Notícias do Brasil

'Com caráter assistencial e não social, auxílio não ajuda Brasil a sair da pobreza', diz economista

Estima-se que o governo gastará R$ 25 bilhões fora do teto para custear o Auxílio Brasil. Em meio à crise econômica, duas questões surgem: de onde sairão recursos para bancar o auxílio e até que ponto o programa ajuda, a longo prazo, o Brasil a diminuir a pobreza.
Sputnik
De acordo com projeções, o Auxílio Brasil – programa do governo de Jair Bolsonaro que substituirá o Bolsa Família – vai comtemplar mais 2,4 milhões de famílias brasileiras e deverá ser implementado ainda em novembro, mês que acaba o Auxílio Emergencial, segundo o G1.
Além de um maior número de famílias beneficiadas, a equipe econômica defende elevar o benefício dos atuais R$ 189, para cerca de R$ 300. No entanto, um valor de R$ 400 também poderia ser atingido.
A medida provisória (MP) do programa já foi enviada para o Congresso e aguarda aprovação. Entretanto, o custo do programa, que será 111% maior que o Bolsa Família, ultrapassará o teto de gastos.
A Sputnik Brasil entrevistou Sérgio Vale, mestre em economia pela USP e pela Universidade de Winsconsin e economista-chefe da MB Consultoria para saber quais as consequências da aplicação do novo programa para economia brasileira e o quanto ele será proveitoso para parcela da população que o vai receber.
O especialista afirma que ainda não há muita clareza sobre a diferença entre um programa e o outro, mas acredita que neste de agora mais famílias serão atendidas e o montante mensal pode ser maior.
"Não vai ser em termo de magnitude o que foi o Auxílio Emergencial, vai ser mais focado em quem precisa agora. […] Tem gente passando fome, tem gente que precisa desses recursos por conta da pandemia, estão passando dificuldade. O que gera muita dúvida é como [o Auxílio Brasil] vai ser feito e de onde vão sair esses recursos", pontuou.
Movimentação em agência da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo, para saque da última parcela do auxílio emergencial

Recursos e regra do teto

Vale elucida que o Auxílio Brasil "é um gasto adicional, mas que é meritório, é preciso que exista […]" contudo, "parece que [o custo anual] será acima de R$ 80 bilhões, e no meio disso, é preciso encaixar outros gastos".
"[Teremos] gastos com o precatório, que ainda não se sabe muito bem como vai ser […], e outros que estão aparecendo na linha de frente: um, é o gasto com parlamentares em ano de eleição que a gente sabe que sempre tem […] e o outro, que agora vem aparecendo com mais intensidade como um risco, é o salário dos funcionalismos, especialmente os dos aposentados", explicou.
O economista afirma que se juntar todos dos gastos, "não cabem dentro da regra de teto que existe hoje" e cita que Arthur Lira (Progressistas), presidente da Câmara dos Deputados, vem ventilando a discussão de que talvez a regra deva ser repensada.
"O problema é colocar essa discussão às vésperas da eleição, uma eleição com um presidente tão enfraquecido, e com o centrão tão dominante como ele está, o risco fiscal […] no que está sendo pedido em relação à regra do teto muito grande. E a incerteza da economia brasileira siginificará no final uma taxa de câmbio mais depreciada."
Segundo Vale, a crise fiscal atual, que vem sendo construída consistentemente ao longo do ano, vai se adicionar a uma situação de crise suficientemente elevada, e aponta o crescimento previsto da economia brasileira como um demonstrador dessa instabilidade, uma vez que a projeção é de apenas 0,4%.
Comércio em Campinas, São Paulo. O alto índice de inflação prejudica o poder de compra do brasileiro e estagna a economia, 11 de outubro de 2021

Reforma do imposto de renda

Em relação a impostos, Vale considera uma alternativa a execução de uma boa reforma tributária sobre impostos de bens e serviços, assim como a simplificação desses impostos, pois dessa forma, poderia haver potencial de crescimento a longo prazo.
Já sobre a reforma do imposto de renda, o economista pensa que a medida não foi acertada, uma vez que acaba apresentando dualidade.
"[A reforma] por um lado tem um efeito positivo para população de renda mais baixa porque se aumenta o limite para pagamento de imposto, mas ao mesmo tempo não discute um ponto muito importante relacionado ao imposto de renda que é o grau de progressividade desse imposto."
O economista observa que, a proposta da reforma ficou mais vista como eleitoreira, uma vez que ajuda a população mais humilde, no entanto, não resolve a questão da progressividade, e no final, vai gerar diminuição na arrecadação de 2022.
"É preciso ser colocado: no meio de uma crise fiscal crescente e diante da necessidade de achar recursos para contemplar todos esses gastos, ocorre um corte significativo de arrecadação ano que vem […] será que esse é o jeito correto de se fazer? Não deveríamos repensar a grande quantidade de subsídios que existem no Brasil?", questionou.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arhtur Lira (PP-AL), recebe dos ministros Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), a 2ª parte da reforma tributária do imposto de renda, 25 de junho de 2021
Vale acredita que o governo não está abordando de maneira correta a questão tributária no país, sendo assim, as consequências serão negativas, posto que não ajudará no crescimento econômico do ano que vem.
"Houve muita pressa para execução dessa reforma, o que é muito estranho, e de fato imprime uma conotação política na sua aplicação, pois claramente há o intuito de entregar um resultado para parcela mais pobre em 2022."
A longo prazo, de acordo com o economista, essa parcela seria bem mais beneficiada se fosse realizada uma boa reforma tributária de bens e serviços e uma reorganização do gasto público brasileiro para beneficiar com o Auxílio Brasil as pessoas que mais precisam.
"Reformas sobre o gasto público no Brasil vão ter que ser contínuas nos próximos anos, a gente não vai poder parar de fazer essas reformas no intuito de gerar o gasto que é necessário para população que precisa, mas para isso, é necessário reformar a outra parte do gasto."
Segundo especialista, aumentar o tributo das empresas também não seria a solução, uma vez que o Brasil já tem uma forte carga tributária, e isso poderia ajudar a levar empresas à falência

Cadastramento mais eficaz

Durante a distribuição do auxílio emergencial houve muitas críticas sobre a forma de cadastramento, questionado se há alguma maneira de credenciar as pessoas de modo mais justo, Vale considera que o contexto da pandemia, mesmo sendo bastante complicado, gerou uma pressa que ajudou as pessoas a entenderem o sistema.
"Houve uma pressa na digitalização dessas pessoas, e hoje, quem não sabia lidar com celular, acabou tendo ajuda por conta da necessidade de ter acesso ao recurso. Portanto, aconteceu uma curva de aprendizagem forte e importante por boa parte da população que entendeu, um pouco mais agora, a lidar com isso. Não está perfeito, mas a capacidade aumentou."
No entanto, o economista destaca que apesar desse lado positivo, houve o outro lado, a partir do momento que pessoas que não precisavam do auxílio sacaram o recurso de forma facilitada pelo sistema.
"Acho que agora, passado um tempo, vai ser possível gerenciar melhor essa questão de entender quem precisa e quem não precisa, esse meio termo vai ser importante para o auxílio ir para quem ele é realmente indispensável."
Lançamento do aplicativo CAIXA|Auxílio Emergencial

Maior número de pessoas beneficiadas

Ao que parece, o programa dará um salto, e vai contemplar mais 2,4 milhões de famílias. A previsão do governo é começar o pagamento do novo benefício já em novembro, mês em que não haverá novas parcelas do Auxílio Emergencial.
Se esse raio maior de pessoas atendidas pode ajudar a combater a pobreza efetivamente no Brasil, Vale diz que a questão não é simplesmente a quantidade de famílias que vão ser abarcadas, mas de que forma isso acontecerá, pois o governo tem uma visão "mas assistencialista do que social".
"Quando falamos em um programa social, dá-se o recurso, mas com a intenção de que essa pessoa consiga sair dessa situação, o programa assistencial puro e simples está te dando o dinheiro, mas não alternativas e meios para a pessoa conseguir sair da situação de pobreza."
Para o economista, "o gasto público no Brasil deveria ter como foco essencial um pensamento social mais amplo, que vai além desses auxílios e pensa como vamos, de fato, melhorar a performance da Saúde e da Educação no Brasil".
Brasileiros, que antes não eram moradores de rua, mas pertenciam a uma classe mais desfavorecidas, após os efeitos da pandemia na economia, agora se encontram em situação precária levando o que tinham em casa para as ruas, Brasília, 30 de agosto de 2021
Vale relembra uma dinâmica presente no começo do Bolsa Família na qual só recebia o auxílio quem mantinha os filhos na escola, o que garantia um futuro mais promissor para esses adolescentes.
"É preciso ser pensado um programa social de fato, e não só assistencial. Como tirar essas famílias da linha de pobreza? […] É preciso ter critérios para pensar em como ajudar essas pessoas […] em um programa assistencial você fica mantendo aquele processo."
Na interpretação do economista, "o programa tem um caráter político e eleitoral muito forte, uma vez que aumenta a quantidade de pessoas abarcadas com um valor maior – o qual diante da pobreza intensificada pela pandemia é muito importante –, mas mantém a pessoa pobre".
"O auxílio está sendo dado, mas precisará ter uma atenção maior para essa população mais humilde por conta da inflação. […] Se pegarmos esses três anos de pandemia, já contando com 2022, teremos uma inflação total de cerca de 18%, é uma inflação muito elevada, que corrói a renda especialmente dessa parcela. Ela tem o aumento do auxílio, mas encontra alimentos mais caros, por exemplo", complementa o economista.
Comentar