'Nenhum dos lados estava disposto a ceder', resume analista conversa entre Biden e Putin

A reunião que ocorreu entre os presidentes da Rússia e dos EUA de forma virtual nesta terça-feira (7) foi acompanhada com muita expectativa. A Sputnik Brasil entrevistou uma especialista em Europa sobre a importância do evento.
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A situação em torno da fronteira ucraniana ganhou a maior atenção na discussão. Joe Biden disse a Vladimir Putin que os Estados Unidos e seus aliados imporiam sanções econômicas em larga escala contra a Rússia caso ela invadisse a Ucrânia e aludiu aos esforços para parar o gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2).
Putin, por sua vez, ressaltou que as "linhas vermelhas" para Moscou são o avanço da OTAN para leste e a implantação pela aliança de armas ofensivas na Ucrânia.
Logo após a videochamada entre Putin e Biden, a Sputnik Brasil ouviu a dra. Carolina Pavese, analista política e professora de relações internacionais na ESPM-SP e especialista em Europa, que comentou os motivos da grande expectativa sobre este encontro virtual e do interesse dos EUA na resolução da questão ucraniana.
Conforme a dra. Carolina Pavese, o evento atraiu tanta atenção internacional porque se tratou de um encontro raro entre duas potências nucleares e militares e que são rivais históricos e que, desde o governo Obama, têm uma relação muito tensa.
"E sempre que dois gigantes têm uma relação conflitiva, isso acaba repercutindo em toda a comunidade internacional", aponta a especialista.
Nesse caso o que estava em pauta era a questão específica da segurança regional na Europa relacionada com a questão da Ucrânia, que já vem se desdobrando como um ponto de atrito na Europa continental – entre os países que compõem a OTAN e os Estados Unidos, de um lado, e do outro lado a Rússia.
Presidente russo, Vladimir Putin, durante videoconferência com o presidente norte-americano, Joe Biden, em 7 de dezembro de 2021
Já no início a professora fez uma observação que dessa reunião não se esperava – o que se confirmou – que dela saísse uma solução pacífica e diplomática para esse conflito. E a razão para essa situação é bem clara: isso significa que "nenhum dos lados estava disposto a ceder, e que ceder aqui significa de certa forma reconhecer uma derrota e fazer concessões muito bruscas".

Retomada da liderança dos Estados Unidos

A importância do evento, ressalta a professora, não é que era um simples encontro bilateral entre duas grandes potências, mas que os EUA estavam ali na condição de representante e de liderança dos países da Aliança Atlântica, na defesa dos interesses da Ucrânia, que não faz parte da organização, e também representando uma posição conjunta entre as principais potências europeias, articulada na preparação dessa reunião.
Em outras palavras, pode representar uma retomada da liderança dos Estados Unidos na OTAN, que estava comprometida durante o governo Trump, que seguia um certo isolacionismo em política externa. A analista relembra que Trump tinha chegado a ameaçar diminuir a contribuição orçamentária dos EUA para a Aliança. E essa liderança agora, que nós vemos com Biden, "vai revitalizar a importância da OTAN" e "renovar esses votos dos Estados Unidos com a organização, e também colocar os EUA como uma liderança nesse arranjo multilateral de cooperação na área da segurança".

Que a questão da Ucrânia tem a ver com EUA?

Para se compreender por que Washington está defendendo a Ucrânia e qual é o interesse norte-americano no assunto, a especialista deu um breve panorama histórico da OTAN. A Organização do Tratado do Atlântico Norte foi criada em 1949 como uma organização de segurança, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Enquanto o continente europeu foi destruído, econômica e militarmente, o que "criou um vácuo de poder que foi preenchido pelos Estados Unidos", os EUA, que não foram palco em seu território dessa guerra, aproveitaram de uma oportunidade de entrar nesse cenário e se afirmar como nova grande potência.
Já que naquele período os EUA se veem como principais rivais da União Soviética, eles impulsionaram a criação da OTAN e convidaram os países europeus a integrá-la, "para poder garantir estrategicamente a manutenção de seu pé nessa área de segurança na Europa", de acordo com a doutora.
O ponto central é que essa organização é regida pelo chamado princípio de segurança coletiva, que sustenta que o ataque a um país-membro da OTAN é entendido como ataque a todos seus membros, e hoje estamos falando já de 30 países.
Vladimir Putin, presidente da Rússia (à direita), e Joe Biden, presidente dos EUA, durante cúpula na Villa La Grange, em Genebra, na Suíça, em 16 de junho de 2021
É dentro desse princípio inclusive que se entende essa participação dos EUA no conflito na Ucrânia, explica ela. Embora Ucrânia não faça parte da OTAN, ela tem acordos de cooperação com essa aliança e sinalizou também já o interesse de ingressar na OTAN.
Particularmente, em junho deste ano, aconteceu uma reunião da OTAN na qual se sinalizou um avanço nessa adesão da Ucrânia à organização, e esse evento virou "um gatilho para essa escalada da tensão militar e para esses ensaios de tropas" da Rússia para a região da Crimeia, "justamente para demarcar a insatisfação da Rússia com esse movimento da adesão da Ucrânia à OTAN". E foi justamente esse um dos pontos que Putin enfatizou na reunião virtual, na qual ele solicitou que fosse lhe dada a garantia de que esse processo seria interrompido.

Preocupação russa com entrada ucraniana na OTAN

Do ponto de vista da Rússia e da política internacional, é compreensível a objeção plena da Rússia à entrada ucraniana na OTAN, acredita a especialista. Primeiramente, há um motivo objetivo, porque significaria uma extensão do controle de segurança norte-americano em um país que faz fronteira com a Rússia, "o que para os russos é inadmissível".
"Essa justificativa da Rússia para fazer esses ensaios militares, deslocar essa tropa toda, vem como resposta simbólica e uma certa ameaça de que ela não vai aceitar passivamente essa provocação dos EUA e da OTAN de se aproximar", afirmou.
Putin inclusive chegou a falar em novembro que essas investidas em aproximar ainda mais a Ucrânia dos EUA, da OTAN e da Europa se tratava de um projeto, em suas palavras, "antirrusso". De fato, boa parte da população ucraniana aprecia a aproximação com a Rússia porque vê a existência de vínculos históricos, culturais, linguísticos e ainda boa parte dos ucranianos fala russo.
Porém, outra parcela da população da Ucrânia quer uma aproximação cada vez maior da Europa e dos Estados Unidos e se desvincular desses laços com a Rússia. "Essa racha na população" ficou clara na chamada Revolução Laranja em 2003-2004 no país, enfatiza a professora.
Mais recentemente, em junho deste ano, a OTAN sinalizou uma luz verde para essa negociação da entrada da Ucrânia na organização avançar, gerando preocupação do lado russo, que acaba demonstrado sua força.
"Onde isso vai chegar, ninguém sabe", reconhece a analista em vista dos relatos de que, se houver um ataque à Ucrânia, se espera que ele aconteça em janeiro. Com medo de ficar sozinha, a Ucrânia está pedindo a ajuda à OTAN. Mas Vladimir Putin falou, nesta semana inclusive, que os países da OTAN deveriam ficar tranquilos.
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"Alguns analistas falam que isso é um exagero, que o custo desse conflito é muito alto para ambas as partes e que, na verdade, do que se trata é de mais uma ameaça, um blefe da Rússia para tentar frear esse processo da integração da Ucrânia à OTAN", avalia a professora essa situação.
O que nós vimos nesta terça-feira (7) é que Biden não sinalizou o interesse em um conflito militar. O que foi manifestado como estratégia de retaliação dessas articulações dos encontros de Biden com grandes potências europeias é ampliar o escopo das sanções econômicas que já estão em vigor, inclusive podendo retirar o sistema bancário russo do esquema de pagamentos internacional, o que penalizaria drasticamente a economia russa.
Quanto à suspensão do gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2), isso também significaria uma perda econômica russa, enquanto a Alemanha topou suspender esse projeto se necessário. Mas vale se lembrar que a Europa tem uma dependência energética muito grande da Rússia, sobretudo os países do Leste Europeu. Então, isso também penalizaria os países europeus.
"Quem sai menos perdendo com isso tudo, aparentemente, são os Estados Unidos, que continuam isolados do outro lado do Atlântico numa posição relativamente confortável", resumiu a analista.
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