A candidatura à Presidência da República de Ciro Gomes saiu do papel e foi formalmente lançada pelo seu partido, PDT, em cerimônia na sua sede em Brasília, no dia 21 de janeiro.
Ciro garantiu que sua candidatura é ''pra valer'' e saudou seus correligionários, ao som de jingle que entoa ''a rebeldia da esperança''.
Apesar da desenvoltura, recente pesquisa da Modalmais/Futura Inteligência colocou Ciro em uma posição pouco vantajosa: o pré-candidato aparece como a segunda opção de voto de parcela dos eleitores do ex-presidente Lula.
Ciro Gomes ao lado do ex-presidente Lula, em encontro no Instituto Lula
© Foto / Ricardo Stuckert / Instituto Lula
O resultado indica que a estratégia de Ciro Gomes de se desvencilhar de Lula e das pautas associadas ao petismo pode ter falhado.
Cansado de amargar a vice-liderança na esquerda e de dividir memes com o ex-piloto de fórmula 1 Rubinho Barrichello, Ciro Gomes abandonou a estratégia de campanha ''paz e amor'' e adotou abordagem mais combativa.
No novo tom, nesta quinta-feira, 27 de janeiro, Ciro expressou sua visão acerca de seus competidores na corrida rumo ao Palácio do Planalto.
''Considero Moro um inimigo da República, considero o Bolsonaro um inimigo da República e o Lula eu tenho o respeito de tratar como um adversário. Mas as pessoas querem que eu diga que o Lula foi perfeito? Ele traiu a causa, vendeu o Brasil aos banqueiros'', disse Ciro em entrevista à Rádio Nova Brasil FM, de São Paulo.
React com o Itamaraty
Quando o assunto é política externa, Ciro busca se diferenciar de Lula fazendo declarações que incomodam a setores tradicionais da esquerda, como classificar a ilha de Cuba como uma ditadura.
''Desde o ano passado, Ciro indica que quer se distanciar do pensamento petista [em política externa]'', disse o doutorando em Relações Internacionais e pesquisador do Observatório do Regionalismo João Victor da Motta Baptista à Sputnik Brasil. ''Dizer que Cuba é uma ditadura, ainda que criticando o bloqueio econômico, é algo que nunca sairia da boca de um presidente petista.''
Segundo ele, a política externa petista ''pesa um pouco mais a mão na questão ideológica [...] enquanto a de Ciro, escrita pelo PDT, tem uma discussão quase terceiro-mundista, querendo colocar o Brasil como grande player internacional não alinhado''.
Para Baptista, apesar de Lula e Ciro serem ''ambos multilateralistas, as relações com América Latina e África destoam em alguns elementos''.
''Já no plano de governo de Ciro de 2018, ele fazia críticas diretas à forma com a qual o presidente Lula dialogava com o continente africano'', disse Baptista. ''Ele critica o uso que os governos petistas fizeram das empreiteiras brasileiras na África, com apoio do BNDES.''
No entanto, o foco na necessidade de reindustrializar a economia brasileira deve levar Ciro a dialogar com os países do Mercosul, principalmente sobre temas como a integração das cadeias produtivas regionais.
Desenvolvimentismo de centro
A industrialização é a chave para compreender a política externa idealizada por Ciro Gomes, que recupera elementos clássicos do desenvolvimentismo das décadas de sessenta e setenta.
''São termos que a gente já conhece, que sugerem uma política de não alinhamento e independência frente às potências centrais [...] para atingir objetivos como a substituição de importações e investimento em infraestrutura'', explicou Baptista.
Essa cartilha retoma o objetivo clássico da política externa brasileira, que é ser um instrumento para o desenvolvimento econômico do país.
O ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), durante entrevista ao programa de entrevistas da Folha e do UOL, em estúdio compartilhado em Brasília (DF)
© Folhapress / Pedro Ladeira
''Não é possível dizer que isso é uma política de esquerda, até porque governos militares seguiram essa linha. É uma política externa autônoma'', disse o especialista.
Acordos comerciais
Para proteger a indústria brasileira Ciro pode não ser tão receptivo a acordos comerciais que ''abram o mercado interno brasileiro sem reciprocidade clara''.
Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu
© Valter Campanato/ Agência Brasil
Por outro lado, a vice de Ciro, Kátia Abreu, representa o agronegócio, que costuma ser receptivo a acordos como o firmado entre Mercosul e União Europeia.
Baptista não vê contradição entre o desenvolvimentismo de Ciro e a aliança com o agronegócio, lembrando ser possível ''conciliar esses dois elementos'':
''Políticas de substituição de importações têm espaço para as commodities, que seriam processadas para obter produtos de mais alto valor agregado. Essa é a cartilha desenvolvimentista'', acredita o Baptista.
Além disso, o pesquisador lembra que o agronegócio é plural e agrega lideranças com ''pensamentos distintos''.
''Apesar da Kátia Abreu ter historicamente a alcunha de 'rainha da motosserra', ela consegue dialogar muito mais sobre a agenda ambiental do que outras pessoas no setor. Então não acho incoerente [a aliança com Ciro]'', lembrou Baptista.
Tony Blair pós-pandemia
Em um eventual governo de Ciro Gomes, poderíamos apostar em uma política externa proativa, com papel relevante para a diplomacia presidencial.
''Ciro tem interesse de fato e palpita muito sobre diplomacia'', disse Baptista. ''E como ele está querendo uma agenda econômica de desenvolvimento, isso passa necessariamente pela política externa.''
Conhecido por ter personalidade forte e ''não se ausentar dos debates'', Ciro imprimiria uma marca pessoal à imagem internacional do Brasil.
''Considerando a persona que Ciro construiu, acho que a atuação dele nos lembraria muito a agenda do [ex-primeiro-ministro britânico] Tony Blair dos anos noventa, da terceira via clássica'', acredita Baptista.
Ex-premiê britânico Tony Blair e ex-presidente norte-americano George W. Bush
© AFP 2023 / Saul LOEB
Mas ele ressalta: ''Não a terceira via que a gente convencionou chamar aqui no Brasil no contexto eleitoral. Mas sim a do discurso de líderes como [o ex-presidente dos EUA] Bill Clinton, do [ex-presidente brasileiro] Fernando Henrique Cardoso, mas com ênfase em política industrial''.
''É um discurso pós-socialista, segundo o qual, como não há alternativa ao capitalismo, devemos nos conformar em melhorar o sistema que temos'', explicou. ''Nos restaria construir uma sociedade pautada em valores de desenvolvimento, autonomia, mas sem a bipolaridade ideológica.''
Antes de superar a bipolaridade entre o socialismo e capitalismo mundiais, no entanto, Ciro deve derrotar a polaridade entre Lula e Bolsonaro dentro de casa.
Apesar do entusiasmo, Ciro apresenta dificuldade para decolar nas pesquisas. Em levantamento Ipespe, publicado na quinta-feira, 27 de janeiro, Ciro aparece com 8% das intenções de votos, tecnicamente empatado com o Sergio Moro. O ex-presidente Lula atinge 44% dos votos e Jair Bolsonaro entre 24 e 26%.