No dia 8 de dezembro do ano passado, com 395 votos a favor e 303 contra, o Parlamento alemão aprovou a nomeação do líder do Partido Social Democrata (SPD), Olaf Scholz, como novo chanceler do país.
Ex-prefeito da cidade de Hamburgo de 63 anos, Scholz prometeu continuidade política aos eleitores após 16 anos do governo de Angela Merkel, da União Democrata-Cristã (CDU), mesmo sendo candidato pelo rival, o Partido Social Democrata (SPD).
Sua maneira pragmática de lidar com a crise da pandemia rendeu-lhe muitos elogios e altos índices de aprovação, entretanto, críticos falaram sobre seu histórico quando era ministro das Finanças, acusando-o de fracassos em dois grandes escândalos financeiros, segundo a BBC.
Scholz inicia sua gestão em um momento delicado para política interna alemã – diante do baixo índice vacinação contra a COVID-19 e da crise migratória – e para política externa, perante as tensões entre OTAN e EUA (seus aliados) com a Rússia, país com o qual negociou o importante gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2).
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, se reúne com o chanceler alemão, Olaf Scholz, para discutir a crise na Ucrânia, em Berlim, Alemanha, em 20 de janeiro de 2022
© AFP 2023 / Annegret Hilse
Na concepção de Demetrius Pareira, especialista em questões da Europa e da União Europeia e professor de ReIações Internacionais da ESPM-SP entrevistado pela Sputnik Brasil, algumas diretrizes da era Merkel continuarão na administração Scholz, outras não.
No que diz respeito a mudanças, o especialista acredita que políticas ligadas à esquerda serão mais executadas, e que tal fato também influenciará na política externa do país, fazendo com que Berlim se aproxime de nações que seguem essa vertente, como Rússia e China.
"Essa dinâmica ficou clara no Brasil, por exemplo, quando o governo Bolsonaro [de direita] se distanciou dos países do BRICS, e quando olhamos para o governo Lula [de esquerda] havia um alinhamento maior com essas nações."
Com essa nova chefia, temas sociais terão mais valor, por exemplo os relacionados à Saúde e à Educação, entretanto, alguns pontos seguirão da mesma forma, principalmente no que diz respeito à União Europeia (UE): "A Alemanha vai prosseguir com a liderança do processo de integração do bloco junto à França", afirma.
No entanto, justamente por esse destaque alemão entre os membros do bloco europeu, o professor de História das Relações Internacionais da UERJ e doutor em políticas públicas, Roberto Santana, acredita que a comunicação com Moscou "continuará tensionada", uma vez que "a Alemanha sofre pressão dos EUA, da OTAN e dos países do Leste Europeu para uma postura mais dura com a Rússia".
"Há um interesse do capital alemão em uma relação mais amena com Moscou, principalmente por causa do Nord Stream 2, [...] gasoduto tão importante para a Europa [...]. Cabe a Alemanha saber se equilibrar entre a pressão que recebe de um lado e a importância de estabelecer uma paz com a Rússia por conta de seus próprios interesses", analisa.
Na visão do professor, apesar do país germânico ser uma potência, "seu peso nas agendas internacionais advém do fato dela ser o país com a maior economia dentro do bloco, e por consequência, ser a liderança. A Alemanha sozinha, sem a UE, não teria o espaço que tem".
"Esse comando do bloco por parte de Berlim, e também por parte de Paris, permite que esses países influenciem na política externa mundial em várias instâncias, por exemplo, nas negociações com o Irã sobre o acordo nuclear. Se fosse Alemanha ou a França, sozinhos, não aconteceria, a força vem através da liderança do bloco", afirma.
O presidente da França, Emmanuel Macron, e o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, batem os punhos após realização de coletiva de imprensa conjunta durante uma cúpula da União Europeia (UE), Bruxelas, 17 de dezembro de 2021
© AFP 2023 / John Thys
Olaf Scholz
Sobre o governo de Olaf Scholz, Santana não considera que uma "ruptura total" em sua política externa ocorra, e que caso isso aconteça, seriam necessários "casos muito marcantes", como "uma guerra na Ucrânia com a Rússia, por exemplo. Sendo que essa guerra hoje é muito mais uma peça de propaganda dos EUA do que uma realidade", afirma.
No que se refere à política interna, o professor indica que "o enfrentamento do governo ante o movimento, cada vez mais forte, de extrema direita no país, assim como o do negacionismo, dos antivacinas e da anti-imigração" se manterá sob a gestão do novo chanceler.
"A Merkel sempre foi advogada de um controle migratório de portas abertas. A Alemanha tem um contingente de imigrantes muito forte [...] e ela sempre advogou para que a UE recebesse e dividisse entre os diversos Estados as populações oriundas do Norte da África e do Oriente Médio, que fogem de conflitos apoiados pelo próprio bloco europeu, como a guerra na Síria e a destruição da Líbia", diz Santana.
Secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, durante briefing em Berlim, 18 de janeiro de 2022
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O especialista pondera que "hoje há essa contradição: a questão migratória passa por ter que receber pessoas que estão fugindo de confrontos criados pela própria OTAN", e Berlim, mesmo sob nova administração, "manteria a política de apoio e acolhimento aos imigrantes".
"O Scholz tem que comprovar, ao longo do seu governo, que ele tem a capacidade de manter a posição proeminente que a Alemanha conquistou durante estes anos da era Merkel. [...] Estrutura para isso tem, visto que o capital alemão está espalhado por toda Europa, principalmente no Leste Europeu, e na geopolítica, Berlim se apresenta como um ator importante diante das grandes potências."
Portanto, para Santana, "só depende do novo chanceler manter a prosperidade alemã".
Angela Merkel
Sobre o futuro de uma das mulheres mais poderosas e importantes da história contemporânea, ainda é incerto quais caminhos Merkel vai escolher após quase duas décadas na chefia da chancelaria alemã.
Recentemente, a ex-chanceler foi convidada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para a presidência de um conselho consultivo sobre bens públicos globais, convite que Merkel negou. Desde que deixou o cargo, a doutora em física tem vivido de forma discreta.
"Merkel pode estar enfrentando um período de estafa, e pelo que parece, já vinha apresentando alguns problemas de saúde, como não conseguir ficar de pé por muito tempo diante das câmeras. O que é normal, devido à sua idade e por todo trabalho que um chefe de Estado tem, ainda mais sendo da Alemanha", considera Santana.
Chanceler alemã Angela Merkel alimentando pássaros no Parque de Aves em Marlow, no norte da Alemanha, em 23 de setembro de 2021
© AFP 2023 / Georg Wendt
Portanto, "parece que ela quer merecidas férias [...], mas ainda não sabemos se essa é uma retirada definitiva da vida pública e política ou apenas um intervalo", complementa o professor.
Já Pereira acredita que a líder queira "realmente se aposentar" e talvez possa ser interpretada mais como "uma líder nacional do que internacional".
Ex-chanceler alemã Angela Merkel (à direita) se despede do novo chanceler Olaf Scholz (à esquerda) e dos funcionários após a cerimônia de transferência de poder em Berlim
© AP Photo / Markus Schreiber
Após quase duas décadas da chefia de Angela Merkel, Scholz tem muitos desafios pela frente.
Além de ter que demonstrar sua eficiência em manter o país germânico sendo a potência que é, Scholz tem diversas questões que lhe batem à porta, como a pandemia, a diplomacia para lidar com a OTAN e ao mesmo tempo com China e Rússia, as armas nucleares e o Nord Stream 2.