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Convite do TSE a observadores internacionais reflete ameaças às eleições no Brasil, dizem analistas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) convidou a União Europeia (UE) para atuar como observadora nas eleições de 2022. A medida gerou protesto do Itamaraty, que salientou que o Brasil não faz parte do bloco europeu. A Sputnik Brasil ouviu especialistas para discutir as razões que levaram o TSE a buscar observadores para o próximo pleito.
Sputnik
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil emitiu uma nota em 13 de abril saudando o diálogo com o TSE para a preparação de locais de votação para os 600 mil eleitores brasileiros no exterior e as chamadas missões de observação para as eleições gerais de 2022.
Apesar de destacar os convites à Organização dos Estados Americanos (OEA), à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ao Parlamento do Mercosul (Parlasul) e a órgãos como o Carter Center e a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore), o Itamaraty reprova o convite à União Europeia.

"No que toca a eventual convite para missão da União Europeia, o Ministério das Relações Exteriores recorda não ser da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte. Note-se que a União Europeia, ao contrário da OEA e da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa], por exemplo, não envia missões eleitorais a seus próprios Estados-membros", diz a nota.

Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, durante coletiva e apresentação da nova urna eletrônica (modelo UE 2020) para as eleições de 2022, Manaus, Amazonas, 13 de dezembro de 2021.
Para a cientista social Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a iniciativa do TSE é positiva, visto que a instituição tem sofrido ataques de membros do governo federal no sentido de deslegitimar o processo eleitoral.

"Hoje há uma grande comoção no país, em certa medida, no sentido de termos reforços para que os resultados das eleições de 2022 sejam respeitados — seja lá qual for o resultado. Não estamos em um regime democrático normal. Diante de todas as ameaças e das tentativas de desmoralização da Justiça Eleitoral, uma das formas encontradas foi essa: colocar os observadores internacionais nessas eleições", afirma a pesquisadora à Sputnik Brasil.

O também cientista social José Paulo Martins Junior, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), vai na mesma linha e acredita que a presença desses órgãos reflete mudanças e tensões na política brasileira.

"Apesar de não ter tradição de observadores internacionais no caso brasileiro, também nunca houve tradição do questionamento da lisura, da validade das eleições. Na medida em que esse questionamento vai ficando cada vez mais forte, acho que faz muito sentido que o TSE procure respaldar seu trabalho convocando entidades que tradicionalmente fazem esse trabalho mundo afora", afirma Martins Junior em entrevista à Sputnik Brasil.

Observadores internacionais norte-americanos acompanham eleições em San Salvador, capital de El Salvador, 28 de fevereiro de 2021.
Ambos os pesquisadores salientam que a presença de missões de observação é comum em diversas eleições ao redor do mundo, incluindo democracias consolidadas, mas especialmente de países com ameaças às instituições democráticas e ao processo eleitoral.

"É muito comum. Conheço diversos brasileiros que trabalham no Brasil e são observadores internacionais mundo afora: na Bolívia, no Equador, no México, na Argentina. É normal haver observadores internacionais", afirma o cientista social José Paulo Martins Junior. O pesquisador acrescenta que essa presença fortalece processos democráticos, apesar de não os garantir.

Organizações têm vieses políticos, mas podem ser objetivas

Maria do Socorro Braga também comentou a atuação dos órgãos observadores, ressaltando que o papel desses grupos, em tese, é isento de intervenção política, mas pode ser avaliado posteriormente.

"É esperado que elas tenham um comportamento de observar o fato em si, que é o processo eleitoral, e, a partir dessa observação, avaliar o quanto houve interferência [...]. Esse é o papel dessas organizações. Se há outros interesses por trás, a gente só pode avaliar depois do processo realizado", avalia Braga.

Em Brasília, um homem com um bebê nos braços deposita seu voto em uma urna eletrônica durante as eleições gerais no Brasil, em 28 de outubro de 2018.
Já o professor Martins Junior ressaltou que "toda organização tem seu viés", mas que é possível realizar o processo de observação com o devido afastamento de orientações políticas.
"Apesar disso, entendo que na avaliação do processo eleitoral é possível ter critérios razoavelmente objetivos para compreender isso de forma independente de posições ideológicas", conclui o pesquisador.
Confira a íntegra da nota do Itamaraty:
Missões eleitorais de organismos internacionais ao Brasil
A respeito de notícias sobre o envio de missões eleitorais de organismos internacionais ao Brasil, o Ministério das Relações Exteriores esclarece que mantém interlocução constante com o Tribunal Superior Eleitoral.
Neste ano, o diálogo tem abordado a organização de seções eleitorais para cerca de 600 mil eleitores inscritos no exterior, assim como o envio de missões de observação para as eleições gerais de 2022. Entre as missões, destacam-se convites para a Organização dos Estados Americanos (OEA), a exemplo das eleições de 2018 e 2020, e entendimentos preliminares com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Parlamento do Mercosul (Parlasur) e organismos especializados como o Carter Center e a União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore).
No que toca a eventual convite para missão da União Europeia, o Ministério das Relações Exteriores recorda não ser da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte. Note-se que a União Europeia, ao contrário da OEA e da OSCE, por exemplo, não envia missões eleitorais a seus próprios Estados-membros.
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