Pelo menos nas últimas três décadas a palavra sustentabilidade teve seu significado atrelado às questões ambientais.
Introduzido no âmbito da Rio-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro), o conceito surge com a ideia de "desenvolvimento sustentável" na Agenda 21, um documento que estabeleceu a importância de cada país em se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos, empresas, organizações não governamentais e todos os setores da sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais.
Dentro deste conceito de desenvolvimento sustentável, objetivo geral de cada país integrante das iniciativas pró-clima, está a ideia de energia limpa, ou renovável, ou seja, a utilização de recursos que causem o menor impacto ambiental possível. Neste sentido, o petróleo, combustível fóssil escasso e altamente poluente, sempre foi um inimigo declarado do desenvolvimento sustentável.
Mas como promover uma mudança de paradigma energético nos países em desenvolvimento, especificamente os países da América Latina, sem produzir crises econômicas ou socioambientais? Para responder a esta e outras perguntas, a Sputnik Brasil conversou com o economista, especialista em óleo e gás e professor do Instituto de Energia da PUC-Rio Edmar Almeida.
Urgência global
Depois da COP26 (Cúpula do Clima) em Glasgow, realizada em novembro, governos e empresas prometeram caminhar em direção à emissão zero de gases de efeito estufa. A mudança não será fácil.
"A descarbonização dos segmentos de transporte e indústria será uma tarefa complexa. Embora a geração elétrica na América Latina, em geral, tenha a participação elevada de renováveis, graças às hidroelétricas, no setor industrial significa o uso de novas fontes energéticas. Já no de transporte, com exceção do Brasil, onde já existe a bioenergia, a agenda de transição energética é a introdução de novos combustíveis com a mudança de frota", explicou Edmar.
Para o professor, o desafio é dispor de recursos institucionais, financeiros e administrativos para a transição.
"No caso dos transportes, a troca da frota é especialmente custosa para os países da América Latina que não dispõem da tecnologia para a produção e teriam de importar os recursos, então a mudança é muito difícil", pontuou.
A COP26 estabeleceu metas de emissão zero para 2050 e mais de 40 países se comprometeram com a agenda. Entretanto, para Edmar o posicionamento é menos pragmático do que parece.
"O compromisso me soa ainda como metas de políticas públicas não detalhadas. O Brasil, por exemplo, se comprometeu em fazer isso até 2060, mas em nenhum desses países, nem nos países desenvolvidos, há uma definição de qual será o caminho para a descarbonização, a política energética que será necessária. Só depois disso é que será possível definir o quão difícil será a tarefa", afirmou.
Tarefa árdua
A mudança no paradigma energético, em princípio, requer a substituição dos combustíveis fósseis no setor de transportes, o mais dependente deles, mas a mudança, para Edmar, "é mais viável nos países mais ricos. Do ponto de vista político e econômico essas metas não são realistas para os países em desenvolvimento".
Além disso, para os países da América Latina como Equador, Venezuela, Brasil e México, cuja produção de petróleo é parte importante do segmento econômico, há um interesse político em se manter o protagonismo do setor. Edmar chama a atenção, entretanto, para uma possível conciliação de interesses neste sentido.
"Existe um setor mais conservador do segmento de petróleo que vem defendendo a manutenção do paradigma energético em função da economia. É necessário buscar uma agenda de conciliação do desenvolvimento dos recursos de óleo e gás, nesses países, com a descarbonização, e isto é possível."
Para o professor, existem saídas possíveis para conciliar o desenvolvimento dos recursos petrolíferos desses países, por algum tempo, com as metas de descarbonização da economia.
"A captura e estocagem de carbono, a diminuição da intensidade carbônica na produção de óleo e gás, a difusão do gás natural em substituição ao petróleo na geração elétrica, todas são estratégias possíveis. O importante, aqui, é que haja o alinhamento dos stakeholders [partes interessadas] nesta direção."
21 de setembro 2021, 05:05
Mercado energético
A transição energética passa a ser uma necessidade quando observamos as mudanças climáticas de forma mais crítica. O aquecimento global tornou a agenda uma prioridade que, para o especialista, é geracional. As descobertas da ciência, associadas ao desconforto com a urgência pela mudança nos paradigmas ganhou até nome: ansiedade energética. Mas para além das vontades políticas e da urgência ambiental existem também os interesses de mercado.
Alguns setores da economia dos países centrais vão se beneficiar diretamente do processo de transição energética, já que detêm recursos e tecnologias necessárias para a implementação das mudanças.
Frente a esta realidade, a demanda mundial por petróleo tende a cair, embora ainda não haja consenso sobre quando. Para Edmar, as mudanças na demanda de combustíveis para o transporte já são flagrantes na Europa, particularmente nos países ibéricos.
"A demanda por combustíveis como diesel e gasolina já começou a cair em função da penetração do carro elétrico no mercado. Esse processo vai acontecer na medida em que a eletrificação do transporte for uma realidade, o que não significa que será um processo rápido, pelo contrário. Pode levar décadas, em particular nos países em desenvolvimento", constatou.
Segundo o professor, nem todos os setores serão descarbonizados por não existirem ainda alternativas energéticas. Este é o caso da aviação e da navegação, que ainda dependem exclusivamente de combustíveis fósseis, e o setor petroquímico.
Um carro elétrico é visto conectado a um ponto de carregamento de veículos elétricos em Roma, Itália, 28 de abril de 2021
© REUTERS / Guglielmo Mangiapane
Desafios da América Latina
É verdade que os países latino-americanos já têm se alinhado diante da tendência de adoção de novas formas de geração de energia elétrica, por exemplo. Com o barateamento das tecnologias solar e eólica, os países em desenvolvimento terão novas oportunidades de negócio.
"Para esses países vale muito mais a pena exportar o gás e o petróleo que usar esses produtos para a produção de energia elétrica, por exemplo. Isso já acontece na Colômbia e na Bolívia com a exploração da energia solar. Além disso, com relação ao petróleo, para os países cujos regimes fiscais e reservas forem atraentes, vai haver uma corrida muito grande para investimentos na produção", garantiu Edmar.
Com a demanda de petróleo mundial em queda, a competição para a venda de petróleo deve aumentar graças à seletividade do mercado internacional. A competição vai beneficiar os países produtores com menor pegada de carbono, ou seja, menor intensidade de emissão de carbono, como o pré-sal, por exemplo.
Como as energias de baixo teor de carbono têm custos mais elevados, Edmar ressaltou que isto "vai afetar diretamente a velocidade da transição energética", já que a eletrificação dos transportes, por exemplo, está relacionada com os recursos financeiros desses países.
Na América Latina, o maior desafio será não ficar para trás no curso do desenvolvimento energético, uma vez que existe uma desvantagem tecnológica em relação aos países centrais.
O Brasil está em vantagem em relação ao restante do mundo na meta de descarbonização. Com uma matriz energética de participação de renováveis em 44% (contra 15% da média mundial), o país segue na frente quando o assunto é transportes. A alta utilização de biocombustíveis, como etanol e biodiesel, não inviabilizará a entrada de carros elétricos no país, em que mais de 80% da energia elétrica é de fontes renováveis.
O cenário otimista não inviabiliza a produção e o investimento na indústria petrolífera do país. Segundo Edmar, as oportunidades estão postas.
"Durante décadas ainda vai haver necessidade de consumo de petróleo no mundo. O Brasil pode conciliar o aumento na produção de petróleo, com uma produção de baixa intensidade carbônica para a exportação, com a descarbonização de sua economia, basta para isso uma boa política orientadora", concluiu.