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'Quem ajudou o povo foi o povo': tragédias com chuvas no Brasil evidenciam falta de planejamento

© REUTERS / Amanda PerobelliEm Itambé, no estado brasileiro da Bahia, Vitória Rocha, de 81 anos, segura uma foto de seus pais em frente aos escombros de sua casa destruída por enchentes, em 28 de dezembro de 2021
Em Itambé, no estado brasileiro da Bahia, Vitória Rocha, de 81 anos, segura uma foto de seus pais em frente aos escombros de sua casa destruída por enchentes, em 28 de dezembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 12.01.2022
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As chuvas voltaram a ser um problema em diversos estados brasileiros nas últimas semanas, afetando principalmente Bahia e Minas Gerais. A Sputnik Brasil ouviu especialistas e pessoas afetadas pela situação para discutir o impacto e as possíveis medidas de prevenção.
O final de 2021 foi dramático na Bahia. Após chuvas intensas e inundações, pelo menos 26 pessoas morreram e quase 27 mil ficaram desabrigadas em uma tragédia que afetou cerca de 177 municípios. Já em 2022, o desastre se estendeu a Minas Gerais, onde 24 pessoas foram mortas em meio às consequências das chuvas, que já deixaram quase quatro mil pessoas desabrigadas e trouxeram de volta temores de rompimentos de barragens ao estado. No Espírito Santo e no Rio de Janeiro, o aumento das chuvas também traz consequências devido às enchentes e centenas de pessoas estão desalojadas.
Morador da cidade de Itabuna, no sul da Bahia, o comunicador Rick Trindade viu de perto os efeitos das chuvas na região trabalhando como voluntário na distribuição de doações. Apesar de as enchentes não terem chegado à sua casa, Trindade e sua família ficaram ilhados e viram as águas do rio Cachoeira chegarem às portas de seu bairro. Na vizinhança, as consequências foram graves.
"A situação é complicada, porque teve gente que perdeu tudo. A água subiu muito rápido e chegou a um nível muito alto, muita gente não conseguiu tirar as coisas de casa e muita gente não acreditou que a água subiria tanto porque a água alagou ruas que nunca tinham alagado", relata o comunicador em entrevista à Sputnik Brasil.
As chuvas são um problema histórico, amplamente descrito e conhecido no Brasil, ressalta Osvaldo Rezende, professor do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Apesar do problema recorrente, Rezende alerta para a falta de medidas de prevenção mesmo com o aumento de períodos chuvosos de maior intensidade e do risco crescente de tragédias.
"A frequência desses eventos de grande intensidade está aumentando. A ocorrência de eventos que aconteciam a cada 50, 100 anos, tem aumentado", aponta o professor em entrevista à Sputnik Brasil, que acrescenta que com isso também aumentou a chamada percepção de risco da população, ligada à memória de tragédias recentes.
Rezende afirma que, sabendo da frequência e da percepção de risco em relação às chuvas de grande intensidade, é necessário manter planos de contenção para evitar desastres humanitários como os registrados recentemente no Brasil.
"A principal ferramenta que a gente tem é o diagnóstico, que é entender a situação hoje, quais são as áreas que têm maior propensão à inundação e que têm maior vulnerabilidade", diz, acrescentando que o controle da ocupação do território é fundamental nesse processo.
Rezende explica que o dinamismo das cidades modernas e o modelo hídrico adotado estressam a vazão das águas e tendem a alagar novas áreas ao longo do tempo. Além disso, a urbanização permanece com um modelo de impermeabilização do solo. Nessa dinâmica, Rezende aponta que se mantém um sistema de adaptação que tende a se esgotar e por isso mesmo deve mudar de foco.
"Isso tem um limite, a cidade vai chegar a um momento em que não há mais espaço para aumentar o nosso sistema de drenagem, em que a cidade acabou ocupando todos os espaços naturais e a gente não tem mais solução. A busca que a gente tem hoje é de adaptar a cidade ao ciclo natural da água", afirma.
O pesquisador também ressalta que a ideia de risco, apesar da influência geográfica, depende especialmente da ocupação urbana. Com isso, o professor salienta que as tragédias humanas em eventos de inundação são problemas de origem social e não apenas natural, uma vez que o planejamento urbano pode reduzir riscos. Diante disso, ele alerta que o investimento nesse tipo de preparo vem caindo.
"A gente tem uma queda de investimentos nas ferramentas que podem nos preparar para agir, na medida que esses investimentos vêm ocorrendo. A gente precisa se preparar, e para se preparar a gente precisa desses investimentos nas ações de gerenciamento de riscos de desastres. Então, o que precisamos é retomar os investimentos para gerenciamento de riscos em todo o Brasil", conclui.

'Quem ajudou o povo foi o povo'

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), chegou a descrever a situação causada pelas chuvas como a maior tragédia da história baiana. Apesar da mobilização de recursos emergenciais, a crise na Bahia também ficou marcada pela polêmica ausência do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL), que estava de férias em Santa Catarina, e pela comoção nacional gerada pela situação nos municípios baianos.
© REUTERS / Amanda PerobelliEm Itabuna, no estado brasileiro da Bahia, José Eldes carrega a cama de seu irmão após inundações na região, em 27 de dezembro de 2021
Em Itabuna, no estado brasileiro da Bahia, José Eldes carrega a cama de seu irmão após inundações na região, em 27 de dezembro de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 12.01.2022
Em Itabuna, no estado brasileiro da Bahia, José Eldes carrega a cama de seu irmão após inundações na região, em 27 de dezembro de 2021
Diante da situação em sua cidade na Bahia, o comunicador Rick Trindade liderou uma campanha local de solidariedade, participando de uma rede civil e espontânea de dimensão nacional que se formou diante da tragédia. Além de artistas e movimentos sociais, cidadãos como o morador de Itabuna fortaleceram a criação de redes de solidariedade angariando doações. Trindade distribuiu itens como alimentos, colchões e roupas às famílias em sua região, montando cestas básicas com a ajuda de amigos e familiares.

"A gente distribui mais de 340 cestas básicas, 180 cobertores, mais de 160 colchonetes, acho que mais de 200 toalhas", lembra o morador de Itabuna, que também distribuiu água e até roupas íntimas diante da calamidade.

A distribuição de itens organizada pelos próprios cidadãos serviu como alívio importante, dado que o auxílio governamental na região não teve a mesma agilidade.
"Fizeram o cadastro, mas até agora muita gente não recebeu ajuda. A ajuda veio do povo", aponta Trindade. "Quem ajudou o povo foi o povo".

Danos permanentes

Em Minas Gerais, as chuvas intensas trouxeram à tona preocupações antigas. Desde o início da semana, a barragem de Carioca está sob risco de rompimento e dezenas de pessoas tiveram que deixar suas casas. O mesmo risco foi detectado em Mina do Pau Branco, próximo a Belo Horizonte. A situação de risco em barragens de Minas Gerais não é nova e remonta aos desastres de Mariana e Brumadinho, que somados deixaram quase 400 pessoas mortas e danos irreparáveis às famílias e moradores.
© Folhapress / Eduardo AnizelliVista aérea da lama do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)
Vista aérea da lama do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) - Sputnik Brasil, 1920, 12.01.2022
Vista aérea da lama do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)
Alexandra Andrade, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão Brumadinho (AVABRUM), conta que a vida na cidade mudou drasticamente após o que a ABRAVUM classifica como tragédia-crime da Vale na região, que já foi conhecida pelo turismo, mas hoje vive sob a memória do rompimento da barragem.
"Houve suicídios após o rompimento. Entre os familiares das vítimas muitos não tinham passado por psiquiatras ou psicólogos e hoje vivem à base de remédios. Então o ideal é não deixar acontecer, trabalhar na prevenção, porque depois que acontece é muito difícil voltar ao que era antes. Nós nunca mais teremos os nossos familiares conosco", explica Andrade em entrevista à Sputnik Brasil.
A residente de Brumadinho ressalta que o investimento na prevenção é o ideal. Diante da situação de risco de novos rompimentos, Andrade alerta que pouco mudou desde a tragédia em Brumadinho e teme que novas tragédias ocorram devido à falta de fiscalização e à impunidade.
"Nós sabemos que há muitas barragens em situação de risco e há poucos fiscais. As leis precisam ser mais rígidas e é necessário investir em prevenção. Brumadinho vai fazer três anos, Mariana fez seis anos. Então nós precisamos de ações preventivas para evitar o que aconteceu", alerta.
(Com colaboração de Everton Maia e Francini Augusto)
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