Zapad é nome dos exercícios que ocorrem a cada quatro anos. No entanto, neste ano, a relação militar entre os dois países está sendo estudada de perto, à medida que Belarus se aproximou ainda mais da órbita da Rússia no ano passado.
As manobras envolveram 200.000 militares, mais de 80 aviões e helicópteros, até 760 equipamentos militares, entre os quais 290 tanques, mais de 240 canhões, lança-foguetes e morteiros, bem como 15 navios.
Além de toda essa estrutura, a Rússia utilizou, pela primeira vez, robôs militares junto a humanos durante os treinamentos, assim como um batalhão de paraquedas a partir de aviões Il-76MD em blindados BMD-4M, relatou o Ministério da Defesa da Rússia.
A Sputnik Brasil entrevistou Kirill Koktysh, cientista político e professor do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou para saber o que esperar dessa aproximação, como a União Europeia observa essa histórica afinidade e quais os interesses da Rússia nesse contexto.
Militares desembarcam de helicóptero multifuncional Mi-8 durante a etapa principal dos exercícios militares Zapad 2021, no polígono de Mulino, região de Nizhny Novgorod, Rússia
© Sputnik / Aleksei Kudenko
/ Exercícios são resposta à OTAN?
Indagado se a elaboração de uma nova doutrina militar conjunta entre Rússia e Belarus é uma resposta às atividades da OTAN, Koktysh diz que não necessariamente. Porém, sim, há uma reação às progressivas construções de novas bases militares da aliança, mas ao mesmo tempo é um aceno às tentativas de golpe de Estado em Belarus.
"É uma resposta ao aumento de atividades da OTAN [...] como as novas bases militares que surgiram, por exemplo, e é claro que é impossível não responder e não reagir à agressão da OTAN. No entanto, [os exercícios] também são uma resposta às tentativas de golpe de Estado contra Minsk, que atingiram o seu auge em agosto do ano passado e são sentidas até agora", explicou.
Na visão do cientista político, essas "tentativas de golpe" demonstram que o Ocidente "não esconde seu objetivo em relação a Belarus que é destituir [o presidente Aleksandr] Lukashenko e removê-lo do poder. Claro que a união da Rússia-Belarus não poderia deixar de reagir a esse objetivo".
O presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, fala durante a 6ª Assembleia Popular do país
União Europeia e sanções à Rússia e Belarus
No dia 6 de outubro, o Parlamento Europeu adotou uma resolução, em que condenou, abertamente, os processos de integração entre Moscou e Minsk, uma vez que interpreta tal integração como uma ameaça à soberania do povo belarusso.
Como resultado, afirmou que se a Rússia continuar sua atual política em relação a Belarus, a União Europeia (UE) adotará medidas adicionais de contenção contra Moscou.
O especialista elucida que mesmo com essa resolução, o Parlamento Europeu "não pode impor quaisquer sanções, ele só pode recomendar" e que é natural que a organização "não possa concordar com a ideia de que uma união corresponda realmente à vontade do povo de Belarus e da Rússia, já que compartilha as mesmas posições em relação à Europa Oriental".
"Então, ele [o Parlamento] pode ameaçar Belarus, pode tentar ameaçar a Rússia, mas isso só vai ter um efeito terapêutico e vai ser apenas uma mudança de culpa de uma cabeça para a outra. Afinal, hoje em dia, o principal problema que impede que a UE deixe Belarus em paz é o problema migratório", completou.
Koktysh considera que preocupação da UE em relação à imigração de afegãos e iraquianos colocou os valores europeus em voga, deixando em evidência "xenofobia, nacionalismo e muito pouca democracia".
"A Europa está violando aqueles valores humanistas que a UE declara como os mais importantes. Para evitar que isto seja visto pelo mundo, resta apenas gritar e indicar para a natureza antidemocrática da união entre a Rússia e Belarus. Essa União existe desde 1999. Então, o Parlamento Europeu está um pouco atrasado com as suas críticas."
Membros do Parlamento Europeu participam da abertura da sessão plenária do Parlamento Europeu em Estrasburgo, Leste da França, 7 de junho de 2021
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Apesar de parecer que União Europeia e a União da Rússia e Belarus são ambas uniões e por isso teriam características parecidas, o especialista aponta para o fato de que há uma grande diferença entre as duas: a UE vem se baseando em países que têm maior relevância econômica, como a Alemanha, já a União da Rússia e Belarus "baseia-se nos princípios do consenso e da igualdade, nos quais as decisões só podem ser tomadas com o acordo de ambas as partes".
"Este consenso é alcançado frequentemente, o que significa que as negociações estão em andamento, que é um processo importante para ambos os países. Ao contrário da integração europeia, o processo entre Belarus e Rússia não ocorre sob pressão. Neste sentido, a União entre os dois países é muito mais democrática do que a UE."
Para o cientista político o bloco europeu segue "um modelo que não visa a integração, mas sim a anexação" e que ainda que não se fale sobre anexação política, "a anexação econômica está definitivamente em pleno andamento".
"Se observarmos que peso têm diferentes países na UE, vamos ver que existem seis países fundadores, ou seja: França, Alemanha e Itália – com economias reais – e Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo com economias de serviço, e são esses seis países que continuam centrais na UE e têm direitos completamente diferentes dos outros membros. Mas mesmo as posições desses seis países, de fato, não atendem ao critério de igual peso e influência."
Presidente russo Vladimir Putin e líder bielorrusso Aleksandr Lukashenko plantam abeto azul na cerimônia de abertura do memorial ao Soldado Soviético na cidade de Rzhev
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/ Real objetivo da União Rússia e Belarus
A Rússia é o principal parceiro comercial de Belarus, e oferece ao seu vizinho empréstimos e investimentos. Poderíamos então dizer que os interesses de Belarus são principalmente econômicos?
Koktysh diz que esse sistema depende de vários fatores a partir do momento que "a política externa da União é harmonizada, mas as decisões são tomadas de forma autônoma e a política econômica tem que lidar com diferentes formas de propriedade".
"Belarus é um país de grandes empresas, que são propriedade do Estado, 30% de sua economia depende dessas empresas. […] As relações entre Rússia e Belarus podem ser comparadas às relações entre a Coreia do Sul e outras economias. A economia sul-coreana é pequena, tem poucas pessoas, mas ao mesmo tempo, a especialização de Seul a torna insubstituível e capaz de realizar coisas que não podem ser realizadas em grandes formatos", clarificou o analista.
Foto de uma usina de energia parcialmente obscurecida por névoa em Minsk, Belarus (foto de arquivo)
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Dentro dessa dinâmica, o cientista político acredita que "Moscou e Minsk estão lentamente se aproximando dessa combinação" e que seria desejável que isso acontecesse mais rapidamente.
"Podemos notar que, este ano, o termo 'política industrial' apareceu pela primeira vez nos documentos da União. É encorajador, porque na prática nem tudo pode ser orientado apenas pela política financeira."
Segundo Koktysh, a observação de tal termo "dá razões para acreditar que a viabilidade da associação está aumentando, mas é óbvio que as estruturas interestatais são criadas para se beneficiar e tirar lucros assimétricos".
O especialista também chama atenção para o fato de que a relação entre os dois países não ocorre só no sentido "da economia, mas também na forma da identidade".
"Belarus é vitalmente dependente dos recursos russos e, é claro, do mercado russo. Mas não é apenas uma questão de economia, é também uma forma de preservar a identidade. As mercadorias têm de ser vendidas a alguém, e a Rússia é a principal consumidora da produção belarussa", elucidou.
Unidades de artilharia autopropulsada durante a etapa principal dos exercícios militares Zapad 2021, no polígono de Mulino, região de Nizhny Novgorod, Rússia
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/ Se caso um dia a Rússia perder Belarus, Koktysh diz que será possível presenciar "o aparecimento de mísseis da OTAN perto de Smolensk e serão mísseis de cruzeiro, com um tempo de aproximação a Moscou de três a quatro minutos" e que, portanto, os benefícios dessa União são mútuos.
Demora para concretização completa da União
O tratado sobre a criação da União foi assinado há quase 22 anos, porém, até agora, a União não se realizou por completo. Koktysh considera que é importante olhar para essa "não realização completa" de forma mais branda, uma vez que o que se propõe "não é uma anexação, mas sim uma integração bastante profunda".
"No ano passado […] analisei quais recursos a Rússia destina para a preservação dos idiomas e da identidade de pequenas nações. São volumes enormes de dinheiro. Se Moscou baseasse sua política no paradigma imperial e acreditasse que tudo o que não seja russo é estranho e deve ser refeito e unificado, não existiria essa política dentro do país. Vou repetir, isso não é uma questão de anexação, mas de integração amigável", ressaltou.
O especialista também sublinha que essa União não é só benéfica para ambos os países, mas também para economia da União Econômica Eurasiática, a qual abrange entre 180 milhões e 185 milhões de pessoas.
Presidente russo Vladimir Putin cumprimenta seu homólogo bielorrusso Aleksandr Lukashenko durante encontro em Sochi, Rússia
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/ "A União da Rússia e Belarus é uma vantagem. Mas também é importante sublinhar que o conjunto de ferramentas dessa União pode ser usado e aplicado na União Econômica Eurasiática [...]. Trata-se de uma estratégia de pequenos passos. Não faz muito sentido unir os países apenas para que sejam oficialmente unidos. Mas uni-los para garantir segurança é extremamente importante. É isso que está acontecendo agora."