Na terça-feira (19), o presidente Jair Bolsonaro afirmou, após reunião com o presidente da Colômbia, Iván Duque, que os dois países chegarão "unidos" à conferência da ONU sobre o clima, a COP 26, para tratar da Amazônia.
Os dois líderes tiveram uma reunião privada no Palácio do Planalto e depois um encontro com ministros e outros assessores.
Para Fabio Lacerda, cientista político e professor de filosofia política e análise política e social do Ibmec-SP, o encontro entre os dois presidentes foi algo "previsível e dentro do esperado", podendo ser considerado positivo.
Ele também ressalta que para avaliar melhor o encontro é preciso recordar o cenário doméstico que os dois presidentes enfrentam, "e nesse sentido a situação é bastante complicada para ambos".
"A gente tem uma situação no Brasil que não é confortável para o presidente Bolsonaro. Estamos a mais ou menos um ano das eleições, em 2022, onde evidentemente o Bolsonaro é um forte candidato, mas ele tem conseguido bater altos índices de rejeição, ou desaprovação, do seu governo. Algumas pesquisas indicam algo em torno de 55 ou 58% de desaprovação, de avaliações ruins ou péssimas de seu governo", recordou.
O especialista também ressalta que o presidente Iván Duque também se encontra em uma situação complicada, conseguindo índices de desaprovação piores que os de Bolsonaro, sendo supostamente um dos presidentes mais impopulares da Colômbia. Sendo assim, a situação não é confortável para nenhum dos dois e, tendo isso em vista, o encontro acaba sendo positivo dentro das expectativas, "mas é algo que está longe de produzir algum respiro ou uma situação mais confortável para qualquer um deles".
Soberania e preservação da Amazônia
Fabio Lacerda recorda que ambos os presidentes se localizam no espectro político da direita, tendo na questão da segurança um aspecto forte de seu discurso, e a questão da segurança nas fronteiras e soberania nacional é algo importante para ambos, contudo de formas diferentes.
Cerimônia Oficial de Chegada do Presidente da República da Colômbia, Senhor Iván Duque Márquez em Brasília (DF), nesta terça-feira (19), com recepção do presidente Jair Bolsonaro
© Folhapress / Wallace Martins
Já a questão de segurança para a Colômbia possui uma particularidade, contudo, ambos consideram o assunto importante para eles, assim como para sua base eleitoral.
"A questão da preservação da Amazônia para o Bolsonaro, do ponto de vista da sua base eleitoral mais fiel, não parece ser uma questão muito importante [...] para os eleitores mais fieis do Bolsonaro a questão da preservação da Amazônia provavelmente não seja uma questão muito relevante", explicou.
Encontro de Antony Blinken e Iván Duque e protagonismo do Brasil na região
Para Fabio Lacerda, o fato de a viagem do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à América do Sul não contemplar o Brasil é um fato significativo e revelador, expondo a degradação da imagem do Brasil e da sua política externa ao longo do governo Bolsonaro.
"Isso se dá em vários campos [...] podemos mencionar os mais óbvios, que é a própria despreocupação do governo com a preservação da Amazônia e, em segundo lugar, o evidente esforço do presidente Bolsonaro de promover uma corrosão democrática no Brasil. Isso tudo afeta a imagem brasileira, e somando isso à proximidade que o presidente Bolsonaro estabeleceu com o presidente Trump, com outros fatos decorrentes dessa proximidade, não é nem um pouco surpreendente que o secretário de Estado americano, Blinken, não passe pelo Brasil", declarou.
Contudo, o especialista observa que isso não decorre de modo que possamos afirmar que o Brasil seja um país irrelevante ou sem protagonismo na América do Sul.
Secretário de Estado Antony Blinken durante interrogatório sobre Afeganistão ante o Comitê de Relações Exteriores do Senado, Washington, 14 de setembro de 2021
© REUTERS / Drew Angerer
"A despeito de todo o esforço feito pelo presidente Bolsonaro para colocar o Brasil em descrédito internacional, o país ainda tem uma importância inegável, e provavelmente o que vai acontecer nos próximos meses ou talvez anos, dependendo das eleições de 2022, é que outros países façam como o governo Biden está fazendo e mantenham uma relação de distanciamento cauteloso do Brasil", ressaltou.
Bolsonaro não vacinado muda algo nas relações entre os países?
Explicando o fato de Bolsonaro não ter se vacinado, Fabio Lacerda acredita que não seja algo muito relevante, já que o próprio presidente colombiano, Iván Duque, fez questão de retirar a máscara ao chegar ao Brasil para cumprimentar o presidente brasileiro.
"Não me parece que seja um problema, pelo menos não para suas respectivas bases de apoio, ou seja, a base mais fiel de apoio ao Bolsonaro não vê grande problema na forma como ele lida com a pandemia, com a vacinação ou com a ausência de máscara", afirmou.
Sendo assim, o especialista ressalta que o fato de Bolsonaro não ter se vacinado não deve impactar nas relações com outros países, ou trazer problemas. Contudo, ele destaca que "talvez a altíssima desaprovação que os dois presidentes enfrentam em seus respectivos países tenha sido alimentada em parte por uma resposta equivocada ou insatisfatória à pandemia".
Importância do jogo eleitoral
Fabio Lacerda destacou a importância do jogo eleitoral em cada um dos países, onde, no caso da Colômbia, o presidente Iván Duque não pode se recandidatar em 2022, estando fora do jogo político como candidato, enquanto no Brasil o Bolsonaro é um dos principais candidatos para a eleição presidencial em 2022.
"O que acontece é que o Bolsonaro tem adotado uma estratégia que passa muito mais pela mobilização de uma pequena base de eleitores fieis, eleitores radicalizados, e ele governa para essa base. Ora moderando um pouquinho a sua atuação, ora reforçando o seu discurso e ações que atentam a democracia no Brasil, de modo a conseguir instigar essa base", ressalta.
O presidente Jair Bolsonaro recebe o presidente da Colômbia, Iván Duque, que está em visita oficial ao Brasil, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF)
© Folhapress / Pedro Ladeira
De acordo com o especialista, tudo indica que o Bolsonaro vá continuar nessa atoada, garantindo pelo menos um segundo lugar no primeiro turno em 2022.
"Essa dinâmica eleitoral parece, pelo menos no caso brasileiro, já ter se tornado o jogo preponderante, então, nesse sentido, o encontro entre os presidentes tem alguma relevância, mas menor dentro desse jogo eleitoral doméstico", concluiu.