS.
"Uma delas, o combate a crimes cibernéticos [...] E a outra, a interrelação entre as novas tecnologias da informação e comunicação e atividades terroristas", afirmou.
A professora também fez questão de citar que a segurança cibernética seria fundamental para assegurar a defesa das infraestruturas críticas dos Estados, que hoje estão amplamente conectadas em rede.
Maria Elena Rodriguez citou dois tipos de ameaça que são levantados pelo grupo: o mau uso da tecnologia da informação e comunicação por organizações criminosas e grupos terroristas, bem como o mau uso por parte dos Estados, "seja violando o direito à privacidade de seus nacionais, influenciando assuntos domésticos ou perpetuando ataques cibernéticos".
"De modo a combater tais problemas, em nível sistêmico, o BRICS reafirma a importância das Nações Unidas como lócus para o desenvolvimento de instrumento vinculante responsável por assegurar o uso pacífico, seguro e aberto das tecnologias de informação e comunicação", ressaltou.
Afeganistão e Plano de Ação podem unir os países do BRICS?
Maria Elena Rodriguez observa que o Plano de Ação já estava sendo discutido há tempos por sugestão do Modi, como um acompanhamento da adoção da estratégia de combate ao terrorismo pelo BRICS, contudo, "seguramente, a crise com o Afeganistão acelerou o processo".
De acordo com Diego Pautasso, a questão do Afeganistão é um perigo que permite a convergência das agendas.
Segundo ele, os documentos da Organização para Cooperação de Xangai citam a necessidade de uma gestão para a estabilização do Afeganistão, que foi incluído como membro-observador da organização, e com a mudança de regime no território afegão, todos os países já mantiveram interlocução de alto nível com o novo governo, pois "obviamente há uma preocupação de que não se transforme em um foco de irradiação".
No caso da Índia e China, que possuem uma relação multifacetada, em determinados casos a agenda converge, como no caso do Afeganistão, e em outros diverge, como no caso do corredor econômico entre China e Paquistão.
"Contudo, o Afeganistão está diretamente ligado ao Paquistão. A China certamente vai querer transbordar este eixo para o Afeganistão, inclusive como uma forma de desenvolver a Rota da Seda e estabilizar o Afeganistão [...] sendo esse o principal ponto de atrito entre a Índia e a China", destacou o professor, ressaltando que este é sempre um cenário muito delicado entre os dois países para equacionar o jogo de influências regionais.
A professora Maria Elena Rodriguez ainda ressalta que a China e a Índia possuem diferenciais sobre a questão do Afeganistão e sobre o papel do Paquistão na facilitação do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em outros países).
Além disso, ela cita que a China e a Rússia, junto com o Paquistão, estão entre os poucos países que seguem mantendo suas embaixadas abertas no Afeganistão, em contraste com a Índia, que evacuou todo seu pessoal diplomático.
Com isso, é pouco provável que haja um consenso entre os países do bloco, visto que cada país tem uma estratégia e interesses com relação à crise no Afeganistão.
Quais as chances de a cooperação entre os países do bloco ser renovada?
O BRICS tem sido criticado por não ter chegado a um avanço significativo em termos de agenda após a criação do Banco de Desenvolvimento.
Comentando o assunto, Maria Elena Rodriguez explicou que a agenda do BRICS é parte da agenda de cada um dos países e do que eles estão dispostos a defender e negociar.
"Os nacionalismos de Modi e o desinteresse de Bolsonaro, e a afiliação com Trump, têm ajudado muito a ter uma agenda pouco significativa como grupo", observou.
Além disso, a professora explica que as diferenças ideológicas entre China e Brasil não oferecem um ambiente de trabalho favorável no BRICS, onde durante as reuniões a fala dos dois presidentes marca claramente as diferenças que cada vez mais têm afastado a China e o Brasil, apesar do relacionamento comercial intenso.
"Não acredito que a agenda do combate ao terrorismo venha a ocupar um centro nas agendas", indicou.
Empenho do governo Bolsonaro
Comentando o empenho do governo Bolsonaro em relação ao BRICS desde a posse do chanceler francês, a professora acredita que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, "não valoriza nem acredita no papel do BRICS".
"O empenho do governo Bolsonaro em relação ao BRICS é dramático. Bolsonaro não valoriza, não acredita no papel do BRICS e não deu importância. É uma questão ideológica. O alinhamento com os EUA fazia com que o Brasil não desse muita importância ao bloco", indicou Maria Elena Rodriguez.
"[Ele] tem feito poucos esforços para promover uma agenda dentro do BRICS, e isto foi reconhecido internacionalmente [...]", declarou.
A professora Maria Elena Rodriguez recordou que o ex-secretário de Estado norte-americano na administração Donald Trump, Mike Pompeo, antes mesmo de deixar o cargo em janeiro, felicitou o Brasil por se afastar do BRICS.
"Isso é muito simbólico, primeiro com relação ao posicionamento dos EUA, e segundo como o Bolsonaro é visto como protagonista de deixar que o BRICS comece a se distanciar, institucional e politicamente [...] com pouca densidade temática, com pouco aprofundamento e com poucas propostas", concluiu.