A adesão da Ucrânia à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não serviria aos interesses críticos de segurança da Aliança do Atlântico Norte, e a nação do Leste Europeu deveria ser dotada de neutralidade ao estilo austríaco para evitar a ignição acidental de uma Terceira Guerra Mundial, recomendou o tenente-general aposentado do Exército dos EUA, Dell Dailey.
Em um artigo para a revista The National Interest, Dailey e o colaborador, James P. Farwell, alertaram que "o tempo está ficando curto" para evitar uma conflagração e recomendaram uma estratégia de "equilíbrio" aos EUA, em vez da política tradicional de "contenção" em direção à Rússia.
"Essa noção não vê a Rússia como amiga ou aliada", declarou Dailey, enfatizando que o "equilíbrio" não equivaleria a qualquer tipo de capitulação a Moscou, mas sim um esforço para "encontrar um equilíbrio para uma ordem estável na Europa enraizada em relacionamentos de Estado para Estado de longo prazo".
A Rússia, sugeriu o general aposentado, não tem mais "ambições expansionistas" no estilo soviético, com o nacionalismo e os temores de revoluções coloridas apoiadas pelo Ocidente que dizem impulsionar as preocupações de segurança do Kremlin.
Assim, Dailey recomendou, em primeiro lugar, manter as repúblicas pós-soviéticas da Ucrânia e da Geórgia fora da aliança ocidental.
"Estas nações não gozam do direito de aderir à OTAN; a adesão é apenas para convidados. Os interesses de segurança ocidentais não exigem torná-los membros da OTAN, e o Ocidente, não precisa seduzi-los tão de perto que a Rússia sinta que tal relação equivalha à adesão", observou o oficial aposentado.
"A Ucrânia poderia aceitar um status semelhante ao da Áustria. A Áustria é uma democracia que faz negócios com todos os lados e mantém sua independência. Esse status não prejudicaria o Ocidente e removeria a ameaça da qual [Vladimir] Putin mais reclama. A Ucrânia precisa fazer parte dessa negociação", acrescentou.
A Rússia, por sua vez, deve aceitar os esforços de Kiev para construir "uma democracia de sucesso", de acordo com Dailey, e tanto Moscou quanto o Ocidente devem trabalhar em direção a algum tipo de "acordo mútuo" a fim de "parar de se intrometer nos assuntos internos um do outro" e também chegar a um acordo sobre implantações de mísseis.
Vladimir Putin, presidente da Rússia (à direita), e Joe Biden, presidente dos EUA, durante cúpula na Villa La Grange, em Genebra, na Suíça, em 16 de junho de 2021
© Sputnik / Mikhail Metzel
O ex-general também pede à Rússia que assuma um compromisso formal de não usar o gasoduto Nord Stream 2 (Corrente do Norte 2) "como alavanca política para influenciar a política europeia" e reprimir ataques hackers criminosos contra o Ocidente, seja pelo Estado russo, representantes ou grupos criminosos transnacionais que operem no país.
O ex-oficial também pede à Rússia e ao Ocidente que busquem "um terreno comum que reconheça a ameaça existencial representada pela ambição da China de estabelecer a supremacia militar e econômica global até 2049", alegando que "a conquista da China dessa ambição representaria um problema existencial, uma ameaça para ambos os lados".
Publicamente, a Rússia rejeitou os esforços das potências ocidentais de tentar construir um muro em suas relações com Pequim, com autoridades russas recentemente caracterizando os laços com o vizinho asiático como os "melhores de sua história" em meio a crescentes tensões com os EUA.
Ideia de Ucrânia neutra não é nova
A ideia de uma Ucrânia neutra situada entre a Rússia e a OTAN, cooperando com ambas, propostas por Dailey não é nova e serviu como política externa de fato do presidente ucraniano Leonid Kuchma (1994-2005).
A estratégia "multivetorial" de Kuchma, projetada para equilibrar os interesses orientais e ocidentais, contou com o apoio dos presidentes russos Boris Yeltsin e Vladimir Putin. Esse equilíbrio foi perturbado em 2005, com a vitória da Revolução Laranja, um golpe brando apoiado pelo Ocidente em Kiev que levou ao poder o presidente pró-OTAN e pró-União Europeia (UE), Viktor Yushchenko.
Yushchenko perdeu as eleições presidenciais de 2010, conquistando apenas 5,45% dos votos, e foi substituído por Viktor Yanukovych, um centrista frequentemente descrito por autoridades ocidentais como "pró-Rússia", mas que, como Kuchma, procurou manter a Ucrânia fora de qualquer aliança – quer seja a OTAN ou a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) liderada pela Rússia.
Protesto na praça Maidan em Kiev, 22 de fevereiro de 2014
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Yanukovych foi derrubado em uma segunda revolução colorida em 2014, depois de tentar desistir de assinar um acordo de associação da UE em favor da União Econômica da Eurásia (UEE), liderada pela Rússia. Autoridades dos EUA não fizeram segredo de seus esforços para puxar a Ucrânia para o oeste, com a subsecretária de Estado da era Obama, Victoria Nuland, se gabando abertamente, em 2014, sobre como os Estados Unidos gastaram US$ 5 bilhões (cerca de R$ 27 bilhões) para "promover a democracia" na Ucrânia desde 1991.
O golpe de 2014 desencadeou a atual crise nas relações entre a Rússia e o Ocidente, com a Crimeia se separando da Ucrânia e se juntando à Rússia, uma guerra civil eclodindo em Donbass depois que os moradores locais se recusaram a reconhecer as novas autoridades em Kiev.
Nos últimos meses, os EUA e seus aliados da OTAN acusaram a Rússia de se envolver em uma escalada militar nas fronteiras da Ucrânia, ostensivamente para realizar uma suposta "invasão" do país. Moscou rejeitou repetida e vocalmente essas alegações e acusou o Ocidente de aumentar o medo da guerra para justificar a militarização do bloco ocidental da Europa Oriental.
Alternativas para a paz
Em dezembro, a Rússia ofereceu aos EUA e à OTAN um par de propostas de segurança abrangentes destinadas a acabar com a crise – recomendando que ambos os lados reduzissem significativamente o envio e as operações de tropas, mísseis, aeronaves e navios de guerra em áreas onde possam ser percebidos como uma ameaça para o outro lado.
A Rússia também pediu aos EUA e seus aliados que abandonassem os planos de incorporar a Ucrânia ou qualquer outra república pós-soviética ao bloco e solicitou que a OTAN limitasse o envio de tropas e equipamentos militares em países que aderiram à aliança desde o fim da Guerra Fria.
Na quarta-feira (26), os Estados Unidos e a OTAN forneceram à Rússia respostas formais por escrito às suas propostas de segurança. Em uma coletiva de imprensa, o secretário de Estado, Antony Blinken, indicou que a Rússia foi informada em termos inequívocos de que a Ucrânia permaneceria livre para escolher suas próprias alianças.
Na quinta-feira (27), o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, lamentou que os EUA não tenham respondido positivamente às propostas centrais do conceito de garantia de segurança da Rússia – a expansão da OTAN para o leste e a implantação de sistemas de ataque ofensivos.