Portos abertos: quais são os prós e contras da desestatização portuária no Brasil?
17:32, 7 de fevereiro 2022
O que está em jogo com a privatização dos portos? A soberania nacional está em risco, ou a iniciativa privada conseguirá operar este setor estratégico para a economia brasileira? Em entrevista à Sputnik Brasil, economista e sindicalista divergiram sobre o assunto.
SputnikAconteceu hoje (7) mais uma audiência pública que antecede o processo de desestatização dos portos no Brasil. Até o dia 25 de março, quando acontecerá, na B3, o leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), a primeira desestatização portuária da história do Brasil, o governo federal espera obter contribuições e sugestões para o certame licitatório.
O Ministério da Economia projeta para 2022, no plano de desestatização, os portos de Vitória (ES), Santos (SP), São Sebastião (SP) e Itajaí (SC). A promessa do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, é que a "desestatização trará investimentos em massa, gerará empregos e transformará a logística do Brasil".
A questão envolvendo a logística do país, segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil, é o grande problema quando o assunto é a privatização portuária. Para além da discussão sobre os prós e contras para o setor, é preciso perguntar: há risco para a soberania do Brasil se as empresas privadas assumirem controle dos portos do país?
O economista Eduardo Amazonas e o presidente da Federação Nacional dos Estivadores, José Adilson, partilham do entendimento de que são necessárias reformas modernizantes nos portos brasileiros. Porém, quando o assunto é soberania nacional e a relevância portuária para o setor de exportações, as opiniões sobre privatizações foram distintas.
O que diz o governo federal?
Em mais de uma oportunidade nos últimos meses, o ministro da Infraestrutura afirmou que "o Brasil está caminhando para ter a estrutura mais privada do mundo". A frase é comumente proferida em tom de progresso. Em 2021, o governo brasileiro anunciou com orgulho a privatização de 13 terminais portuários. No total, foi gerado R$ 1,8 bilhão em investimentos.
Os números são apresentados como uma vitória e uma resposta aos que criticam a forma como a economia do Brasil está sendo conduzida. No leilão da Codesa, que administra os portos de Vitória e Barra do Riacho, marcado para março, o Ministério da Infraestrutura espera garantir de R$ 783 milhões em investimentos privados para um contrato de concessão de 35 anos.
8 de fevereiro 2021, 23:41
Para o terceiro trimestre de 2022, está previsto lançamento do edital para a privatização do Porto de São Sebastião, que tem investimentos estimados em R$ 574 milhões. Logo em seguida, na mesma região, está a
galinha dos ovos de ouro do governo federal, o Porto de Santos, o maior e
mais importante do Brasil.
Para Santos "são R$ 16 bilhões de investimentos, com aprofundamento de canal, de 15 para 17 metros, e investimentos em acesso, tanto ferroviário quanto rodoviário", comentou o ministro Tarcísio Freitas, acrescentando que "vamos pegar o maior porto da América Latina e transformar no maior porto do Hemisfério Sul".
Eduardo Amazonas entende que o ponto positivo das privatizações dos portos são os investimentos que o país receberá. "O Porto de Santos será privatizado por R$ 16 bilhões. O governo vai arrecadar um bom dinheiro, e com isso vai modernizar esses portos", comentou.
Entre as grandes ambições e a certeza de que o país será realocado nos trilhos do crescimento econômico, há quem discorde das previsões do governo. José Adilson explicou que há um evidente problema que está sendo ignorado: "Como vai ser administrada a visão pública do porto?", questionou.
Privatização: uma questão financeira
José Adilson defende que os portos brasileiros precisam ter uma visão pública, um fim para o povo brasileiro. Para ele, se um ente privado controla o canal de acesso ao país, as consequências serão catastróficas. "Como entregar uma ferramenta tão estratégica para um ente privado?", questionou. Segundo ele, a privatização portuária "afetaria para sempre a definição da política portuária regional".
Neste sentido, ele entende que é necessário repensar a política dos portos no Brasil.
"Nós defendemos um conselho de autoridade portuária, tripartite, isto é: que tenha participação dos trabalhadores, dos patrões e das autoridades públicas. Isso ajuda o debate acerca das estratégias da política portuária que será desenvolvida", afirmou.
Atualmente, o Estado é responsável pelo controle sobre as operações nos portos, como a fiscalização, feita pela Autoridade Portuária. Com as mudanças previstas para este ano, é estimado que os empresários, ao pagar dividendos para acionistas e concorrendo com outras empresas, façam as tarifas portuárias subir. Com isso, há o temor de que estados e municípios percam com a fuga de cargas.
Segundo José Adilson, é inviável definir uma política portuária quando o ente que controla os portos é privado, e não possui uma concepção pública. Além disso, explicou, "quando vier a privatização, todos os trabalhadores das áreas portuárias estão ameaçados. Quando se privatiza, sempre se reduz custo para ganhar sobre a mão de obra portuária".
Mesmo o economista Eduardo Amazonas, favorável ao processo de privatização, fez algumas ressalvas tendo em vista o histórico recente do Ministério da Economia: "Precisamos avaliar se a privatização é lucrativa para o país ou se serve apenas para cobrir a dívida pública. Isso pode gerar algumas falhas no processo de privatização, como aconteceu na BR Distribuidora", comentou.
"Ela foi
vendida por cerca de R$ 11 bilhões, mas dava um lucro de R$ 3 bilhões por ano. Ela não deveria ter sido privatizada". O especialista ainda citou outros exemplos de recentes processos de privatização que foram conduzidos de forma equivocada, como "a refinaria da Bahia, Mataripe, que
aumentou o preço da gasolina logo que passou ao controle da iniciativa privada".
1 de dezembro 2021, 11:25
'A privatização que queremos'
Na avaliação de José Adilson Pereira, o governo de Jair Bolsonaro é representado pelo setor patronal "em todos os seus ministérios". Embora compreenda que existe uma necessidade de reformar os portos brasileiros, o estivador faz questão que a "autoridade portuária seja pública", dado que as operações privadas não são um problema.
Segundo ele, é preciso desburocratizar. "Para se fazer um investimento, é muito complicado, é muito burocrático, e é preciso ser menos. É preciso repensar a forma de utilizar os portos, principalmente a partir de um processo de desburocratização das atividades de investimento", defendeu.
"Nós defendemos o modelo onde a autoridade portuária faz o investimento, cuida da infraestrutura, e o ente privado faz a operação e cuida da superestrutura do porto. Mas dessa forma que o governo está fazendo, às pressas, relegando o papel do Estado ao segundo plano, isso nós não podemos concordar", afirmou.
O ponto apresentado pelo sindicalista, de que é necessário controle do Estado sobre os portos, é refutado pelo economista. Para Eduardo Amazonas, "o grande problema portuário no Brasil é que os sindicatos dos estivadores têm um domínio sobre as contratações. Um porto no Brasil não pode funcionar 24 horas por dia em função disso".
"Ou o governo muda as leis, e assim evita confrontos com os sindicatos, promovendo uma mecanização da mão obra, ou estaremos nas mãos dos sindicatos portuários. O Brasil precisa dessa mudança", comentou.
Como estão os portos brasileiros?
As mudanças que o economista entende como necessárias remontam a um caso de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, quando a então presidente buscou aprovar a MP dos Portos. O texto foi posteriormente sancionado com 13 vetos, entre diversas ameaças de greves dos estivadores, que poderiam ter paralisado o governo federal e o setor de exportações no Brasil.
Na época, a reivindicação sindical era sobre uma emenda que expandia aos terminais privados a obrigatoriedade de contratar trabalhadores via Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo). Havia o temor de que o dono da carga optasse pelos terminais privados, esvaziando os portos públicos e, consequentemente, a oferta de trabalho aos portuários escalados via Ogmo.
"Do jeito que está, o Brasil não tem credibilidade internacional". A opinião do economista Eduardo Amazonas é que os investidores se "assustam" com episódios semelhantes. Para ele, o país só receberá investimento estrangeiro via privatização. Isso acontece, segundo ele, "porque nenhum investidor se arriscará no Brasil, porque a nossa economia é instável".
"Além disso, há a questão dos juros, que pode chegar ao fim do ano em 12%. Isso é outro problema para privatizações. Uma empresa vai ter que ganhar no mínimo 10% de lucro por ano, ou então é melhor aplicar no mercado financeiro. Uma taxa boa de juros atrai bons investimentos", comentou.
Soberania e logística
"Um país sem logística não é competitivo". A opinião de Eduardo Amazonas parte do princípio de que a soberania de um país diz respeito à sua autonomia, ao poder político e de decisão dentro de seu respectivo território nacional, principalmente no tocante à defesa dos interesses nacionais.
Embora compreenda que mudanças são essenciais, "é preciso regras, como, sustentabilidade e geração de empregos. Afinal, se você começa a cortar a mão de obra, cortar os salários, haverá perdas no consumo. Ao privatizar, é sempre preciso pensar no que fazer com os trabalhadores que serão demitidos".
O sistema portuário brasileiro conta com uma costa de 8,5 mil quilômetros navegáveis, sendo que o Brasil é um país que movimenta anualmente cerca de 700 milhões de toneladas de diversas mercadorias, respondendo sozinho por mais de 90% das exportações.
Entretanto, a necessidade de mudanças no sistema portuário brasileiro é iminente. Em um ranking com 144 países feito pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 135ª posição no item qualidade dos portos.
Nossos portos são mais caros e mais ineficientes do que os de países desenvolvidos e outros emergentes. Para termos uma noção, operar na zona portuária de Suape, em Pernambuco, custa cinco vezes mais do que em Cartagena, na Colômbia.
Outro agravante no sistema portuário brasileiro são as estruturas obsoletas e equipamentos sucateados. Elevando os custos dos serviços portuários e, muitas vezes, danificando ou prejudicando a mercadoria. Embora tenhamos elevadas produções brasileiras, não temos condições de
entregar nos prazos por conta de falhas no transporte.
Além disso, não bastam somente investimentos nas estruturas portuárias, mas também nas alternativas logísticas para o escoamento das mercadorias. O país, no momento, é altamente dependente do transporte viário. Com os constantes aumentos no preço da gasolina, o consumidor continuará pagando a mais, independente da qualidade dos portos do país.