O processo de licenciamento do maior empreendimento de exploração de urânio do Brasil, o Projeto Santa Quitéria, no Ceará, voltou a progredir, segundo o jornal Folha de São Paulo.
No projeto conjunto de mineração na jazida de Itataia, localizada entre os municípios de Santa Quitéria e Itatira, a 217 km de Fortaleza, o fosfato (que representa mais de 90% do volume de minério) e o urânio são encontrados de forma associada.
O intuito da exploração do local é produzir fertilizantes fosfatados de alto teor destinados à agricultura, assim como fosfato bicálcico e concentrado de urânio para produção de energia elétrica, conforme informado pelo site das Indústria Nucleares do Brasil (INB) do governo federal.
Concentrado "Yellow Cake", produzido pela usina da Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), durante análise no laboratório da empresa. O concentrado é resultado da aplicação de ácidos sobre o urânio em estado mineral
© Folhapress / Sérgio Lima
A Folha relata que o projeto entrou agora em uma nova rodada de análises e que as audiências públicas já foram liberadas pelo IBAMA. Os debates devem ocorrer nos próximos três meses e prometem ser intensos. Essa é a terceira tentativa do governo para conseguir licença e começar a operar no local.
"O projeto do Complexo Industrial Santa Quitéria se encontra em fase de obtenção de licenciamento ambiental, e deverão acontecer audiências públicas, a serem convocadas pelo órgão ambiental, as quais contribuirão para a devida instrução técnica do projeto, bem como para a integração com a comunidade local e regional", disse a INB em nota enviada ao jornal.
Desde o começo, a proposta têm grupos que combatem seu avanço, como movimentos sociais, indígenas e pesquisadores, os quais, através de estudos e pareceres, apontam para os altos riscos de contaminação por radiação.
"Dizem que esse projeto vai trazer emprego, desenvolvimento, mas também pode trazer morte e está tirando o nosso sono", afirmou Aroerê Tabajara citado pela mídia, que mora na aldeia Olho da Guinha, área de influência do projeto.
Segundo a mídia, a contaminação de ar e água com radiação é a principal preocupação. O processo de mineração libera material particulado que é carregado pelo vento e tende a se acumular no ambiente. A mina do projeto Santa Quitéria é a céu aberto, facilitando a dispersão de material radioativo e minérios pesados.
Os críticos batem de frente com o governo Bolsonaro que tem o complexo industrial no Ceará e a mineração de urânio em geral no país na lista de prioridades. De acordo com a mídia, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, é um entusiasta da fonte nuclear e tem se empenhado para viabilizar a agenda.
Entretanto, de acordo com Aroerê Tabajara, se depender da mobilização local, o projeto volta para gaveta. Nas proximidades da jazida, estão localizadas 35 aldeias de oito etnias, há ainda 16 quilombos e várias pequenas propriedades rurais.
Mesmo com os já conhecidos riscos que o empreendimento pode levar a população local, ainda existe falta de dados sobre o monitoramento da radiação gama, da deposição de poeira radioativa, da contaminação dos solos, da contaminação da água da chuva e da cadeia alimentar, bem como o fato de nem os trabalhadores saberem a que níveis de radiação podem ser expostos.
Raoni Adão Jonusan, doutor em Ciências e Técnicas Nucleares pela UFMG citado pela mídia, diz que no Brasil "a energia nuclear foi desenvolvida pelos militares, o que alimenta até hoje a cultura do sigilo" e colabora para desinformação.
"É preciso mudar isso, porque as pessoas têm direito a conhecer e a monitorar os riscos, e cobrar para que os melhores procedimentos sejam implantados. Sem isso, as pessoas vão continuar trabalhando contra o que não conhecem."
O projeto Santa Quitéria prevê um investimento de R$ 2,3 bilhões e a geração de 11 mil empregos, no entanto, os riscos ambientais e de saúde para os que trabalham e moram perto do local são bastante altos.