Na terça-feira (1º), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou que a elevada onda de desemprego na América Latina, impulsionada pela pandemia, pode durar até 2023 ou 2024, segundo a IstoÉ Dinheiro.
A organização afirma que, apesar de 2021 ter apresentado uma leve recuperação econômica de 6%, nem todos os empregos perdidos pela crise sanitária foram recuperados. Dos 49 milhões de postos de trabalho perdidos, cerca de 4,5 milhões ainda precisam ser readquiridos.
"Ao começar 2022, estima-se que existam, no total, 28 milhões de pessoas procurando uma ocupação. Cerca de quatro milhões correspondem a pessoas que se juntaram às fileiras do desemprego devido à crise da pandemia", destaca o relatório regional da OIT.
Na análise da organização, o panorama trabalhista é incerto, sobretudo com a persistência das variantes da COVID-19, que podem fazer a perspectiva de um crescimento econômico medíocre prolongar este ano.
Pessoas olham para anúncios de vagas na Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo (foto de arquivo)
© Folhapress / Mathilde Missioneiro
Além do baixo crescimento econômico, outros pontos que corroboram para a crise do emprego na região são a falta de atração para investimentos estrangeiros e uma alta taxa de pessoas em faixa etária jovem, ou seja, há muita mão de obra para poucas vagas de emprego, explica Marcelo Neri, ex-presidente do IPEA, ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013-2015), e pesquisador de assuntos do Brasil e América Latina entrevistado pela Sputnik Brasil.
Jovens sem expectativa
Sobre a população juvenil, o especialista conta que quase 30% dos jovens brasileiros não enxergam uma expectativa de crescimento através do trabalho no país, o que também leva a uma "fuga de cérebros que acaba agravando o problema do mercado de trabalho".
"Hoje, no Brasil, temos 50 milhões de jovens. No final do século serão 25 milhões. Essa quantidade de pessoas na mesma faixa etária significa alto grau de concorrência."
Assim como no Brasil, a Argentina também sofre com o problema do "êxodo juvenil". No entanto, Neri destaca que no caso de Buenos Aires há uma diferença, uma vez que o país tem "um dos maiores níveis educacionais quando comparado a outros países da América Latina", o que mostra que "só a educação não basta", tem mesmo que haver uma boa situação econômica para que os jovens permaneçam no país de origem.
"Resumindo, o que colabora para o jovem querer tentar a vida em outros países é a falta de perspectiva econômica, a alta concorrência pela quantidade de pessoas com a mesma idade e as incertezas em função da pandemia", diz o analista.
Ainda segundo Neri, como foi destacado na pesquisa da FGV Social, entre 2011 e 2014, 20,1% dos jovens preferiam migrar, em 2019, esse número subiu para 47%. Na visão do especialista, uma legislação específica para essa faixa etária, na qual permita a união entre estudo e trabalho, seria uma alternativa interessante para esse grupo criar maiores raízes no próprio país.
"Quando olhamos para os dados do fluxo migratório do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, vemos que de fato, em 2020, foi batido um recorde de brasileiros fora do país, com cerca de 4,2 milhões de pessoas no exterior."
Entretanto, não é só com mão de obra mais qualificada que acontece o movimento do êxodo, em áreas que possuem nível educacional mais baixo, como o setor agrícola, também se observa a mesma dinâmica.
Para Neri, "a instabilidade do preço das commodities, a situação fiscal dos países, a substituição de mão de obra no agronegócio e os programas sociais, que permitem uma maior retenção da população" são fatores que colaboram para esse êxodo.
Na foto, jovens desempregados procuram vagas de emprego em São Paulo, 11 de janeiro de 2022
© Folhapress / Saulo Dias
Em relação ás áreas que mais sofrem com a questão do desemprego, Neri aponta "o setor de serviços" como o mais prejudicado. Porém, ao mesmo tempo, conta que "o setor agrícola e de indústria extrativa tiveram um crescimento positivo na América Latina".
Se a instabilidade no mercado de trabalho pode agravar ainda mais as situações de desigualdade de gênero, etnias e classes no mercado de trabalho, o especialista acredita que sim, mas pontua que ela acontece de formas diferentes.
Moradores da favela Heliópolis em SP na Marcha da Panela Vazia. A iniciativa tem como objetivo chamar a atenção para a grave crise de desemprego, falta de renda, carestia e a fome que afeta milhares de famílias, 21 de novembro de 2021
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"Sobre gênero, no caso das mulheres, elas atingiram um nível de educação que ultrapassou os homens, o desafio delas está mesmo na inserção no mercado de trabalho e chegar a lugares com melhor remuneração. Já os grupos étnicos a dificuldade é dupla, visto que é um desafio de educação – por não ter tido uma revolução educacional para grupos afrodescendentes, por exemplo – e de preconceito e discriminação no mercado."
Uma solução apontada por Neri para reduzir o impacto no mercado de trabalho é uma combinação mútua entre a busca pelo crescimento econômico e a criação de políticas que reduzam a desigualdade e gerem inclusão social, de forma simultânea, para assim tirar a "região da estagnação".
Apesar da alta porcentagem de desemprego na América Latina, o problema também atinge outros países, como no Paquistão, onde membros do Jamaat-e-Islami protestam contra o desemprego perto da cidade de Peshawar, 24 de setembro de 2021
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No Brasil, segundo dados do IBGE, o trabalho informal continua a ser o maior impulsionador de novos postos de trabalho. São 38,2 milhões de pessoas empregadas na área. Hoje, a informalidade chegou a 40,7% no país.
No entanto, o cenário de informalidade se traduz em um rendimento menor para os trabalhadores. O rendimento real caiu 4,6% no trimestre encerrado em outubro, chegando a R$ 2.449. Na comparação anual, a queda foi ainda maior, de 11,1%.