Governadores podem reajustar salários de servidores em ano eleitoral? Entenda o que diz a lei
09:00, 24 de fevereiro 2022
A Sputnik Brasil explica a legislação por trás dos recentes reajustes salariais anunciados por governadores e de que forma as medidas afetam o cenário político para as eleições de 2022.
SputnikMuitos servidores públicos com salários achatados pela alta da inflação e pela falta de reajustes nos últimos anos comemoram agora um aumento tão esperado.
Entre o fim de 2021 e o início deste ano, ao menos 12 governos estaduais
anunciaram correções de salários a uma ou mais categorias do segmento, conforme
noticiou a Folha de S.Paulo.
Em São Paulo, por exemplo,
João Doria (PSDB) reajustou em
20% o salário de profissionais da Saúde e Segurança Pública e em
10% o dos demais setores, incluindo aposentados. A decisão entra em vigor a partir de 1º de março.
No Rio de Janeiro, a recomposição salarial foi de 13% e englobou servidores públicos ativos e inativos e pensionistas do estado. O aumento já passou a valer sobre a folha de janeiro, paga em fevereiro.
Bahia, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Sul, Amazonas, Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal também já anunciaram reajustes a servidores. Outros três estados (Roraima, Acre e Piauí) informaram que pretendem elevar as remunerações ainda neste ano.
Entre os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil não há muitas dúvidas de que os salários dos servidores brasileiros, de fato, precisavam de correções.
Para se ter uma ideia, o reajuste de 13% no Rio corresponde à metade do IPCA acumulado entre 6 de setembro de 2017 e 31 de dezembro de 2021. Ou seja, no caso do governo fluminense, a recomposição sobre a perda do poder de compra dos últimos quatro anos é apenas parcial.
A partir deste raciocínio, porém, surgem as dúvidas no âmbito político: o que diz a lei sobre os aumentos em anos de votação? Por que os reajustes só foram concedidos em 2022, justamente quando há eleições? Qual é o peso da medida na campanha? Quais serão os impactos sobre os governos sucessores? Os reajustes não deveriam seguir uma periodicidade independente do calendário eleitoral?
"Essa pressão fiscal em momentos eleitorais é quase um dado da própria política. Estudos comparados mostram que isso ocorre em quase todos os países do mundo", indicou a cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A especialista lembra que muitos países — inclusive o Brasil — criaram leis para evitar efeitos eleitorais às vésperas do pleito. Por aqui, dos 180 dias que antecedem a votação até a virada do ano, os agentes públicos são proibidos de autorizar reajuste salarial geral a servidores que supere a inflação do período.
A proibição de reajuste acima da inflação está fixada na
Lei nº 9.504/1997 (artigo 73, inciso VIII) e na Resolução do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
nº 22.252/2006.
"Percebeu-se que, em contextos pré-eleitorais, os mandatários se sentem muito estimulados a conceder reajustes. Esse é até um argumento usado contra a reeleição, que a meu ver não é muito válido, porque mesmo que o político não concorra à reeleição, sempre vai ter alguém que ele apoie, que seja da sua correlação de forças ou do seu partido", disse Goulart.
A cientista política avalia que as reposições salariais de servidores deveriam acompanhar a inflação, assim como ocorre com o salário mínimo federal, reajustado todos os anos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Sobre os servidores públicos, a Constituição Federal brasileira determina que a remuneração e outros subsídios "somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica", desobrigando os governos federal, estadual e municipal de realizar o reajuste automático.
"Deveria ser automático. Mas apenas em casos positivos, ou seja, quando a inflação sobe. Não sou a favor de reajuste automático em casos de deflação, pois é um contexto de crise econômica", apontou a professora da UFRJ.
Peso nas eleições
Com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), conforme
publicado pelo UOL, o Brasil tinha 11,9 milhões de pessoas que se declaravam empregados do setor público no trimestre até fevereiro de 2021.
Daqui a pouco mais de sete meses, em 2 de outubro de 2022, essa parcela da população — assim como outros segmentos de eleitores — vão às urnas para eleger presidente, governador, senadores e
deputados federais e estaduais.
José Paulo Martins Junior, cientista político e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), diz que não é fácil mensurar o peso do reajuste na escolha dos candidatos.
Segundo ele, porém, a medida "certamente ajuda governadores a melhorar sua imagem junto a um segmento importante do eleitorado, que são os servidores públicos".
"Por outro lado, poderá comprometer a imagem junto àqueles que acreditam na importância de enxugar os gastos públicos. No fim das contas, o balanço deve ser positivo, porque, se não fosse, os governadores não fariam", avaliou.
Para Mayra Goulart, da UFRJ, há uma correlação entre o perfil dos segmentos beneficiados com os reajustes e a base eleitoral dos governadores que assinam a medida.
"É interessante como os perfis dos governadores podem ser mapeados a partir desses segmentos corporativos que estão mais próximos deles. Governos do espectro bolsonarista, por exemplo, provavelmente vão conceder reajustes para pessoas da área da Segurança, em detrimento de outras como Educação e Saúde", analisou.
Por isso Martins Junior afirma que é preciso estabelecer uma política pública para o funcionalismo, com planos de cargos e salários, metas e avaliações de desempenho. Uma decisão nesse sentido, segundo ele, impediria aumentos apenas em anos eleitorais.
"Essas políticas retirariam das mãos do governador o poder discricionário de conceder ou não os reajustes", disse.
22 de fevereiro 2022, 15:17