Em um mundo de mudanças climáticas, o que o Brasil faz da sua política para desastres ambientais?
19:23, 18 de janeiro 2022
Eventos extremos relacionados à natureza marcam o início de 2022. E não apenas no Brasil. O mundo enfrenta tempestades, nevascas, calor e enchentes. É possível minimizar o impacto dessas ocorrências? Especialista em gerenciamento de riscos, Gerardo Portela comentou o assunto para a Sputnik Brasil.
SputnikEmbora seja cientificamente impossível associar os recentes desastres naturais que acontecem no mundo às mudanças climáticas causadas pelo homem, é absolutamente inegável que a ferocidade dos "ataques" da mãe natureza aumentou nos últimos anos.
A América Latina sofre com tempestades tropicais e calor extremo nos últimos anos, dentro de um fenômeno que é global: o Alasca registrou temperaturas recordes em 2021, enquanto nos EUA milhares de pessoas passaram dias sem energia após uma nevasca histórica. Cenas semelhantes se repetem na Europa, assim como na Ásia, África e Oceania.
Enquanto não é possível controlar a natureza por razões óbvias, é preciso debater como minimizar o impacto dessas ocorrências. Para responder a este questionamento, a Sputnik Brasil conversou com Geraldo Portela. Ele explicou que é possível lidar com estes problemas, mas o país está "acomodado" com as vítimas.
Natureza como agente do caos
Nos últimos anos vem crescendo o número de desastres naturais no Brasil. Os impactos vão desde perdas econômicas a perdas de vidas, em razão de enchentes, erosões, desmoronamento, e outras causas.
Apenas em 2022,
o brasileiro assistiu a Bahia submergir em meio às chuvas, em
uma crise estimada em R$ 2 bilhões. Dias depois, Minas Gerais protagonizou cenas lamentáveis: as mortes no Capitólio, seguido dos desabamentos em Ouro Preto. Diante de tantas catástrofes, quase passou despercebido que, no Rio de Janeiro,
milhares de pessoas ficaram desabrigadas com as chuvas recentes.
29 de dezembro 2021, 19:09
Geraldo Portela acredita que a falta de investimentos é apenas uma das razões pelas quais temos tantas dificuldades em lidar com as condições naturais do nosso país. "E quando elas se manifestam, os desastres acontecem", comentou.
Ele apontou que o problema do Brasil são as grandes tempestades tropicais. "São as características da nossa região", enfatizando em seguida que "a natureza lida com quantidades de energia muito elevadas, ainda mais em relação à capacidade humana de controlar a força da natureza".
"Isso é impossível. A engenharia pode oferecer suporte, reduzir danos. Mas nós não fazemos esse tipo de investimento, e quando fazemos é muito abaixo daquilo que precisamos. Estamos acomodados com essa questão. O Brasil poderia ser uma referência em acidentes por inundação e enchentes, mas prefere ficar conformado, ano após ano, a cada verão, em assistir tragédias", analisou.
Aquecimento global
Em cada nova tempestade e nevasca histórica no mundo, sempre aparecem aqueles que tentam justificar os eventos climáticos com o argumento do aquecimento global. Há uma polêmica na comunidade acadêmica sobre o aquecimento global que, ao passar para a sociedade e as redes sociais, deturpou o debate sobre o assunto.
28 de dezembro 2021, 17:50
Geraldo Portela foi enfático ao dizer que "existe o aquecimento global". "Há 200 anos a humanidade coleta informações seguras, e nós podemos dizer, com base nelas, que há aquecimento global", afirmou.
Ele lamentou que o tema seja captado por setores da política, em variados espectros políticos, interessados na polarização da discussão pela fama proveniente dela. Porém, segundo ele, "cientificamente, não é possível dizer que são fatores criados pelo homem que estão produzindo esses fenômenos extremos".
Soluções inteligentes no mundo
Buscar soluções para
desastres climáticos se tornou uma realidade nas principais metrópoles do mundo. Um dos exemplos mais bem sucedidos é o do Japão e os terremotos em Fukushima, em 2011.
Na época, o governo japonês investiu bilhões de dólares em ações como a elevação das cidades, construção de barreiras e muros, além da descontaminação das regiões afetadas pelo vazamento de radiação da usina nuclear.
Para Geraldo Portela, "a construção de infraestrutura robusta, para dar resiliência às cidades, é inteligência. É poder, depois de uma tempestade, retomar a economia a todo vapor. A falta de investimento em infraestrutura mata, com deslizamentos e enchentes".
Neste sentido, são notáveis também os projetos concebidos na Itália, após o terremoto de 2016, e no Chile, em 2010. Na ocasião, os governos tinham planos de emergência para desastres ambientais, e pequenas cidades foram erguidas em pouquíssimo tempo para atender as demandas da população atingida pelos eventos naturais.
Atualmente, existem muitos métodos para a previsão de chuvas intensas, logo, esse fenômeno não pode ser considerado como uma variável totalmente imprevisível. Hoje, felizmente, desastres naturais como esses podem ser minimizados, se forem adotadas as técnicas da engenharia civil moderna.
Um caso clássico é a Trump Tower, inaugurada em Chicago, em novembro de 1983. O edifício foi feito para resistir aos tornados que assolam a cidade. O seu design, com bordas arredondadas, quebra a força do vento, distribuindo o impacto por todo o prédio.
O Brasil mostra sinais de aprendizado, com alguns exemplos aqui e ali. Após os desastres na região serrana do Rio de Janeiro em 2010, em uma tempestade no verão seguinte as sirenes de 11 comunidades tocaram. Houve deslizamentos, desabamentos, mas nenhum óbito. Em Minas Gerais, após as chuvas deste ano, o governo prometeu mais investimentos em fiscais e geólogos.
Portela explicou "que mesmo os projetos pequenos já poderiam contribuir", mas esse é o problema do Brasil, a falta de investimento em prevenção de acidentes.
"Questões de infraestrutura, seja social ou para desastres, precisam ter um lugar no orçamento do país. E para isso são necessários planos a longo prazo. Além disso, é bom lembrar que são verbas elevadas. Nós temos um país que empurra grande parte da população para áreas precárias", analisou.
Problema da favelização
No Brasil, mais de 8 milhões de habitantes vivem em áreas consideradas de risco, segundo um estudo divulgado pelo IBGE. A maioria das ocorrências de desastres ambientais nessas regiões é de enchentes e deslizamentos de terras.
Áreas de risco são regiões onde não é recomendada a construção de casas ou instalações, pois são muito expostas a desastres naturais. As mais perigosas são aquelas sob encostas de morros inclinados ou à beira de rios.
No processo de urbanização brasileiro, o principal ônus para as classes menos favorecidas foi viver em encostas, em locais distantes dos grandes centros, justamente onde o poder público é mais ausente.
"Enquanto tivemos população sem opção para receber moradia digna, essa população recorre aos locais desocupados, normalmente regiões de risco, que envolvem altos gastos de construção", afirmou Geraldo Portela.
Ele avalia que "a questão da moradia no Brasil é uma vergonha", sugerindo a criação de uma estatal para solucionar a crise. "Essas pessoas estão ali sem vigilância. Enquanto nós não enfrentarmos de frente esse problema, as vitimas não cessarão", comentou.
O professor alerta que, para mitigar a violência dos eventos climáticos, o país precisa discutir com urgência o processo de favelização nas metrópoles, implementando políticas de prevenção e também um programa de Estado para moradias.
Como se prevenir?
A grande questão é esta: como o Brasil pode se prevenir das iminentes tempestades tropicais que assolam anualmente seus rincões e metrópoles?
Portela apresentou algumas sugestões, como a criação de um "centro dedicado à pesquisa, sobretudo no que diz respeito às tempestades". Ele disse que o país possui institutos de qualidade que coletam dados, "entretanto, não há centralização desse sistema".
"Nós precisamos de uma referencia nacional para lidar com as tempestades tropicais, o que poderia, inclusive, estimular as pesquisas e a ciência. Em um segundo plano entra a questão de engenharia, sobre como preservar estradas, cidades, geração de energia", comentou.
Ele apontou ainda que infraestrutura no país recebe poucos investimentos em prevenção. "O Brasil pode até pensar que ostenta essa ideia, mas essa ideia não é real", afirmou. Segundo o especialista, há um grande problema envolvendo a engenharia de prevenção de desastres naturais: a prioridade é o retorno.
"Seja financeiro ou político. Existe muito interesse político envolvido na política de prevenção aos desastres. E há o lapso de capacitação. Falta de conhecimento dos fenômenos, de física, de engenharia, acaba tudo isso subestimando os riscos", analisou.
Segundo ele, verbas para proteger a população de eventos climáticos costumam
chegar nas proximidades das eleições ou ante ao desastre consumado. "Isso
não pode ser considerado um investimento".
Ele sugeriu ainda, tratando-se de Brasília, a criação de uma legislação para "obrigar os gestores públicos a cumprir uma meta de crescimento e elevação da nossa infraestrutura, em reposta aos desastres ambientais".
Embora esteja lidando com o tema vagarosamente, a avaliação do especialista é que o Brasil tem hoje todas as condições técnicas para oferecer, via engenharia, soluções para os problemas das grandes cidades. "Investimento em infraestrutura requer um plano técnico de engenharia de longo e médio prazo. E isso leva tempo", concluiu.
12 de janeiro 2022, 20:20