O professor de publicidade Flaviano Quaresma sobe a serra fluminense duas vezes por semana para dar aulas da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). No final da tarde da terça-feira (15), sua rotina como docente foi interrompida pela tragédia que impactou a cidade serrana.
"Quando consegui sair [da universidade] com mais um professor vimos o estado em que estava a cidade: muita lama, muita pedra, as praças destruídas, gradeados contorcidos. A cada passo que a gente dava era sempre um cenário desolador", relatou o professor em entrevista à Sputnik Brasil, acrescentando que não conseguiu deixar a cidade no mesmo dia.
Em Petrópolis, no estado brasileiro do Rio de Janeiro, carros são vistos empilhados após inundação, resultado de fortes chuvas na região serrana fluminense, em 16 de fevereiro de 2022
© Folhapress / Alexandre Neto/Photo Press
Quaresma explica que caminhando pela cidade se deparou com cenas de "verdadeiro terror" ao ver corpos pendurados em pontes e presos em galhos, enquanto os moradores tentavam escapar da região.
"Muita gente assustada, muita gente querendo sair daquela situação, daquele lugar e entrando em alagamentos. Quando elas se deparavam com os corpos que estavam presos, principalmente na área do rio [Piabanha] na rua da Imperatriz, elas ficavam mais assustadas ainda, crianças, idosos que ainda estavam nas ruas", conta o professor, que diante de relatos de arrastões e tiroteios em meio ao caos na cidade, permaneceu em um hotel até a manhã seguinte.
Nos últimos meses, as chuvas deixaram rastros de destruição em diversos estados brasileiros. Cenas de caos e dezenas de mortos foram registradas em várias cidades de Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo e São Paulo, além da região serrana do Rio de Janeiro, que em 2011 passou por uma tragédia semelhante com quase mil mortos.
Segundo declarações do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), a chuva que atingiu Petrópolis essa semana foi a pior desde 1932, chegando a 240 milímetros em duas horas. A cidade decretou estado de calamidade pública enquanto mais de 500 bombeiros trabalham no resgate das vítimas e as chuvas continuam.
Em Petrópolis, voluntários e bombeiros buscam sobreviventes após deslizamento de terra em meio às fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, em 17 de fevereiro de 2022
© Folhapress / Celso Barbosa/Código 19
Tragédia poderia ter sido menor, explica especialista
Para o engenheiro civil Matheus Martins, especialista em drenagem urbana e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse tipo de evento é "praticamente impossível de prever", uma vez que os modelos meteorológicos não estão prontos para a previsão de chuvas concentradas em pequenas regiões.
Segundo o especialista, para evitar tragédias como a de Petrópolis é preciso identificar áreas de risco - suscetíveis a alagamentos, enxurradas e deslizamentos - e evitar a ocupação desses territórios. Nas áreas em que isso não for possível, um caminho pode ser a criação de planos de alerta e comunicação para a rápida evacuação das áreas.
"Em situações normais podemos tentar atuar reduzindo os efeitos da chuva sobre a cidade construindo canais, galerias, reservatórios, obras de contenção de encostas. Mas para uma chuva com um volume e intensidade tão fora do normal é inviável tentar seguir esse caminho. Para esses casos temos que atuar tentando reduzir a quantidade de pessoas que possam estar expostas diretamente a essa situação", afirma o engenheiro em entrevista à Sputnik Brasil.
Vista aérea de resultado de deslizamento de terra após fortes chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Petrópolis, 16 de fevereiro de 2022
© Folhapress / Eduardo Anizelli
Para Martins, dificilmente alguma região passaria pelo que houve em Petrópolis sem perdas, mas seria possível reduzir a magnitude da tragédia. Dessa forma, o especialista aponta que o poder público é o responsável por avaliar os riscos e agir para minimizar o número de pessoas expostas, mas essa atuação é deficiente no Brasil inteiro.
Apesar da influência das mudanças climáticas em eventos como esse, o especialista ressalta que esse tipo de fenômeno natural não é novo e que as cidades precisam estar preparadas para tais eventualidades.
"O Rio de Janeiro tem um histórico técnico muito bom nessa área e vem desenvolvendo ferramentas administrativas para melhor gerir as cidades, em especial a região metropolitana. Entretanto, quando a necessidade esbarra no mercado imobiliário, na falta de vontade política e na necessidade de investimentos, a situação é mais difícil. Ou seja, os avanços técnicos que conseguimos através de anos de dedicação em pesquisas sérias, nem sempre são implementados", lamenta o engenheiro.