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O que esperar do Brasil em seu novo mandato no Conselho de Segurança da ONU?

O Brasil está de volta ao Conselho de Segurança da ONU após 11 anos. Mas o que isso significa para o país? Como deverá ser a atuação do Itamaraty? O que o governo Bolsonaro pode fazer para melhorar sua imagem internacional? A Sputnik Brasil conversou com especialistas no assunto.
Sputnik
Uma década separa dois Brasis distintos. Se no início do governo de Dilma Rousseff a busca era pela defesa dos interesses comuns de nações em desenvolvimento e pela resolução de conflitos, hoje o país é visto como antiglobalista e alheio a causas dos emergentes.
Depois de deixar o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) ao final de 2011, o Brasil voltou ao órgão no início deste ano como membro rotativo, para o biênio 2022-2023, sob muitas dúvidas quanto à sua futura atuação.
Em seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro coleciona polêmicas internacionais, não apenas sobre temas ligados à pandemia e ao meio ambiente, mas devido ao alinhamento político, religioso e ideológico a países comandados por governos conservadores.
O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, por exemplo, foi o pivô dos embates com a China, intensificados após a disseminação do coronavírus. Com insinuações sobre suposta espionagem chinesa a partir da tecnologia 5G e sobre a responsabilidade dos asiáticos na pandemia, o ex-chanceler desgastou a imagem do Brasil com um de seus principais parceiros comerciais e provocou atrasos na chegada de insumos para vacinas contra a COVID-19.
O afastamento do BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a estreita aliança com Israel e os embates frequentes com antigos parceiros sul-americanos, como a Venezuela e a Argentina, escancaram a mudança de rota no cenário internacional com relação à postura de governos petistas.
Até que ponto este giro geopolítico vai impactar as decisões e as reações ao país no Conselho de Segurança é o maior mistério que especialistas tentam desvendar neste retorno ao órgão.
Além do Brasil, em sua 11ª participação - feito apenas igualado pelo Japão -, Emirados Árabes Unidos, Albânia, Gana e Gabão também passaram a integrar o conselho como membros não permanentes para o próximo biênio.
Os países foram os escolhidos em votação durante a 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas em 11 de junho de 2021, substituindo Vietnã, Níger, Tunísia, Estônia e São Vicente e Granadinas. O Brasil obteve 181 votos de 190 possíveis.
Índia, México, Noruega, Irlanda e Quênia permanecem em seus cargos, eleitos como membros rotativos para 2021-2022. Os cinco países membros permanentes do órgão são Rússia, Estados Unidos, Reino Unido, França e China.
Gana e Gabão já foram membros não permanentes três vezes cada, enquanto os Emirados Árabes Unidos ingressarão no órgão pela segunda vez. A Albânia é a única estreante.
Segundo o Itamaraty, agora comandado por Carlos França, o Brasil se empenhará para "traduzir em contribuições tangíveis a defesa da paz e a solução pacífica de controvérsias, entre outros princípios inscritos na Constituição de 1988 e na Carta das Nações Unidas".
O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França, durante reunião no Palácio do Itamaraty, 5 de novembro de 2021. Foto de arquivo
Para a professora Isabela Gama, especialista em segurança e teoria das relações internacionais e pesquisadora pós-doutoranda da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), a postura brasileira no conselho não deverá ser pautada por alianças.
"A verdade é que este é um governo bastante instável na área internacional na minha perspectiva. Não conseguiu alinhamentos muito favoráveis até então. E dentro do Conselho de Segurança, não vejo alianças muito fortes", avaliou Gama, em entrevista à Sputnik Brasil.
Segundo ela, a política externa do início da década passada era mais fácil de se decifrar. A professora afirma que veríamos o país mais próximo a Rússia, China, Gana e Gabão, por exemplo, nos governos do PT.

"Estávamos mais alinhados ao Sul global [conjunto de países em desenvolvimento do Hemisfério Sul] e preocupados com o BRICS. Nesse momento, o Itamaraty está sempre correndo para apagar incêndio dos Bolsonaros", afirmou a especialista em segurança.

Devido ao histórico recente, Gama não acredita que os membros permanentes tenham "grande interesse" em se aproximar do Brasil no órgão. Porém, ela aponta que este é um momento importante para o Itamaraty começar a recuperar a imagem internacional do país.
Segundo a professora, o ministério poderá "mostrar que talvez não tenhamos só políticas de governo, mas de Estado". Por isso, a especialista avalia que o chanceler deverá, de fato, fugir de questões delicadas e ideológicas e buscar levantar debates sobre a manutenção da paz.

"Acredito fortemente que o Brasil vai investir em se engajar mais em operações de paz sancionadas pela ONU. Temos centros de treinamentos para operação de paz referências no mundo inteiro. Isso demonstraria uma boa vontade no âmbito das normas do multilateralismo sem tocar em assuntos muito delicados", explicou Gama.

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Mediação de conflitos

Para o especialista em assuntos militares Roberto Godoy, a participação do Brasil no conselho terá a "marca da diplomacia brasileira". Segundo ele, o país, por meio da figura de seu chanceler, deverá "buscar soluções negociadas, pacificação de conflitos e, sobretudo, mediação de áreas com tensões em evolução".
Godoy lembra que, historicamente, o Brasil tem muito êxito como mediador, principalmente entre países em desenvolvimento.

"O Brasil precisa recuperar essa característica, essa imagem internacional, para tentar resgatar a diplomacia, algo muito necessário nesse momento", indicou o especialista.

Ele cita o exemplo da vizinha Colômbia, em instabilidade devido a disputas de membros do Exército de Libertação Nacional (ELN) com dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Segundo ele, "surpreendentemente ou não", o ELN tem boa interlocução com a diplomacia brasileira.

"O Brasil será um diferencial nesse ponto específico. É só um exemplo, há dezenas de outros", afirmou.

Para Godoy, esta é uma grande oportunidade para o Brasil melhorar a imagem da sua diplomacia, segundo ele, "bastante atingida pela mediocridade dos chanceleres do governo Bolsonaro".
O especialista explica que o Brasil pretende um assento permanente no conselho, mas sabe que, para isso, será necessária uma reforma no órgão.
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Neste momento, ele ainda descarta a possibilidade de alinhamentos inéditos com grandes blocos e de apoios a intervenções armadas, "ainda que seja por iniciativa dos EUA, com o qual costuma votar".
"Esse primeiro ano será de ajuste do trabalho no conselho. Ou seja, a representação brasileira vai ter que dizer a que veio e que tipo de politica procurará implementar em um ano de eleições estratégicas e cruciais", ressaltou Godoy.

Estratégias para as eleições

O cientista político José Paulo Martins Junior, professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), não acredita que os temas ligados a política externa ficarão de fora dos debates nas eleições presidenciais de outubro.
Ele prevê acusações do governo de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas, era alinhado a "ditaduras" de esquerda durante seu mandato.
"A estratégia foi bem sucedida nas últimas eleições, mas a verdade é que o governo vive um isolamento muito grande e poucos países com que consegue ter algum diálogo são ditaduras, como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, com viagens do presidente ao Oriente Médio", afirmou o especialista.
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Martins avalia que Bolsonaro deve concentrar sua campanha em "fantasmas ideológicos", no "medo do comunismo" e na defesa da "família tradicional", evitando temas como o desemprego, a fome e a inflação.

"As pautas de costumes são o principal e único refúgio do Bolsonaro, uma vez que eu acredito que seu governo não tem absolutamente nada a mostrar", afirmou.

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